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Os elementos de análise do videoclipe

No documento Download/Open (páginas 139-146)

Neste primeiro item do capítulo três descrevemos como cada uma das pesquisas sobre videoclipe foi por nós utilizada para a composição de nossa análise. Assim sendo, trabalharemos com as ideias de análise de videoclipe elaboradas por Danilo Teixeira Bechara (2003), Michel Chion (2016), e principalmente as de Andrea Michelle dos Santos Diogo (2018). Bechara parte do princípio de que todo o videoclipe tem uma ideia central e esta é desenvolvida a partir de elementos caracterizantes de formato, ou seja, alguns elementos que sobressaem conforme o objetivo da ideia central. Para ele (...) a ideia central carrega consigo todos os elementos de um videoclipe, transmitindo e representando seus significados” (BECHARA, 2003, p. 53). Bechara (2003) elenca 16 elementos que são fundamentais na construção das ideias, e são esses elementos que tomaremos como uma das bases para a nossa observação e análise, especialmente porque eles estão relacionados também a questões técnicas. Vale ressaltar que não tomaremos seu conceito a partir da “ideia central”, e sim utilizaremos sua conceituação no que se refere aos elementos para identificar características do formato videoclipe. Os elementos são: Luz, cor, dimensão, posicionamento de câmera, composição do quadro, edição, efeitos visuais, movimento, maquiagem, figurino, locação, personagem, objeto, ação, acontecimento e entidade. Ao se referir a luz, Bechara observa questões como o canhão de luz que pode ser utilizado para iluminar apenas o centro do quadro. A posição de intensa contraluz, que possibilita ao telespectador apenas ver o contorno de quem participa do videoclipe. Ou ainda apenas as sombras dos músicos através de um pano branco, e a sombra supere a presença do próprio artista. Em relação a cor o uso de apenas uma, três, ou poucas cores em termos de objetos, cenários e personagens, o uso preponderante de cores que representam simbolicamente outros elementos, e a alternância de cores entre os cenários, para simbolizar o ritmo da melodia, ou seja cenário brancos,

que no refrão tornam-se coloridos ou sombrios. As dimensões abrangem os tamanhos dos personagens em cena, ou dos elementos da locação, que podem ser gigantes, ter o tamanho natural ou aparecerem numa escala menor do que o normal.

Com relação ao posicionamento de câmera o quadro aparece como transmissor de tudo o que o público pode ver. A composição do quadro pode ser composta apenas por um quadro, dividido em dois, ou por pequenos quadros, no formato noticiário, ou da aparição de várias fotos que compõe uma foto maior. Em relação a edição ela pode ser linear, não-linear, invertida ou stop motion, ou seja, quadro a quadro apresentados de forma devagar, o que possibilita a construção de situações inusitadas. Os efeitos especiais abrangem todo o tipo de efeito realizado com computação gráfica, 3D, ou realidade virtual. O movimento se refere a inversão dos movimentos da ação, a velocidade aumentada ou mesmo seguindo a ordem natural. A maquiagem são os efeitos de pintura facial ou corporal que são feitos nos personagens ou mesmo nos músicos. O figurino são os acessórios do vestuário que abrangem desde roupas, joias, óculos e afins. A locação são os lugares, as paisagens os cenários em que um videoclipe é filmado.

O personagem pode aparecer num videoclipe quando ele narra uma história visual, ou numa em que exista uma sincronia com a narrativa da letra da canção. Podem ser representados pelos próprios músicos, ou atores, ou ainda pessoas não famosas. No que se refere ao elemento objeto, Bechara aponta que são os videoclipes nos quais um objeto é que é o principal tema, ou motivo. A ação acontece quando o videoclipe mostra alguém correndo, ou sentado, ou andando, ou seja, realizado uma ação preponderante em todo a linguagem visual. O acontecimento é o evento predominante na ideia do roteiro, como exemplo o autor descreve o videoclipe da banda secular The Chemical Brothers, Eletrobank30, que ilustra uma apresentação de ginástica olímpica. No que se refere a

entidade, é o elemento que se expressa como dominante na ideia central do videoclipe, ele pode ser uma luz, um esqueleto, uma mentira e outros elementos para além de objetos.

