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Corinhos e grupos musicais paraeclesiásticos: as transgressões de conteúdo e

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1.1. Linguagem Musical e Cristianismo: formatos, conteúdos e transgressões

1.1.5. Corinhos e grupos musicais paraeclesiásticos: as transgressões de conteúdo e

A partir da década de 1950, a música evangélica brasileira começou a romper com o modelo estabelecido pela hinologia importada pelos primeiros missionários que haviam chegado ao país. Foram momentos transgressores, nos quais novos estilos, instrumentos e temas ligados a cultura, espírito da época do período começaram a ser incorporados pelas igrejas locais de diferentes denominações. Isso aconteceu também porque outras ramificações dos evangélicos foram se organizando. Algumas denominações introduziram em suas práticas cúlticas o uso dos denominados “corinhos”. O corinho, ou cântico considerado alternativo teve origem no movimento evangélico dos EUA nos séculos XIX e XX. Seu uso popularizou-se no Brasil entre os jovens evangélicos brasileiros nas décadas de 1950 e 1960, a princípio, especialmente nas reuniões, congressos e acampamentos, com o tempo foram introduzidos nas liturgias oficiais. Eram estruturados com letras traduzidas e adaptadas para a língua portuguesa. Entre suas características, segundo destaca Luiz Carlos Ramos, estão o caráter efêmero e acelerada renovação, não passam pelo crivo oficial das estruturas eclesiásticas, não representavam teologicamente, cultural e melodicamente a opinião oficial da denominação, são curtos e repetitivos, o que lhe atribuiu o nome “corinhos” (RAMOS, 1996).

No que diz respeito ao tema das canções elas discorriam sobre: pietismo, individualismo a-historicismo, trans-historicismo, haviam cânticos dirigidos ao próximo, cânticos de louvor, expressões de louvor individual e coletivo, Espírito Santo, trindade, escatologia e batalha espiritual. Foram responsáveis por uma transformação instrumental do formato pré-estabelecido, pois, para além do órgão e do piano, que eram os principais instrumentos utilizados pelos evangélicos. Em sua execução eram utilizados: violão, guitarras, baixos, teclados eletrônicos, sintetizadores e baterias. O que representou

transgressão no formato estabelecimento como modelo consensualmente se consolidado até aquele momento. Tal transgressão gerou muitos conflitos, especialmente no cenário das igrejas com tendências mais conservadoras. Ademais, representaram uma transgressão também de formato e conteúdo em alguns casos por utilizarem elementos da música popular brasileira, tais como ritmos, instrumentos e temas (RAMOS, 1996).

Foi nesse período também que grupos musicais formados por jovens se destacaram como maneira de produzir e apreciar linguagem musical evangélica brasileira. Foram grupos que tiveram uma expressiva aceitação e popularidade entre diferentes denominações evangélicas. Baseados na transgressão do modelo estabelecido através da hinologia os movimentos musicais paraeclesiásticos brasileiros ganharam destaque. Esses movimentos são assim denominados, especialmente, porque eram administrados por organizações missionárias estadunidenses que não tinham nenhuma ligação às juntas ou comitês das igrejas evangélicas institucionalizadas. Todavia, recebiam contribuições financeiras de membros das diversas denominações de forma independente da instituição religiosa. Atuavam em três diferentes níveis: evangelização de massa, acampamentos para a juventude e literatura (MENDOÇA; VELASQUES, 1990). No que tange a evangelização de massa utilizavam da música como principal ferramenta de divulgação de ideias cristãs. Sua atuação no Brasil teve íntima ligação com o que estava acontecendo nos EUA no final da década de 1960 e 1970 o denominado Jesus Movement (Movimento de Jesus). Que foi considerado uma “revolução espiritual” que converteu milhares de jovens estadunidenses ao cristianismo evangélico, que encontrou seu nicho na juventude que não queria mais viver o estilo libertário do movimento hippie do período, que, contudo, queria uma resposta para os seus problemas e para as questões sociais, e encontraram no evangelho cristão a resposta para os seus anseios, numa expressão contracultura ao modelo cultural estadunidense do período (BAGGIO, 2005). Esse movimento utilizou como ferramenta de evangelização a música, que seguia o modelo de estilos populares do momento no cenário musical secular, especialmente o rock3. Utilizar o estilo rock com letras evangélicas representou uma grande transgressão aos modelos

3Rock segundoHenrique Autran Dourado é a designação genérica para a música popular de origem norte-

americana consolidada na metade do século XX, difundiu-se em todos os países do mundo e permanece com variantes ou mesmo em sua forma clássica até os dias de hoje. Mais especificamente, o rock se refere ao chamado rock´n´roll derivado do Rhythm´n ´ blues surgido por volta de 195, quando fez despontar nomes como Bill Halley, Elvis Presley, Churry Berry, Bo Didley e Little Richard. A instrumentação básica inclui guitarras elétricas, baixo elétrico, bateria e eventualmente piano, teclados e órgãos eletrônicos, entre outros instrumentos (DOURADO, 2004, p. 283)

