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Prática baseada em evidências. Influência na aquisição de conhecimento e na

No documento Direito à saúde baseada em evidências (páginas 187-191)

7. PERSPECTIVAS FUTURAS

7.1 Prática baseada em evidências. Influência na aquisição de conhecimento e na

prática baseada em evidência

A pesquisa médica começa no nível molecular e objetiva fazer inferências desse começo para o nível populacional, tentando responder questões concernentes a todos os pacientes portadores de determinada doença, condição clínica ou deficiência. A prática médica, ao contrário, foca em pacientes individuais e tem que questionar qual é o tratamento correto para esse paciente, levando em consideração suas circunstâncias individuais, preferências e valores (SCHULTE, 2020).

Tecnologia também é derivada da ciência (ROSENBERG; MCINTYRE, 2020), e o progresso da ciência é fruto do trabalho humano - trabalho intelectual. O progresso tecnológico das nações está apoiado na construção e consolidação de sistemas de inovação. O conjunto dos sistemas de inovação no planeta foi capaz de produzir mais de 2 milhões de artigos e mais de 2 milhões de patentes em apenas um ano. O trabalho humano por trás dessa maciça produção de pressupostos para aplicações na indústria e na economia é um pré-requisito para o desenvolvimento da tecnologia.

Os sistemas legais ocidentais modernos confiam primariamente na apresentação da evidência (prova) para decidir a lide (HAACK, 2014).

Definição simples do processo de reposicionamento do trabalho é a transformação que se processa com "a redução do peso e da importância do trabalho manual, e o aumento do peso do trabalho intelectual". Mesmo considerando que o trabalho dos operadores do Direito seja predominantemente de cunho intelectual existe a possibilidade de que no futuro boa parte do esforço possa ser substituído pela atividade de robôs ou outros meios eletrônicos que possam utilizar a inteligência artificial. Nesse contexto, o levantamento e a análise de bancos de dados para construção de níveis de evidência são procedimentos que, hoje se sabe, podem ser melhor executados pela aplicação da inteligência artificial.

Na área da pesquisa científica e da geração de conhecimento novo, o avanço tecnológico causou verdadeira revolução nas publicações científicas relacionadas a inteligência artificial, aprendizado de máquinas e robótica, bem como no aumento do número de patentes no mundo.

7.2 Inovações capazes de substituir a natureza do trabalho humano inclusive na esfera judicial

A introdução de inovações que substituem trabalho humano vai muito além da possibilidade técnica da criação de máquinas/robôs com capacidade de executar comandos definidos por programas (FORD, 2015). Exemplo ilustrativo é o da McDonald’s, empresa que teria investido em pesquisas de automação de serviços e preparação de sanduíches nos anos 1990, apesar de o processo não ter ido adiante, possivelmente em função dos baixos salários do setor.

A natureza do trabalho tem mudado em função de dois movimentos. Primeiro, à medida que a ciência ganha em importância aumenta o número de pessoas diretamente envolvidas em trabalho intelectual: universidades, institutos de pesquisa e departamentos de pesquisa e desenvolvimento nas empresas, reúnem um largo número de pessoas que se dedicam ao trabalho intelectual. Em segundo lugar, à medida que os produtos do trabalho que envolvem ciência e tecnologia chegam à fase de produção, eles impactam na natureza do trabalho. Novas técnicas, novos instrumentos, acabam conduzindo a um processo que combina a redução do peso e importância do trabalho manual, e o aumento do peso do trabalho intelectual (FORD, 2015).

O Judiciário lança mão de todos os argumentos admitidos em direito, desde a norma positivada até os costumes, princípios, doutrinas e jurisprudências e usa referências para decidir por analogia. Porém, as facilidades decorrentes da MBE permitem prever que as decisões judiciais sobre direito à saúde podem tornar-se mais objetivas com possibilidade de abolição do componente subjetivo na grande maioria delas. Via de regra, as demandas na área da saúde são questões técnicas, desconhecidas do judiciário, mas submetidas ao mesmo procedimento processual das demais demandas. O resultado é conhecido por antecipação, muito em nome da segurança jurídica, observando-se obrigações de fazer, muitas vezes infundadas do ponto de vista clínico. O uso da informática pode trazer maior celeridade e maior coerência ao processo decisório, de modo mais rápido e mais eficiente, mesmo se realizado por meio da tecnologia provida hoje pela inteligência artificial, com menor participação do elemento humano.

Segundo essa concepção, pode-se supor que decisão em Direito que envolve a interface com a Medicina, deva levar em conta o que já estabeleceu a ciência médica, de modo que os prejuízos para o sistema único de saúde serão menores, o que levará a que a judicialização da saúde se dê com embasamento na melhor evidência científica. Ao mesmo tempo, também parece lógico que, com a aplicação do Direito, qualquer sujeito possa ter a oportunidade de obter tratamento ou medicamento com suporte na Medicina Baseada em

Evidências. Pode-se inferir que os profissionais do Direito podem adquirir conhecimentos mínimos da Medicina Baseada em Evidências para melhor tomada de decisões, seja no sentido de promover ações, fiscalização e monitoramento dos serviços de saúde, seja como informações para fundamentação das decisões do judiciário nas demandas em saúde (MARCHEWKA, 2010).

