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A imagem em movimento em casa: a criação da televisão e seu uso pelos

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1.2. A linguagem visual e o Cristianismo

1.2.4. A imagem em movimento em casa: a criação da televisão e seu uso pelos

Se o cinema já tinha representado uma grande revolução no formato da produção e reprodução de imagens em movimento, a televisão revolucionou ainda mais esse formato. Isso aconteceu especialmente porque a televisão tornou possível o consumo dessas imagens em movimento no aconchego dos lares. Não era necessário ir até um cinema, tão pouco esperar novos lançamentos cinematográficos. Com a televisão foi possível ao ser humano no repouso do sofá, ou em qualquer outro espaço de sua casa receber uma variada de programações com diversos conteúdos e formatos. As imagens em movimentos na televisão criam ilusões ou transmitem realidades. Para Roger Parry o formato da imagem televisiva mudou a percepção visual humana, isso especialmente porque: “A televisão funciona porque engana o olho humano. As imagens na tela, compostas de centenas de linhas de pontos luminosos, mudam tão rápido que o olho e o cérebro as “veem” representando um movimento contínuo (PARRY, 2012, p. 280). Esse formato de distribuição de imagens rápidas que possibilitarem criar a sensação de movimento na visão humana modificando a maneira das pessoas se divertirem. Pois, ao lado do rádio, a televisão transformou de forma profunda o conceito de entretenimento e distribuição de informação em termos de divertimento na privacidade porque são: “(...) bens de consumo individual ou doméstico; o rádio e a televisão são exemplos de produtos desenvolvidos para o uso em privacidade, criando o lar autossuficiente para reintegração da família” (YOSHIURA, 2007, p. 17). Se durante muito tempo na história humana as

formas de diversão estavam ligadas a festas, que em sua maioria aconteciam em lugares públicos, a televisão traz a possibilidade do entretenimento no espaço privado.

No entanto, o desenvolvimento de sua tecnologia precisou além do trabalho de muitos pesquisadores em diferentes partes do mundo, o uso de outras tecnologias que já existiam, tais como o desenvolvimento da eletricidade, o rádio, o cinema, a telegrafia e a fotografia. Todavia, o grande impulso para a televisão chegar aos lares dos telespectadores aconteceu quando as empresas e corporações perceberam na nova invenção um meio de lucrar com entretenimento. Assim a televisão teve seu maior desenvolvimento quando a EMI e a RCA entraram na produção e distribuição da televisão. Em 1941, nos Estados Unidos da América, as transmissões regulares de televisão começaram. Entretanto: “Investiu-se na produção apenas o necessário para fazer a distribuição tecnicamente possível e atraente. Com “(...) sistemas concebidos principalmente para a transmissão e recepção como processo abstratos, com pouca ou nenhuma definição anterior de conteúdo” (WILLIAMS, 2016, p. 37). Como não havia um modelo estabelecido os primeiros programas de televisão seguiam o modelo de outros meios de comunicação e artísticos já existentes, como o jornal, o cinema e o rádio, do teatro, dos espetáculos musicais com formatos adaptados para a televisão. Aos poucos, os novos formatos transformados criaram uma diversidade muito grande de sua grade de programação. Com a facilidade de distribuição de conteúdo audiovisual para milhares de pessoas ao redor do mundo de forma instantânea a televisão tornou-se um dos principais meios de produção de cultura de massa da pós-modernidade. Por isso é um objeto necessário em todos os lares, dos grandes centros aos lugares mais remotos do planeta. Ela informa, dita modelos de moda e consumo, cria e recria imaginários. Faz da imagem um dos pilares de nossos tempos. Através dela as pessoas autenticam seus argumentos, discutem fatos e constroem realidades: “A televisão penetrou tão profundamente na vida cotidiana do homem contemporâneo que tudo que acontece, acontece nela, se algo não seguir este caminho, torna-se estranho ao conhecimento de todos” (YOSHIURA, 2007, p. 16). Tem como uma de suas principais características a mistura da realidade com a ficção, ao ponto de os telespectadores muitas vezes terem dificuldade de diferenciar entre essas duas dimensões, pois, misturam: “(...) os eventos reais, com personagens verdadeiros e humanos, de fábulas fictícias com desenhos animados e bonecos de pelúcia. As categorias se misturam, as expressões reais e imaginárias interagem ao mesmo tempo” (YOSHIURA, 2007, p. 20).

