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As decisões não levam em conta o aspecto econômico

No documento Direito à saúde baseada em evidências (páginas 169-174)

3. METODOLOGIA

4.12 As decisões não levam em conta o aspecto econômico

Na decisão sobre o caso específico, o custo benefício da abordagem médica proposta para o paciente, de maneira geral, o juiz não leva em consideração o custo do tratamento, procedimento ou exame. Considera em primeira mão a indicação do médico assistente e, se esta chega ao judiciário, a decisão prioriza o direito à vida e não a limitação econômico-financeira do Estado para prover os recursos visando atender à pretensa necessidade do paciente. A indicação do médico assistente é evidência suficiente para a concessão do pedido autoral, mesmo se não houver informação na literatura que suporte a pretensão do paciente orientado pelo seu médico.

A necessidade de previsão orçamentária na visão do judiciário, constitui argumento nebuloso que precisa ser enfrentado sendo a principal justificativa evocada pelo Estado para evitar condenações ou mesmo suspender liminares de pedidos de fornecimento de medicamentos, procedimentos, exames ou insumos. A previsão orçamentária e disponibilidade material de recursos para efetivar políticas públicas de caráter social, normalmente alegadas pelos órgãos estatais e a presença dos medicamentos demandados em lista da ANS, argumento frequente nos recursos dos planos de saúde, não parecem mais ser capazes de sensibilizar o judiciário, para quem as normas de caráter programático não podem ser usadas como promessa constitucional não cumprida.

Esse paradoxo de normas em colisão evoca aspectos constitucionais que podem afetar a utilização dos recursos pelo Estado e a qualidade de vida das pessoas. A solução desse problema, envolve o estudo de áreas distintas do conhecimento como economia, sociologia, matemática, medicina e Direito (GANDINI; BARIONE; SOUZA, 2008). Ressalte-se que o uso de dados da MBE pode amenizar as diferenças dessas visões discrepantes.

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) orienta que as decisões abstratas devem ser afastadas em prol de outras que visam a prática. Porém, esse princípio legal não é seguido pelos magistrados, em muitas decisões.

5 DISCUSSÃO

Os resultados baseados no levantamento e análise de sentenças e de pareceres técnicos dos NATJUS comprovam a hipótese de trabalho. Apenas 30 (2,6%) das 1151 sentenças estudadas e 60 (5,2%) dos pareceres dos Núcleos de Apoio Técnico (NATJus) fazem menção à medicina baseada em evidências. Esse dado por si só constitui demonstração de que os magistrados ao julgarem processos relativos ao direito à saúde são pouco influenciados pelas evidências científicas relatadas no tópico medicina baseada em evidências. Pode-se afirmar, então, que os magistrados confiam mais na sua experiência pessoal e na sua intuição do que nos dados objetivos e amplamente disponíveis hoje na literatura para decidirem os casos sob suas responsabilidades.

Os conceitos dos termos ciência e direito têm sido usados de maneira confusa, com uma variedade de significados. Tanto os juristas não têm consenso sobre o que constitui o direito como os cientistas não chegam a um acordo sobre o que é a ciência. Para muitos, direito é ciência e, alguns acadêmicos entendem jurisprudência como a ciência do direito.

O certo é que o problema da judicialização do direito à saúde tem assumido importância crescente no meio jurídico. A análise do Quadro 7, modificada de dados oficiais do CNJ, permite verificar aumento constante e progressivo dos processos judiciais visando a solução dos problemas trazidos pela judicialização da saúde.