Cumpre esclarecer, portanto, que a metodologia da Medicina Baseada em Evidência, em nada traduz o retorno ao positivismo. Esta metodologia científica apenas contribuirá para o melhor conhecimento dos diversos níveis de evidência em Medicina, diante da incerteza do profissional do Direito na tomada de decisões em saúde. Não se propõe aos operadores do direito que sejam também médicos ou cientistas para que as leis e decisões promovam eficazmente o direito à saúde. Busca-se, apenas o que é juridicamente possível pelo posicionamento preventivo do atendimento ao direito à saúde, o qual se encaixa perfeitamente na Medicina baseada em evidências, como prova científica. Para tanto o Direito tem que ser em primeiro lugar lógico, se quer prevenir e resguardar o direito à saúde. Essas perspectivas multidisciplinares da aproximação não resultariam em autonomia epistemológica das metodologias abertas pela Medicina Baseada em Evidências, mas, na interface entre Direito e Medicina e na perda de características, próprias dessas duas áreas do conhecimento, para a proteção do direito fundamental à saúde. Aqui é importante ressaltar que a relação Medicina e Direito mostra-se ainda mais intensa quando tal paralelo se constrói a partir dos fundamentos da medicina baseada em evidência.

A colaboração Cochrane em direito à saúde considera ser possível resumir os estudos a um parâmetro objetivo, a partir dos processos internos e externos de aprendizado e da experiência adquirida no enfrentamento do tema: a evidência médico-científica, que se desdobra em hipóteses que assegurariam a cientificidade das decisões prolatadas pelo Poder Judiciário, tanto na proteção da saúde em geral, como na saúde mental. Por exemplo:

a) Hipótese em que o medicamento/tratamento/tecnologia pretendido pelo autor da ação judicial revele alto nível de evidência científica;

b) Hipótese em que não existem estudos disponíveis para o fármaco, tratamento, ou tecnologia pretendido pelo autor da ação judicial;

c) Hipótese em que existem evidências científicas que apontem contrariamente à administração de medicamento ou tratamento/tecnologia pretendida pelo autor da ação judicial.

Outro limite recai sobre as possibilidades de automação do trabalho criativo, o que se articula com especulações sobre o potencial do avanço do ramo de inteligência artificial e, nesse aspecto, Stephen Hawking estava entre os que não subestimam esse potencial (FORD, 2009).

Outras possibilidades de relação entre o trabalho humano e produtos de desenvolvimento futuro da inteligência artificial, foram sugeridas por pesquisador da IBM, comentando o futuro do investimento da empresa no Watson, um computador que atualmente tem avançado em áreas como diagnóstico médico: “Minha Visão do Watson? Algum dia cada profissional do planeta terá um Watson para ajuda-lo enquanto trabalha” (BANAVAR, 2016).

Entre esses dois limites – MBE e inteligência artificial – cabe todo um conjunto de determinações sociais, políticas e econômicas que são importantes para definir quais inovações serão introduzidas, quais setores serão afetados e qual a velocidade do processo.

A susceptibilidade do emprego frente à tecnologia dos computadores modernos tem sido tema de vários trabalhos científicos. Em um deles, a probabilidade de computadorização em 702 profissões, ameaçando os postos de trabalho humano, demonstra que 47% das profissões estão em risco de extinção por serem substituídas pela atividade robótica. Isso constitui verdadeira competição entre robôs e humanos especialmente em atividades que não requerem muita habilidade para serem executadas. A maneira sugerida para que humanos vençam a competição é o uso de inteligência criativa e social. Criatividade é a capacidade de apresentar ideias e artefatos novos e valiosos (FREY; OSBORNE 2017; AUTOR; DORN, 2013; RIFKIN, 2014).

A hipótese de a world wide web (www), como tecnologia que representa o big bang de nova era tecnológica, contribui para a identificação das enormes interrelações entre diversas tecnologias emergentes como indicado pela OECD (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2016). Em especial, as três tecnologias avaliadas neste projeto (machine learning, inteligência artificial e automação inteligente aplicada à manufatura) se desenvolveram muito em função do surgimento da www, passando por três eras sucessivas: PC era, web era, e smartphone era que, apesar do excessivo detalhamento, faz sentido como indicação da dinâmica de mudanças ininterruptas das tecnologias da informação e comunicação e da dependência das novas eras às inovações anteriores. Certamente, a era dos smartphones foi viabilizada pelo desenvolvimento da www (BRYNJOLFSSON; MCAFEE, 2017).

Os sistemas de aprendizado da máquina estão sendo comentados desde os anos 1950.

Nos últimos 10 anos houve explosão desse conceito em muitas diferentes áreas. Acredita-se

que três fatores são importantes para explicar esse fenômeno: aumento dos dados disponíveis, algoritmos significativamente melhorados, e computadores mais potentes. A disponibilidade de dados aumentou cerca de 1000 vezes de 2000 a 2020; algoritmos chave aumentaram de 10 a 100 vezes e a velocidade dos computadores aumentou pelo menos 100 vezes. Com o desenvolvimento da teoria quântica espera-se que esse aumento ultrapasse a cada de um milhão de vezes. Noventa por cento dos dados digitais hoje foram criados nos últimos 5 anos (BRYNJOLFSSON; MCAFEE, 2017).

No documento Direito à saúde baseada em evidências (páginas 187-191)