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1. INTRODUÇÃO

1.17 Erro Médico

do paciente que esteja aos seus cuidados, “mas a conduzir-se com toda diligência na aplicação dos conhecimentos científicos para, se possível, atingir aquele objetivo. (CHAVES, 1985).

Existe lógica ao ser dado tratamento jurídico diferenciado aos profissionais liberais.

Com finalidade de exemplificação não se pode exigir cumprimento do contrato médico ou advocatício, como se fosse um contrato de empreitada, de depósito, de transporte ou outro qualquer. Na atividade médica ou advocatícia o resultado final almejado não depende apenas da capacidade, conhecimento e empenho do profissional. Fatores externos e aleatórios interferem na concretização do contratado. O médico, mesmo sendo muito consciencioso, não pode se responsabilizar pelo resultado do tratamento e pela cura do paciente, mormente porque cada organismo reage diferentemente a um mesmo tipo de agressão ou tratamento dentre inúmeras variáveis que podem interferir na cura.

comprovação do nexo causal entre o procedimento médico e o fato danoso, com a consequente responsabilização do causador do dano (MORAES, 2003).

Ressalte-se que existem dúvidas e reflexões a respeito do que é a verdade real. "A verdade é meta ideal, mas inatingível dentro e fora do processo" (MARINONI;

ARENHART; MITIDIERO, 2015). Por outro lado, o processo judicial não constitui um método de investigação da verdade, mas instrumento para a produção de uma decisão jurídica.

No processo, o autor recorta do mundo dos fatos aqueles que lhe interessa e o réu contesta apenas os fatos contrários ao seu interesse (TESHEINER, 2018).

Há até mesmo quem diga que no processo se obtém somente uma fixação formal dos fatos da causa, que não teria qualquer relação com a verdade. Ao contrário, fora do processo a busca da verdade "verdadeira" poderá desenvolver-se de forma livre e ilimitada (TARUFFO, 2012).

A perspectiva sobre a verdade é tida na sua conjuntura estrutural de uma realidade imutável. O que aconteceu, simplesmente é, pela sua existência. O fato é único. A interpretação sobre o fato - ou sobre a prova direta dele derivada - altera o seu real conteúdo, acrescentando-lhe um toque pessoal que distorce a realidade. "A figura mítica do juiz, como alguém capaz de descobrir a verdade sobre as coisas e, por isso mesmo, apto a fazer justiça, deve ser desmascarada" (MARINONI; ARENHART, 2010).

É preciso considerar que a medicina é uma ciência e como tal tem limitações e que o médico é um ser humano, logo falível, que trabalha com informações que lhe são fornecidas pelo paciente, cuja verdade varia de acordo com as circunstâncias e conveniências. Por outro lado, o organismo humano reage de forma diferente a um mesmo tratamento de pessoa para pessoa. Erro escusável é o decorrente de falhas que dependem de contingências naturais e das limitações da medicina, bem como, aqueles em que, a despeito de tudo ter sido feito corretamente, o paciente omitiu informações, ou não colaborou para o correto processo de diagnóstico e tratamento. Nesse caso o erro existe, porém, será considerado intrínseco à profissão ou decorrente da natureza humana, não se podendo atribuir culpa ao médico (MORAES, 2003).

O erro médico condenável é aquele que decorre de um desvio, fazendo supor negligência, imperícia ou falta de prudência esperada para o caso concreto. A possibilidade de erro ocorre em toda e qualquer profissão. Em se tratando do médico, que lida com a vida humana, em situações muitas vezes imprevisíveis, o seu erro torna-se mais dramático.

Contudo, não deve ser chamado indiscriminadamente a prestar contas à justiça se, mesmo que decorrente de sua atividade regular, venha a ocorrer um acidente funesto. O erro profissional quando advindo das imperfeições da própria arte ou ciência, embora possa acarretar

consequências e resultados danosos ou de perigo, não implicará (necessariamente) no dever de indenizar, desde que o profissional tenha empregado correta e oportunamente os conhecimentos e regras atuais da ciência (MARTINELLI; DE BEM, 2021).

A pesquisa na área de fatores humanos está apenas começando a ser aplicada ao cuidado médico, usando analogia com disciplinas da engenharia industrial e psicologia. Fator humano é definido como o estudo das interrelações entre humanos, as ferramentas que eles usam e o meio no qual eles vivem e trabalham.

Os seguintes pontos chave podem ser resumidos a respeito do erro humano:

1) Alguns pacientes são mais susceptíveis a acidentes do que outros devido à forma que os componentes são reunidos. Serviços de cuidado médico, indústria complexa e tecnológica, são mais propensos a acidentes;

2) Muito pode ser feito para tornar os sistemas mais confiáveis e seguros. Quando grandes sistemas falham, isso ocorre devido a falhas múltiplas que ocorrem juntas;

3) O erro humano é um dos maiores contribuintes para a ocorrência de acidentes em qualquer atividade, incluindo a de cuidados com a saúde. Contudo, dizer que um acidente é secundário a erro humano não é o mesmo que assumir a culpa, porquanto, a maioria dos erros humanos é induzida por falhas do sistema. Humanos cometem erros devido a uma série de razões complexas e conhecidas;