musicais das igrejas evangélicas tanto nos EUA, como no Brasil. Isso aconteceu principalmente porque o estilo rock é essencialmente transgressor, tanto em termos de formato, quanto em termos de conteúdo, e por muito tempo lendariamente sua criação foi atribuída ao “diabo”. É por isso que os movimentos musicais paraeclesiásticos que ser formaram no país faziam suas apresentações em dias e lugares diferentes ao ambiente da igreja e aos momentos do culto, pois, sua utilização no estava de acordo com o padrão da liturgia oficial das igrejas. No Brasil o auge desses movimentos aconteceu em meio ao cenário da ditadura militar, o que representou uma alienação aos jovens evangélicos em relação as lutas estudantis, que, no entanto, representaram uma revolução transgressora na forma de se utilizar música nas igrejas (MEDEIROS, 2009). No melhor “estilo de vida desprendido” jovens de diferentes denominações evangélicas eram selecionados por grupos como o Vencedores por Cristo, para formarem uma equipe que recebia treinamento bíblico, teórico e prático durante três meses para levarem a “mensagem de Jesus” através da linguagem musical para os quatro cantos do Brasil. As equipes eram formadas por cerca de 20 integrantes. E o treinamento recebido era dividido em três etapas: 1- dois meses de treinamento teórico composto de estudos bíblicos, momentos de oração, compartilhamento de experiências espirituais e ensaios musicais; 2- Gravação de um disco para levar nas viagens missionárias, além da apresentação em espaços públicos ou nas igrejas locais do grupo musical acompanhado de alguma pregação por parte de algum integrante; 3- o jovem voltava para a sua igreja local, compartilhava as experiências vividas e formava o seu próprio grupo musical na igreja (MEDEIROS, 2009). Esse modelo e outros semelhantes a ele foram seguidos por demais grupos do período, tais como: Missão Jovens da Verdade, Organização Palavra da Vida, Mocidade para Cristo, Grupo Elo, Comunidade S-8 e Conjunto Novo Alvorecer. Estes grupos musicais paraeclesiásticos tornaram populares entre as igrejas locais de diferentes denominações. Conseguiram amplitude de reconhecimento: pelo modelo do compromisso do jovem que participava das esquipes voltar para sua igreja local e formar um grupo musical com um modelo semelhante ao que havia participado; através das viagens missionárias que realizavam por várias cidades brasileiras e pela venda dos LPs.

Em termos de estilo musical as canções seguiam a melodia do rock e o que a cultura gospel convencionou a denominar estilo “louvor e adoração”. O que seria equivalente na cultura secular denominado estilo balada romântica, típicas do período cultural, mas que representava uma transgressão no modelo estabelecido para a música

evangélica brasileira. Em iniciativas isoladas, os ritmos baião4 e a bossa-nova5, estilos

tipicamente brasileiros foram utilizados. Se comparadas aos corinhos as canções desses grupos eram um pouco mais elaboradas. As letras que na maioria das vezes eram traduzidas do inglês, pois eram copiadas dos movimentos estadunidenses, tinham conteúdo teológico de base pietista, apelo a conversão e a vida no porvir,individualismo, negação do mundo, sectarismo, antiecumenismo, e alguns casos alinhamento com as ideias do Estado Militar Brasileiro (CUNHA 2007; MEDEIROS 2009). Uma outra novidade que foi implementada por esses grupos em relação a linguagem visual era o cuidado com o vestuário, uma vez que, em suas apresentações ao vivo eles utilizavam uniforme e uma disposição cênica, as capas de seus LPs durante um período de tempo privilegiavam essa “boa aparência”, por essa razão “ditavam moda” para os jovens evangélicos das igrejas locais que também começaram a formar seus próprios conjuntos (CUNHA, 2007).

Conforme as perspectivas criadas como modelo consensualmente aceito para a linguagem musical evangélica brasileira os corinhos representaram uma primeira grande transgressão de conteúdo e formato, e não à toa, seu apelo inicial e sua utilização estavam ligados aos jovens, que são sempre a faixa etária que está em constante busca por inovações e transgressões. É por isso que se tornou muito comum no período a formação dos grupos musicais de jovens formados por movimentos esses grupos paraeclesiásticos, que transgrediram em formato e conteúdo, porém, com o passar do tempo também se tornaram um modelo estabelecido e que poderia ser aceito nas liturgias oficiais.

4Baião segundo Henrique Autran Dourado refere-se a um gênero de música e dança do Nordeste brasileiro

cuja a invenção é atribuída a Luiz Gonzaga, proclamado o “Rei” do gênero graças ao sucesso de Baião (1944), em parceria com Humberto Teixeira. Facilmente identificável por seu ritmo peculiar, tem como característica principal o início das frases após pequena pausa no tempo forte. Apesar de ser encontrado nas mais diversas formações, o conjunto clássico de baião é composto por sanfona, triângulo, zabumba e, às vezes, pífaros e rabeca (DOURADO, 2004, p. 37).

5Bossa Nova segundo Henrique Autran Dourado é um estilo musical que aproximadamente a partir 1955

foi se formando através de outras influências. Pois, o samba urbano carioca passou a incorporar as modernas conquistas do jazz, notadamente o cool e o bop. Jovens da classe média do Rio de Janeiro (como se dizia, gente bonita, cheia de “bossa”) confinados nos apartamentos de Copacabana e de Ipanema, principalmente, desenvolveram uma música popular intimista, cuja a harmonia dissonante foi também bastante influenciada pelo impressionismo francês (DOURADO, 2004, p.56).

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