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A fase MTV Brasil

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2.1. Música para apreciar também com os olhos: A criação do formato videoclipe

2.1.3. A fase MTV Brasil

Em 20 de outubro de 1990 uma nova era de produção e divulgação do videoclipe se estabeleceu no Brasil quando ao meio-dia, um novo canal exibia sua programação, quando: “(...) entrou no ar a VJ Cuca Lazarotto anunciando o clipe Garota de Ipanema, com a versão pop de Marina Lima para a canção de Tom Jobim que eternizou a música popular brasileira no imaginário americano” (LUSVARGUI, 2007, p. 47). A MTV Brasil entrava no ar. A emissora foi a terceira versão do Canal MTV lançado no mundo e a primeira a ser lançada como sinal em TV aberta. A princípio sua programação era composta pela veiculação de videoclipes durante 14 horas por dia, ou seja, durante todo o tempo que a emissora permanecia no ar. O modelo MTV já estava inserido e consolidado dentro da indústria fonográfica mundial há quase uma década quando chegou no Brasil. A versão brasileira da MTV foi possível graças a um “(...) contrato de licensing, estratégia de marketing que permite a um licenciado utilizar uma marca mediante o pagamento de royalties, semelhantes ao franchising” (LUSVARGUI, 2007, p. 47). Com a proposta de ser um canal que transmite música na televisão, especialmente para o público jovem entre 12 e 35 anos, das classes A e B, a emissora tinha seu sinal transmitido em frequência aberta, UHF. Em São Paulo era o canal 32, e no Rio de Janeiro o 24. Por estar inserido na TV aberta, ainda que numa frequência diferente das emissoras consagradas no período que utilizavam o sinal VHF que maior utilização, conseguiu num tempo relativamente curto um público fiel. Zico Goes, que foi durante muitos anos o diretor da emissora define o padrão da MTV Brasil da seguinte forma:

Esse novo canal foi montado de forma muito moderna, simples e ousada. Era uma equipe formada por profissionais ligados ao meio musical, que já tinham trabalhado em gravadoras. Conheciam o videoclipe e enxergaram nesse produto um potencial televisivo. Era um negócio da China! Os videoclipes pertencem às gravadoras e não gravadoras e não ao canal que os exibe. Assim, você só precisava perguntar: “Posso exibir seu clipe?”, e a resposta era. Invariavelmente, “Sim, é claro!”. Todos saíam ganhando: a gravadora divulga seu artista e o canal entregava ao público a novidade musical (GOES, 2014, p. 11).

Através dessa forma moderna, simples e ousada a MTV Brasil desenvolveu também um novo padrão para as produções do videoclipe brasileiro. A partir dela a

produção e divulgação estava “liberta do padrão Rede Globo”, o que permitiu uma maior audácia de criação dos produtores, gravadoras e músicos, dentro do formato transgressor que o próprio videoclipe representa. Por ser uma novidade e pela necessidade de material para ser transmitido, dentro da proposta de veicular conteúdo nacional e principalmente fomentar a música brasileira a própria MTV Brasil financiou a produção de 20 videoclipes, o que de certa forma criava um padrão do que o canal iria reproduzir. O rock brasileiro, em suas diferentes vertentes, foi o estilo que mais se beneficiou a princípio com a transmissão de videoclipes no novo canal, bem como o rap, que ganhou um programa exclusivo (Yo!). Além da própria música popular brasileira, no entanto, alguns ritmos como sertanejo, e axé11 nunca tiveram espaço na grade da emissora, bem como a música gospel, como já afirmamos anteriormente. Todavia, nenhum depois da criação da MTV Brasil todos os estilos musicais brasileiros perceberam a necessidade de criar seus videoclipes. A produção se intensificou especialmente quando as produtoras de audiovisual entenderam na criação do videoclipe um nicho de mercado e experimentação de trabalho:

Profissionais da publicidade e diretores de filmes também entraram na onda: fazer videoclipe era um trabalho experimental rápido e divertido. O negócio começou a crescer e, em meados da década de 1990, já se produziam entre duzentos e trezentos videoclipes por ano no país (GOES, 2014, p. 24).

Com um espaço maior para a divulgação e o aumento na produção tornou-se impossível pensar na divulgação de música apenas pelo rádio, e o videoclipe consolidou- se como um gênero audiovisual necessário a indústria musical, bem como entrou no imaginário dos apreciadores. Depois da popularização da MTV é bastante comum que o público ao escutar uma canção pensar em sua versão visual. A MTV Brasil, além de criar uma linguagem nova para a televisão, com sua especificidade de produto audiovisual, concebeu a ideia de se pensar em música para os olhos, desenvolveu ainda mais a necessidade da performance e do estilo visual dos músicos para além dos shows. Com o videoclipe e a MTV:

11 Axé é um gênero musical que surgiu na Bahia na década de 1980 durante as folias do carnaval de Salvador. É uma mistura de ritmos musicais como o frevo pernambucano, maracatu, reggae e forró. Disponível em: < https://www.significados.com.br/axe/> Acesso em 05 de julho de 2019.