4) Erros latentes ou falhas do sistema constituem a maior ameaça à segurança em sistemas complexos, porque levam a erros dos operadores. Constituem falhas internas do sistema que se apresentam muito antes do erro ativo. Erros latentes são difíceis de serem percebidos pelo pessoal que trabalha no sistema, pois podem ser mascarados nos computadores ou nos diversos níveis de manejo, e os operadores tornam-se acostumados a trabalhar em torno do problema;

5) A resposta aos erros tende a se concentrar nos erros ativos. Embora isso possa ser apropriado algumas vezes, em muitos casos não é uma forma efetiva para tornar os sistemas seguros. Se falhas latentes permanecem desconhecidas, a acumulação delas torna de fato o sistema mais propenso a falhas futuras. Descobrir e reparar falhas latentes, diminuindo sua duração tem efeito maior na construção de sistemas mais seguros do que os esforços para minimizar os erros ativos no ponto onde ocorrem.

6) A aplicação de fatores humanos em outras indústrias reduziu eficazmente os erros. Cuidados com a saúde têm que olhar para o erro médico, não como um caso especial da medicina, mas como um caso especial de erro, e aplicar a teoria e abordagens já usados em

outros campos para reduzir o erro e melhorar a confiabilidade (REASON, 1990; BRENNAN et al., 1991; LEAPE et al., 1991; THOMAS et al., 2000).

1.17.1 Tipos de Erros Médicos

a) Diagnóstico:

 erro ou demora do diagnóstico;

 não emprego dos exames complementares indicados;

 uso de testes ou terapêuticas ultrapassados;

 conduta inadequada face aos resultados de clínicos ou laboratoriais obtidos;

b) Tratamento:

 erro na realização de procedimento ou exame complementar;

 erro na administração do tratamento mais adequado;

 erro na dose ou forma de uso de um medicamento;

 demora evitável do tratamento ou na resposta a um teste anormal;

 cuidado não indicado para o caso.

c) Prevenção:

 falha em prover tratamento profilático;

 monitorização ou seguimento inadequado do tratamento;

d) Outro:

 falha de comunicação;

 falha de equipamento;

 falha de outro Sistema (LEAPE et al., 1993).

Um dos chamados erros médicos diz respeito às lesões iatrogênicas que são reconhecidas como importante causa de morbidade e mortalidade, pois quase 4% dos pacientes hospitalizados podem sofrer lesões decorrentes de algum evento adverso. O que se procura determinar hoje é quais dessas lesões não passíveis de prevenção (LEAPE et al., 1993).

A medicina experimental, é realizada por pesquisadores em ambientes acadêmicos com controle científico rígido e com proteção de possíveis danos e abusos ao ser humano. O dado experimental, mesmo promissor para o combate de doenças ainda incuráveis, necessita

ser avaliado em termos de segurança, eficácia, efetividade e tolerabilidade para ser aplicado na prática clínica.

Existe lentidão e resistência para se aplicar métodos empíricos na esfera legal. Em contraste com medicina e indústria, o empirismo ainda não ocorre na prática jurídica rotineira, embora esteja presente nos meios acadêmicos do direito. Os legisladores são mais inclinados a confiar em evidências pontuais e no senso comum sem suporte da pesquisa científica. O problema é que os juízes não confiam em pesquisa empírica, mas em especulações, e o direito é lento para admitir evidências empíricas nas tomadas de decisões.

A medicina e a indústria planejam suas atividades com base nos achados empíricos sem confiar na sabedoria popular e em teorias não comprovadas. Sugere-se que a disparidade do Direito comparada com as da Medicina e Indústria é que essas duas áreas têm objetivos claros: salvar o paciente e obter lucro, respectivamente, enquanto o Direito tem mais de um objetivo e envolve interesses políticos, além de outros. É comum que o discurso legal apresente justificação X para uma regra enquanto a verdadeira justificação é Y. A causa dessa disparidade pode ser, pelo menos em parte, o interesse político do legislador. Ele pode usar a lei como forma de transmitir mensagens, visando aumentar a confiança do público no governo. Como exemplo desse fato pode-se citar a fala do Presidente Bush em suporte à pena de morte, como forma de aceitar o desejo da comunidade e de ignorar o fato de que a pena capital é cientificamente contestada. Assim, por exemplo, o legislador defende a pena de morte com base no seu efeito dissuasivo, apesar de saber que existe evidência científica contrária a esse discurso. A questão empírica é saber se a pena de morte impede o crime.

Contudo os políticos estão interessados em outra questão: se o povo acredita que ela previne o crime. O interesse do legislador é na resposta do público à lei, mais do que na efetividade intrínseca da lei (WOZNER; 2011 ).

A problemática da caracterização do erro, em se tratando da medicina, não se restringe única e exclusivamente às fronteiras da ciência, mas as extravasa para os domínios da arte e do imponderável, razão porque se espera objetividade e bom senso do Judiciário na avaliação dos fatos e provas, frente ao caso concreto (MORAES, 2003).

No documento Direito à saúde baseada em evidências (páginas 97-101)