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Princípios constitucionais do direito à saúde

No documento Direito à saúde baseada em evidências (páginas 102-105)

1. INTRODUÇÃO

1.18 Judicialização da saúde

1.18.1 Princípios constitucionais do direito à saúde

A CF88 elevou a saúde ao nível dos direitos sociais (art.6º), estabelecendo regras de competência legislativa, de planejamento e de execução. A União, Estados e Municípios têm competência comum para cuidar da saúde (art. 23, II). A União é competente para legislar sobre direito sanitário (art. 24, XII). O município tem competência para prestar serviços de atendimento à saúde da população, com cooperação técnica e financeira da União e do Estado (art. 30, VII) e previsão de limites mínimos de aplicação de recursos orçamentários na saúde (art. 34, VI, e).

Além dessas regras de competência e custeio, a Constituição instituiu, no capítulo da Seguridade Social, uma seção destinada à saúde (arts. 194, 196 e 198), que garantem a universalidade de cobertura e de atendimento aos cidadãos, devendo o Estado garantir o acesso aos vários serviços de saúde. Os artigos 196 e 198, praticamente definem a moldura do Sistema Único de Saúde.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

[...] II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais (BRASIL, 1988).

O sistema público de saúde e as ações de saúde passaram a ser matéria de relevância pública (art.197), livre à exploração pela iniciativa privada (art. 199), em sintonia com o artigo 170 que regula os princípios da atividade econômica. Concebeu-se assim um sistema único de saúde, hierarquizado com competências fixadas pelo artigo 200 da Constituição Federal.

O acesso universal e igualitário assegura o direito à saúde a todos os indivíduos e preserva o princípio da universalidade de garantia estatal para o acesso à saúde em todos os seus níveis. O atendimento preventivo e curativo relativos aos problemas de saúde, em todos os seus níveis é garantido a todos os seres humanos, o que constitui uma utopia. O artigo 7º, I, da Lei 8080/90 confere a “universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência” (BRASIL, 1990).

O princípio da integralidade ou do atendimento integral do art. 198, II da CF88 constitui outra garantia. Apesar de o atendimento integral ser previsto na Constituição, isso não significa todo e qualquer tipo de atendimento, mas funciona como diretriz que deve orientar as políticas públicas.

Ressalte-se que a Constituição legitima um sistema público, alicerçado em princípios sociais – solidariedade, igualdade, universalidade e integralidade - e um sistema privado de saúde regido pelos princípios da iniciativa privada (Art. 199) – liberdade de ação e objetivos financeiros – o que mesmo criando dualidade apresenta aspectos salutares e iniquidade. O art.

200 com seus oito incisos, por sua vez, enumera as competências do Sistema Único de Saúde.

O fornecimento da assistência médica seja por meio do atendimento médico, realização de procedimentos invasivos, provimento de medicamentos ou garantia de internação pelo Estado, em cumprimento às determinações do Judiciário, precisa ser analisado com cautela. O Estado para atender às determinações do Judiciário não pode ofender a Constituição e a lei, nem comprometer o funcionamento da máquina estatal. A grande diversidade de normas que regulam o direito à saúde, os critérios que precisam ser observados nas demandas concernentes ao tema, os entes relacionados à prestação de assistência médico-farmacêutica e o estabelecimento de critérios na avaliação das demandas devem ser todos levados em conta para fundamentar a decisão (SILVA, 2005; SÜSSEKIND, 1987)

Mesmo com a controvérsia e paradoxos decorrentes da falta de uniformidade das sentenças em casos idênticos é possível, usando o sistema processual vigente no Brasil

conferir, de forma objetiva e racional, efetividade ao direito fundamental à saúde (GANDINI;

BARIONE; SOUZA, 2010; SANTOS, 2010).

Apesar dessas garantias, e do conteúdo normativo do direito à saúde inscrito na Constituição – artigos 6º, 196 a 198- não existe direito subjetivo constitucional de acesso universal, gratuito, incondicional e a qualquer custo, a todo e qualquer meio de proteção à saúde. Veja-se, por exemplo o acórdão reproduzido a seguir:

Não se pode ter como existente direito líquido e certo de obter do Estado, gratuitamente, o fornecimento de medicamento de alto custo, não incluído nas listas próprias expedidas pelos órgão técnicos de formulação da política nacional de medicamentos e, ademais, considerado pelos órgãos técnicos do Poder Público (Ministério da Saúde e órgãos colegiados do sistema único de saúde-SUS) e pela opinião da comunidade científica como ineficaz para o tratamento da enfermidade, na situação apresentada pelo Impetrante. Acertada, portanto a decisão do tribunal recorrido, de denegar a ordem (BRASIL, 2010). (BRASIL, 2010 REsp 24.197).

1.18 .2 Acessibilidade ao sistema

Parcela minoritária da população tem condições de arcar com os custos da saúde integralmente privada, tendo acesso a serviços de excelência, tratamentos de ponta, à tecnologia mais avançada e a médicos altamente qualificados de renome internacional.

Um segundo grupo constituído por parcela da sociedade pouco maior tem acesso por meio de planos de saúde com acesso a alguns serviços privados, segundo a modalidade dos contratos firmados com as respectivas empresas. Esse grupo é regido pela contratualidade, que firma um regime mais delimitado que o primeiro grupo, em razão das cláusulas contratuais e benefícios cobertos pelo plano de saúde.

Um terceiro grupo constituído por indivíduos que aderem a planos de saúde que ofertam serviços básicos, mas não dão acesso a medicamentos/tratamentos mais modernos e onerosos.

Um quarto grupo é representado pela maior parte da população que tem acesso apenas aos serviços públicos de saúde. Esse grupo, junto com os pacientes do terceiro grupo, é aquele que busca os serviços públicos representados pelo SUS, com filas enormes, postos de saúde com pequeno poder de resolução, falta de especialistas, falta de leitos hospitalares, carência de CTI, em áreas definidas. Os serviços disponíveis contrastam com os da saúde privada, acessíveis somente para pacientes do 1º e 2º grupos.

Essa realidade dupla, amparada pela legislação, pode ser uma das causas da judicialização da saúde, pois ocorre tentativa de se oferecer aos pacientes, que dispõe apenas

do SUS, o mesmo padrão de qualidade do sistema privado. A maioria das ações na área da saúde provém dos usuários do 3º grupo que não tem condições de arcar com tratamentos e/ou medicamentos não cobertos por seus contratos particulares. A esses litigantes somam-se o Ministério Público e a Defensoria Pública patrocinando as causas dos usuários do quarto grupo.

O processo fundamental de reduzir as incertezas nas decisões médicas passa pelo que inicialmente foi denominado Epidemiologia Clínica e hoje é conhecido como Medicina Baseada em Evidências (MBE). Evidência, em inglês, significa prova, ou seja, medicina baseada em provas no norteamento das decisões médicas e da saúde.

Os profissionais do Direito nos processos decisórios, também dependem do uso de evidências para alcançar plenamente os objetivos do trabalho. As decisões médicas e/ou jurídicas precisam de embasamento no conhecimento científico para definição de diretrizes que busquem a eficácia, a efetividade, a eficiência, e a segurança nas decisões que se referem à prevenção, diagnóstico e tratamento em saúde, e à racionalização do que se denomina Judicialização da Saúde. Sem essa prerrogativa não é possível utilizar o poder judiciário em benefício do cidadão, agravando a carência de recursos financeiros e a própria sustentabilidade do sistema de Saúde.

1.18.3 Critérios para efetivação do direito à saúde e à assistência farmacêutica por

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