Como já salientamos anteriormente Williams argumentou que a televisão causou significativos impactos na sociedade e nas instituições, e as instituições religiosas não ficaram de fora desses processos e tiveram também que adaptar-se ao seu uso. Entretanto, como qualquer tecnologia que transformaram o formato e o uso de elementos já existentes o uso da televisão também causou e ainda causa aproximações e distanciamentos dos grupos religiosos. Algumas denominações evangélicas consideram a televisão uma invenção “diabólica”, um meio de transmissão de conteúdo pecaminoso. Outras, todavia, entenderam a televisão como um meio de anúncio de suas doutrinas. Para aqueles que consideraram a televisão um meio de transmissão de conteúdo positivo foi preciso realizar uma negociação doutrinária para que o uso da televisão fosse possível. Essencialmente, porque as instituições precisaram mudar o conceito de sagrado e profano, para se adaptar ao espírito cultural da época que naturalizou o uso da televisão. Por conseguinte, coube a “(…) instituição religiosa estabelecer a fronteira entre pessoas, objetos, ritos, procedimentos, locais “pertencem às coisas deste mundo” daquelas que se encontram em luta pela alocação legítima dos bens imateriais” (MARTINO, 2003, p. 24). Nessa negociação a televisão passou das “coisas deste mundo” para um meio “abençoado” de anúncio da palavra divina.

Além da negociação que as instituições religiosas tiveram que realizar para utilizarem a televisão como meio de comunicação que contribuísse com a propagação de sua mensagem, para Jean-Jacques Wunenburger, a própria televisão, representa na pós- modernidade um elemento mágico-religioso, e isso acontece desde a forma de sua transmissão, pois, segundo o autor, é como se o sinal que transmite a imagem televisiva viesse do céu, e fosse uma espécie de mediador simbólico entre o céu e a terra, e nessa mediação aconteceu uma epifania (WUNENBURGER, 2005). Wunenburger defende que a imagem animada da televisão é portadora de uma energia sagrada não como um meio, e sim como uma manifestação última. Pois para ele:

Não se venera mais aquele que é representado, mas se adora o que é apresentado, isto é, a imagem em si, que se revestiu dos tributos do divino. O mistério técnico de uma imagem que se anima sem referente torna-se a fonte de uma magia da presença pura, sem mediação” (WUNENBURGER, 2005, p. 28).

Partindo dessa perspectiva de Wunenburger além de todas as características e funções que a imagem teve na história, como estamos discorrendo durante a pesquisa, o

formato da imagem televisiva trouxe uma nova característica à imagem, ela não é apenas uma representação de um elemento e sim o próprio elemento de adoração. Por essa característica, os atores, atrizes, cantores, cantoras, bandas, apresentadores dos mais variados programas televisivos passam a ser idolatrados, pois, são eles que aparecem na televisão. Essa “devoção” ao ídolo midiático será um tema que trataremos com mais detalhes em outros capítulos, isso porque, os cantores/ bandas gospel farão uso dessa “imagem de ídolo”, ainda que de maneira não explicita, e isso reflete no conteúdo das imagens do videoclipe gospel brasileiro.

Um último aspecto que destacaremos da imagem no formato televisivo é sua relação de tempo, como aponta Rafael Rosa Hagemeyer, pois, a imagem no audiovisual é duração:

(...) ela não é autossuficiente, mas apenas uma entre tantas outras, compondo uma relação de sentindo, às vezes, submetida a uma ordem narrativa. Há também que se levar em conta a plasticidade com que as formas vão se modificando na tela, a lógica da montagem, dos efeitos de continuidade etc.” (HAGEMEYER, 2012, p. 44).

Ou seja, uma imagem na televisão não é suficiente, porque ela é de curta duração, ela só é provida de sentindo diante da junção de outras imagens, ordenadas pelos efeitos de continuidade. Ademais, ele destaca a importância do som para que exista um efeito ainda maior no uso da imagem, já que, os:

Sons diferentes e às vezes sobrepostos, que podem ser o da fala, do ruído ou da música, levando em conta que esse som pode vir “de dentro da cena”, como parte do universo do filme, ou se sobrepor como “comentário”, vindo de quem está fora daquela “realidade” retratada da tela (HAGEMEYER, 2012, p. 44).

Assim Hagemeyer salienta que os efeitos sonoros são um dos elementos que possibilitam o entendimento do sentindo das sequências das sobreposições das imagens. Esses sons podem ser de diferentes tipos, todavia são necessários para que aconteça a relação que possibilita o sentindo do todo. Entretanto, vale destacar que os efeitos produzidos pela duração a apreciação das imagens audiovisuais são diferentes conforme a faixa etária, uma vez que nos mais jovens existe uma maior capacidade de receber mais

imagens porque são “(...) os únicos que podem ter reflexos adequados à terrível ascensão do ritmo da apresentação” (CALABRESE, 1987, p. 68). Como resultado disso são os jovens os maiores apreciadores de videoclipes já que têm uma capacidade cognitiva para a amplitude para sua melhor apreciação. Por isso, diferentemente de outros períodos históricos, no qual a mudança de significado das imagens transforma-se com o transcorrer de vários anos, as imagens do audiovisuais podem ter sua apreciação e significação totalmente diferente para um jovem ou para um adulto. Especialmente porque as imagens em audiovisuais representarem duração, logo, a capacidade de absorção do conteúdo visual pela observação será diferente conforme a faixa etária. Justamente por isso, o enfoque de nossas análises não estará na recepção do videoclipe gospel brasileiro, e sim na sua relação mútua entre formato e conteúdo na distribuição de linguagem religiosa pós-moderna.

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