Nossas principais ideias de metodologia de análise serão baseadas na pesquisa de Diogo (2018), por ser a mais atual, e a que nos pareceu mais adequada ao que pretendemos observar em nossa pesquisa. Diogo estabelece alguns apontamentos classificatórios para análise do videoclipe. O primeiro é o conceito base rítmico, que como pode ser Pontuação visual, Sincronia rítmica e hiper-fisicalidade. Que ela descreve:

- Pontuação visual, quando há uma relação explícita entre a

imagem e a música reproduzidas. Uma vez que a componente sonora oferece uma ambivalência ao nível de som e texto, a pontuação de transições pode manifestar-se enquanto a «tradução visual» quer da ambiência ou paisagem sonora (pontuação visual-aural), quer da letra da música em si (pontuação visual-textual);

- Sincronia rítmica, quando a narrativa, por um lado, é marcada

pelo ritmo musical que determina a velocidade da sequência entre transições, ou, por outro lado, é predominantemente definida pela performance do intérprete, estabelecendo por si uma relação de harmonia entre a ação da execução dos instrumentos e a percepção visual e auditiva da mesma;

- Híper-fisicalidade, ou híper-foco, quando a relação entre o som e a imagem produz um efeito de sinestesia “táctil” (DIOGO, 2018, p. 40).31

Assim para Diogo a pontuação visual está relacionada a relação entre a imagem e a música, ou seja, demonstram o que ele denomina “tradução visual”. A sincronia rítmica quando a narrativa é combinada pelo ritmo musical. E a hiper-fisicalidade quando a relação imagem e som produzem o efeito de sinestesia. Diogo (2018) também analisa a narrativa no videoclipe, que ela identifica também com três tipos: Contínua, encadeada e sem sequência. A contínua “(...) demostra continuidade do motivo” (p. 40). A encadeada verifica-se quando “(...) são apresentados diversos motivos, quer linear que alterados” (p. 40). A narrativa sem sequência é observada quando “(...) não sugere qualquer sequencialidade” (p. 40). A autora destaca a presença do cantor e da banda no videoclipe, classificando em três possibilidades: absoluto, quando a banda ou o cantor são protagonistas predominantes. Parcial “(...) quando o intérprete desempenha um papel de menor ‘relevância dramática’ e/ou um papel de espectador, ode testemunha os eventos protagonizados por terceiros”. (DIOGO, 2018, p. 41). E ausente:

(...) quando a narrativa é protagonizada apenas por terceiros e/ou o intérprete não se manifesta “fisicamente”. Consideramos, portanto, como ausentes de intérprete os exemplos onde o intérprete surge representado a partir de uma projeção ou de outro meio que não o seu registo direto (DIOGO, 2018, p. 41).

Ela também apresenta o conceito de paratexto, ou seja, o texto que acompanha o texto principal, que pode ser dividido em: Suporte visual lírico e complemento. O suporte visual lírico acontece: “(...) quando é incorporada a letra da música na narrativa visual desenvolvida” (DIOGO, 2018, p. 41). E o complemento: “(...) quando é introduzido um comentário à narrativa-base, podendo este figurar enquanto introdução, interrupção ou remate do videoclipe” (DIOGO, 2018, p. 41). Andréa Diogo classifica o videoclipe em quatro categorias: Narrativo, documental, performance e artístico:

Narrativo, quando o veicula uma narrativa através da tradução de um ou mais motivos contínuos ou encadeados; Documental, quando oferece um comentário antropológico sobre um período e/ou o processo criativo do artista; Performance, quando compreende toda e qualquer atuação do(s) intérprete(s), tanto em registo “ao vivo”, como em estúdio e/ou em cenário simulado – assim como os exemplos dedicados a rotinas de coreografia –, desde que fórmula predominante da narrativa; Artístico, quando o motivo exprime experimentação estética (DIOGO, 2018, p. 43).

Percebemos que para Diogo o tipo narrativo desrespeito aos motivos contínuos ou encadeados. O documental quando apresenta um comentário antropológico criativo do artista. O de performance quando o enfoque é a apresentação do artista, seja em estúdio ou durante um show. E o artístico, quando acontece um enfoque nas questões estéticas experimentais.