Estava mudando radicalmente a maneira não somente de consumir música, mas também e principalmente de fabricá-la, imaginá-la, produzi-la e comunicá-la. O “sentir” música não se restringia somente à dimensão da orelha (se é que alguma vez tenha sido somente isso), mas se alastrava segundo novos impulsos rumo a uma multissensorialidade do corpo. Sentir a música com os olhos, com o tato, o gosto e também, claro, com o ouvido. Um corpo que sente, que é consciente, que se modifica com novos níveis de percepção. A MTV contribuiu, enfim, com a afirmação de que os sentidos não somente cinco e que – acima de tudo- não são separados fisiologicamente: daí ser um novo “corpo-panorama” (body-scape) que sente. Com essa mudança, a MTV acelerou um processo que já vinha sendo experimentado na publicidade e nas artes visuais: a multiplicação e a superposição de códigos, a justaposição de fragmentos acelerados que desenvolve uma nova maneira de comunicar. E também uma nova maneira de perceber o olhar. Um “fazer-se ver”, ou seja, algo que não significa mostrar-se, mas fazer- se “olho-que-vê e se vê”. “Fazer-se olhar”. Daí uma montagem frenética que tinha no seu interior, no seu ritmo, a mesma música que acompanhava. E também “olhos dançantes”. Ritmos visuais e sonoros se entrelaçavam ou se opunham de acordo com novas modalidades perceptivas. A música é concebida seja por meio dos acordes sônicos que pelos visivos. A montagem é pulsão. Sound- scape (CANEVACCI; GARGIULO; LEITE; TARGIONI, 2006, p. 60).

Os nascidos pós geração MTV já aprenderam a experimentam a música através desses ritmos visuais, com os olhos dançantes. A emissora trouxe essa inovação, que com a internet ficou ainda mais intensa como discutiremos no próximo item. Por hora cabe- nos ressaltar ainda que apesar da linguagem MTV aplicada as produções de videoclipe ser um padrão em escala mundial pela proposta de ser um canal glocal, a MTV Brasil desenhou um perfil particular para as produções dos videoclipes brasileiros. Nessas particularidades permitiram que pesquisas sobre o tema abordassem o perfil dos diretores, muito dos quais ou se tornaram ou já eram do cinema e da publicidade. Por isso o videoclipe brasileiro em determinados aspectos foi bastante influenciador da linguagem cinematográfica produzida no país nas últimas duas décadas. As pesquisas que discutem

as particularidades dos diretores de videoclipe são: A autoria no Videoclipe Brasileiro: estudo da obra de Roberto Berliner, Oscar Rodrigues Alves e Maurício Eça (2001) de Guilherme Bryan. O Videoclipe Brasileiro pelo Viés do Manguebeat: a contribuição do Diretor (2011), de Fernanda Carolina Armando Duarte. Outra particularidade que a MTV imprimiu ao formato videoclipe foi o lugar onde os caracteres são colocados, no canto inferior esquerdo, no começo e no final da exibição do videoclipe, nele apareciam as informações sobre o nome do cantor ou banda, da canção, do álbum, dos compositores, gravadora e diretores dos videoclipes. Esse padrão passou a ser utilizado em todos os videoclipes, inclusive nos da própria música gospel. Ademais, Maurício Taveira ressalta que a MTV Brasil criou um padrão de imagem que era utilizado nos programas e nas famosas vinhetas, caracterizado por:

Ritmo e dinâmica são elementos também centrais. São protagonistas da ênfase dramática e frenética (da justaposição entre os planos contínuos ou descontínuos) desse padrão de imagem. São fontes de energia. E essa fonte tem o tamanho e a variação da duração dos planos na tela. Quanto menor é a duração, mais frenético é o ritmo, que sugere mais intensidade. Esses princípios motores da montagem da imagem produzem, em parte, a atitude MTV Brasil. Mas há ainda outros elementos. Os movimentos de câmera e os movimentos dentro do plano têm igualmente sua importância: de planos de curta duração e de uma montagem ágil, eles geram a empolgação e a intensidade das cenas ou sequencias das imagens. Pan, tilts, zoom, travelling de aproximação e de afastamento, câmera “nervosa” na mão e em steadycam, personagem em movimento, variação de luzes, efeitos de distorção de objetos e de personagens com teleobjetiva ou grande angular são elementos de apoio que auxiliam na criação daquilo que se convencionou chamar de padrão MTV Brasil de imagem (TAVEIRA, 2006, p. 53).

Podemos perceber que a MTV Brasil contribuiu muito para a popularização da produção e da apreciação do videoclipe no país. Ao ponto de ter criado uma geração de “MTViciados”. Todavia, não foi apenas uma contribuição relacionada ao videoclipe, a maneira jovem, pós-moderna, com uma linguagem cotidiana descontraída, a maneira desprendida e transgressora que utilizou para abordar assuntos relacionados ao comportamento e estilo de vida permitiram um novo espaço para a cultura jovem

brasileira de manifestação na televisão. E por que não afirmar que a própria cultura gospel foi bastante influenciada por essa linguagem MTV? Já que ambas se desenvolveram ao mesmo tempo e têm como nicho o público jovem, que é o mais aberto e ávido por inovações. Que está sempre disposto a transgredir as formas e padrões estabelecidos pela sociedade e pela cultura. Afinal, se o espírito da época para as manifestações da juventude, no que tangem apreciação da linguagem musical e do padrão de comportamento estavam bastante fundamentados na linguagem MTV, certamente, muito do que a cultura gospel trouxe de modelo de linguagem religiosa para o jovem cristão protestante foi influenciado por esse emissora. Ademais, espaços de debates e compartilhamento de conteúdo que na atualidade acontecem na internet tiveram seu “período jurássico” com a MTV Brasil. E é justamente por isso que a chegada na cibercultura a MTV perdeu sua essência de existir como veremos no item a seguir.

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