O relatório médico vincula não apenas o profissional e o paciente, mas, sobretudo, o ente réu, na medida em que tem força probante nos autos. A propósito, o STJ possui jurisprudência pacífica no sentido da suficiência do laudo médico particular para se requisitar medicamentos junto aos entes públicos (BRASIL, 2016 – AgInst no Ag em REsp 405.126 – DF, 2016). A crítica que se faz a essa conduta se baseia no fato que o profissional médico que assiste o autor da ação pode não usar, idealmente, o conhecimento científico da medicina baseada em evidências como justificativa para o seu relatório. O magistrado deve, portanto, analisar se a prescrição é adequada para o paciente com o diagnóstico da moléstia que acomete, usando, sempre que possível, os dados da Medicina Baseada em Evidências para verificar se o nível de evidências e os graus de recomendação são justificáveis para o caso.

Mesmo não tendo o conhecimento médico para sua decisão o juiz pode solicitar o parecer dos membros do NATJus, e as resoluções da ANVISA, CONITEC, REMUME, e RENAME para fundamentar sua decisão. Assim procedendo, a possibilidade de decidir com dados objetivos, cientificamente fundamentados é real e desejável. A consequência inevitável é que, mesmo aceitando e respeitando o livre convencimento do juiz para suas decisões, a possibilidade de

uniformização dos julgados é irrefutável o que pode trazer maior segurança jurídica para o cidadão.

Além disso, a exagerada judicialização da saúde tende a se tornar mais racional e menos emotiva, bastando para isso que os autores e/ou seus representantes legais acessem os dados dos tribunais de Justiça do país e encontrem a probabilidade de terem suas pretensões atendidas.

Apesar dessas considerações, o juiz da demanda cujo objeto é o direito à saúde, apesar de todas as ferramentas disponibilizadas pelo CNJ, via de regra julga sem levar em

consideração os pareceres e notas técnicas do NATJus, preferindo a prova pericial. Na confecção do seu laudo o expert deve leva rem conta o disposto no artigo 473 do CPC:

Art. 473. O laudo pericial deverá conter:

I- A exposição do objeto da perícia;

II- A análise técnica ou científica realizada pelo perito;

III- A indicação do método utilizado, esclarecendo-o e demonstrando ser

predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou;

IV- Resposta conclusiva a todos os quesitos apresentados pelo juiz, pelas partes e pelo órgão do Ministério Público.

§1º No seu laudo o perito deve apresentar sua fundamentação em linguagem simples e com coerência lógica, indicando como alcançou suas conclusões.

De posse do laudo o juiz valora a prova pericial e elabora a sentença motivada e fundamentada seguindo os ditames dos art. 371 e 479 do CPC. Entretanto, mesmo considerando que os aspectos formais e o cumprimento às normas estabelecidas para o juiz e para o perito a prova pericial ainda pode ser motivo de críticas. O expert, não necessariamente utiliza na confecção do seu laudo os níveis hierárquicos de evidência, o que pode comprometer os graus de recomendação para o caso específico. Ademais, a perícia pode ser realizada por órgãos técnicos e científicos (OLIVEIRA; SCHENK. In: DIDIER; JOBIM;

FERREIRA, 2018). Além do mais, ao preferir o laudo pericial, em detrimento do laudo elaborado pelos comitês multiprofissionais do NATJus, o juiz passa a contar com o parecer de uma única pessoa e não de um grupo de especialistas, com menor possibilidade de erro de julgamento.

Com base nos dados apresentados no presente trabalho é possível, em tese, levantar a possibilidade que a prova pericial, em casos de direito à saúde nos quais o juiz se utilize dos pareceres emitidos em notas técnicas do NATJus, é dispensável sem prejuízo para as partes.

Se essa atitude for adotada pelos magistrados é certo que haverá economia de custas do processo e é possível que as decisões judiciais sejam mais uniformes e menos contaminadas pelo subjetivismo intuitivo que pode comprometer a qualidade da justiça nos casos de direito à saúde.

Esses aspectos são importantes nos dias atuais, pois o banco de dados disponibilizado pelo CNJ aponta para aumento contínuo e progressivo do fenômeno de judicialização da saúde (quadro 7).