Outro recurso que utilizaremos para nossas análises e classificação do videoclipe é o conceito de “audiovisão”, desenvolvido por Michel Chion, no livro A Audiovisão: som e imagem no cinema (2016). Chion propõe uma investigação do produto audiovisual que busque analisar de forma separada as sensações auditivas e visuais. Isso porque para ele não “vemos” a mesma coisa quando ouvimos; não “ouvimos a mesma coisa quando “vemos”. Por isso, ao separar os elementos sonoros e visuais é possível perceber o “valor acrescentado” da relação entre som e imagem e através disso identificar como um som enriquece uma imagem e vice-versa:

Por valor acrescentado, designamos o valor expressivo e o informativo com que um som enriquece uma determinada imagem, até dar a crer, na impressão imediata que dela se tem ou na recordação que dela se guarda, que essa informação ou essa

expressão decorre “naturalmente” daquilo que vemos e que já está contida apenas na imagem. (...). Este fenômeno de valor acrescentado funciona, sobretudo, no âmbito do sincronismo som/imagem, pelo princípio da síncrise que permite estabelecer uma relação imediata e necessária entre qualquer coisa que se vê e qualquer coisa que se ouve (CHION, 2016, p. 12).

Como percebemos na argumentação de Chion, que ele faz em relação ao cinema, que, todavia, podemos aplicar ao videoclipe, no valor acrescentado, a imagem é o ponto central, e o som enriquece a imagem. Portanto, podemos afirmar que no videoclipe a lógica é invertida, pois, a música é o ponto de partida e central para a construção da canção numa linguagem visual. Ou seja, a linguagem musical utiliza-se da imagem para produzir o sentido de valor acrescentado. O valor acrescentado nesse sentindo em determinados momentos possuirá uma sincronia visual e auditiva. Pois: “Um ponto de sincronização é, numa cadeia audiovisual, um momento saliente de encontro síncrono entre um momento sonoro e um momento visual; um ponto de síncrise é mais acentuado, como, numa música, um acorde mais firmado e forte que outros” (CHION, 2016, p. 51). E a síncrise é (...) (palavra que aqui combina “sincronismo e “síntese) é a soldadura irresistível e espontânea que se produz entre um fenômeno sonoro e um fenômeno visual pontual quando estes ocorrem ao mesmo tempo, isto independente de qualquer lógica” (CHION, 2016, p. 54).Além disso, nas perspectivas de Chion o videoclipe:

(...) com suas cadeias paralelas de imagens e de sons muitas vezes sem relação precisa -, demonstram ao mesmo tempo uma vigorosa solidariedade perceptiva, marcada pela disposição regular, de tempos em tempos, de pontos de sincronização. Os quais, para recorrer à comparação clássica, constituem a estrutura harmônica do sistema audiovisual (CHION, 2016, p. 36)

Ou seja, para Chion o videoclipe revela uma “interdependência” e uma “dialética” na relação entre som e imagem, que, entretanto, constituem uma estrutura harmônica. Em nossas análises do videoclipe gospel brasileiro vamos observar e pontuar os momentos em que aconteceu a sincronia entre a linguagem visual e a linguagem musical. Para a análise do valor acrescentado, utilizamos a estrutura de análise experimental de filmes de Chion, com uma adaptação ao nosso objeto de estudo e a nossa proposta. Para realizar sua análise experimental ele assiste as cenas dos filmes sem sons,

buscando as impressões que o telespectador pode ter apenas no campo visual. Depois ele apenas escuta os elementos sonoros da mesma cena, para constatar as impressões sonoras. No terceiro momento ele assiste a cena com som e imagem e compara as impressões que teve quando apenas ouviu os sons e quando apenas visualizou as imagens buscando o valor acrescentado que o som e a imagem causaram na apreciação em conjunto. A partir dessa experimentação é possível identificar o produto audiovisual dentro de três diferentes impressões: as sonoras, as visuais e as audiovisuais, ou seja, as que acontecem quando as duas estão juntas. Para Chion:

No cinema o olhar é uma exploração, simultânea especial e temporal, num dado a ver delimitado que se mantém no quadro de um ecrã. Ao passo que a escuta é uma exploração num dado a ouvir e até num imposto a ouvir muito menos delimitado em todos os aspectos, com contornos incertos e mutáveis (CHION, 2016, p. 32).

Apesar da discussão de Chion ser relacionada ao som e as imagens no cinema, sua proposta nos pareceu bastante viável para nossa discussão do formato e do conteúdo do videoclipe gospel, pois, podemos perceber como as imagens do videoclipe acrescentaram valor ao conteúdo da letra da canção. Tomaremos como base sua ideia, todavia adaptando ao nosso objeto. Assim, a partir do exercício experimental que ele propõe podemos perceber se um videoclipe gospel assistido sem som pode ser classificado como gospel pela sua linguagem visual, ou seja, se a linguagem visual conseguiu também demonstrar os temas e os conteúdos presentes na cultura gospel e na linguagem religiosa. Ou se apenas na junção de som e imagem que se torna perceptível a identificação dos elementos da linguagem religiosa. Dessa maneira, ao analisarmos um videoclipe gospel, também o assistiremos sem o som, observado apenas a sua linguagem visual. Para que com isso possamos estabelecer: 1) em que sentido; 2) em que medida; 3) através de quais imagens; 4) que iconografias; 5) que estrutura narrativa visuais. Que caracterizam o imaginário cristão, dos evangélicos, das narrativas bíblicas e da cultura gospel podem ser notados. Através dessa experimentação será possível identificar se o videoclipe gospel tem um caráter relacionado a linguagem publicitária, com o intuito da promoção do músico ou se ele também tem uma preocupação em transmitir uma mensagem religiosa, que vise não apenas o entretenimento gospel, como também o caráter evangelístico e de experiência religiosa.

As ideias de um outro pesquisador foram por nós utilizada para estabelecer alguns critérios dos quais estamos observando, Guilherme Bryan (2005). Dos aspectos por ele apontados utilizaremos o conceito de que nossa análise é também “(...) uma leitura crítico- interpretativa que, mesmo levando em conta elementos sonoros, visuais e cênicos, não se traduz numa decupagem técnica. É um estudo analítico com detalhe de certos aspectos” (BRYAN, 2005, p. 113). Bryan em sua pesquisa propõe também uma análise da letra, um dos elementos que consideramos significativos para a nossa proposta. Para ele: (...) o objetivo é conhecer a letra e seu conteúdo para, a partir daí saber de que maneira ela foi transformada em imagem” (BRYAN, 2005, p. 113). Em nosso caso utilizaremos conceitos da análise de discurso para a interpretação da letra da canção, como veremos mais detalhadamente em outro item. Ademais, a pesquisa de Guilherme Bryan nos ajudou a formar nossa sintetização dos dados técnicos que destacaremos acerca dos videoclipes. Estes dados são: Nome do videoclipe, direção, intérprete da canção, compositor, ano de produção, quem produziu, álbum, gravadora, duração da canção, duração do videoclipe e letra da música.

No que tange a observação do conteúdo religioso, tomaremos como parâmetro para sua percepção, os temas da cultura gospel, tal como já destacamos no capítulo dois. E os temas clássicos da hinologia dos primeiros missionários evangélicos que aportaram no Brasil, como destacamos no capítulo um. Assim, o conteúdo gospel que procuraremos observar que aparecem tanto na letra da canção, quanto na linguagem visual do videoclipe são: Cristologia; vida no porvir; peregrinação dos fieis pela terra; pietismo; milenarista; misticismo; conversão; trindade; convite ao pastoreio; serviço comunitário; guerra espiritual; individualismo; teocentrismo; antropocentrismo, destruição do mal, intimismo, centralidade no louvor e adoração; teologia da realeza e do poder divino que se manifesta também no ser humano, felicidade na terra, no que se refere os aspectos financeiros, sentimental e físico; busca pelas bênçãos divinas e teologia da prosperidade. Também observaremos e destacaremos se aconteceu alguma aproximação com histórias de personagens bíblicos, parábolas contadas por Jesus, ou qualquer outro acontecimento descrito nas narrativas da Bíblia. Através da observação, identificação e análise dos aspetos relacionados ao gênero videoclipe e o conteúdo religioso cristão acreditamos que será possível observar como a linguagem musical e a linguagem visual se relacionaram para transmitir um conteúdo no gênero videoclipe gospel. E como o formato influenciou o conteúdo, e vice-versa. Se nessa negociação o formato ou o conteúdo é que foram preponderantes, e em que sentindo elas foram transgressoras.

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