Quadro 7 – Judicialização do direito à saúde

Tipos de processos Número de Processos/Ano Base % Aumento

2015 2016 2018

Saúde Direito Administrativo outras formas Direito Público

--- 103.907 152.201 147

Fornecimento Medicamentos - SUS 200.090 312.147 420.930 56; 110; 35 Tratamento Médico Hospitalar

SUS

60.696 98.579 135.840 56; 123; 38

Tratamento Médico Hospitalar e/ou Fornecimento

Medicamento 151.856 214.947 242.684 42; 60; 13 Assistência à Saúde --- 28.097 35.386 42 Ressarcimento ao SUS --- 3.489 4.474 28 Reajuste da Tabela SUS --- 2.439 3.004 23 Convênio Médico com o SUS 737 1.037 1.350 30 Repasse de verba ao SUS --- 786 1.044 41 Terceirização do SUS --- 676 1.328 96 Planos de Saúde 293.449 427.267 564.090 46; 92; 32 Serviços hospitalares -

Consumidor

23.725 32.172 36

Planos Saúde e Benefício Trabalhista

36.611 56.105 76.090 53; 108; 36

Transplante de órgãos/Tecidos 491 597 1.255 32; 156; 110 Saúde Mental 3.001 4.612 6.739 54; 158; 46 Na coluna % Aumento com mais de três números estes representam a % de aumento entre os anos base 2016 e 2015; 2018 e 2015; e 2018 e 2016, respectivamente. Fonte: Conselho Nacional de Justiça, 2021 (modificada pelo Autor).

Os dados do Quadro 7 mostram que o número total de processos no relatório 2017 (ano-base 2016) foi 49% maior em relação aos dados dos mesmos tipos de processos no relatório de 2016 (ano-base 2015). O número de demandas judiciais relativas à saúde

aumentou 130 % entre 2008 e 2017, enquanto o número total de processos cresceu 50% (CNJ, 2019). Os gastos do Ministério da Saúde em sete anos aumentaram 13 vezes, atingindo R$ 1,6 bilhão em 2016. Esse montante representa parte substancial do valor disponível para alocação discricionária da autoridade pública, atingindo níveis suficientes para impactar a política de compra de medicamentos.

Os principais assuntos discutidos nos processos em primeira instância são: “Plano de Saúde” (34,1%), “Seguro” (23,8), “Saúde” (13,2%), seguidos de “Tratamento Médico-Hospitalar e/ou Fornecimento de Medicamentos” (8,76%). Nos termos da nomenclatura utilizada pelo CNJ, os assuntos cacicados como “Saúde” dizem respeito a disputas relativas à saúde pública, órteses e próteses são citados em mais de 108 mil decisões de tutela antecipada em uma amostra de 188 mil, sendo este tema mais frequente em decisões liminares do que em decisões finais (CNJ, 2019). No presente trabalho, esses dados não foram abordados individualmente, pois as sentenças estudadas foram escolhidas aleatoriamente.

A judicialização da saúde é fenômeno de elevada complexidade. A literatura científica, por exemplo, diverge sobre quem procura o Judiciário requerendo serviços e produtos de saúde (pobres ou ricos?), diverge sobre o que requerem (medicamentos e serviços que são parte das listas, protocolos e contratos ou fora destes?) Ou ainda diverge sobre os efeitos dessas ações judiciais sobre a política geral de saúde pública e privada (qual a magnitude dos distúrbios causados?). Ademais, a divergência perpassa, inclusive, os próprios pressupostos normativos do conflito, ou seja, sobre quais devem ser os parâmetros de justiça e de quem é a competência para decidir. Não há somente um único fenômeno de judicialização da saúde, mas sim uma variedade considerável de assuntos, motivos de litigar e consequências sobre as políticas de saúde pública e de saúde suplementar, sobre oferta de serviços de assistência à saúde e sobre a sociedade de um modo geral.

No documento Direito à saúde baseada em evidências (páginas 169-174)