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Assistência à saúde por serviço público e privado

No documento Direito à saúde baseada em evidências (páginas 132-138)

1. INTRODUÇÃO

1.23 Assistência à saúde por serviço público e privado

O serviço de assistência à saúde no Brasil pode ser público – de acesso universal e gratuito – ou privado, de caráter supletivo. A Lei 8.142/90 trata da participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos

financeiros na área da saúde. Esse dever estatal não afasta o exercício da saúde pública por terceiros, que estarão sob fiscalização do Estado (CF, art. 197). A Lei 8080/90, estabelece no art. 4, § 2º que a iniciativa privada poderá participar do SUS em caráter complementar. Além desses dispositivos o art. 199 da CF diz que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

Cumpre relembrar que a livre iniciativa é um dos fundamentos da República, e está prevista no art. 1º, IV, da CF, ao lado dos valores sociais do trabalho.

Os aspectos disciplinados pela Lei 9656/98 são:

 exigência de autorização de funcionamento e de encerramento das atividades da operadora pela Agência Reguladora.

 uniformização dos tipos de planos e características dos produtos a serem disponibilizados aos consumidores, que também ficam sujeitos à autorização prévia da Agência para comercialização, suspensão e cancelamento.

 exigibilidade da garantia da manutenção da estabilidade administrativa e financeira da operadora, de modo a não prejudicar a continuidade do atendimento assistencial aos consumidores contratantes.

 normatização da amplitude das coberturas mínimas a serem observadas pelas operadoras.

 controle de preços e reajustes.

 definição dos prazos de carência e de cobertura parcial temporária nos casos de doenças e lesões pré-existentes (BRASIL, 1998).

A Lei 9.656/98 traz disposições gerais para a regulamentação da saúde suplementar, deixando as questões específicas e de conteúdo técnico para serem normatizados pela ANS. No art.

35-A, incluído pela MP 2.177-44 de 24.08.2001, cria o Conselho de Saúde Suplementar (CONSU).

Art. 35-A. Fica criado o Conselho de Saúde Suplementar - CONSU, órgão colegiado integrante da estrutura regimental do Ministério da Saúde, com competência para:

I- estabelecer e supervisionar a execução de políticas e diretrizes gerais do setor de saúde suplementar;

II- aprovar o contrato de gestão da ANS;

III- supervisionar e acompanhar as ações e o funcionamento da ANS;

IV- fixar diretrizes gerais para implementação no setor de saúde suplementar sobre:

a) aspectos econômico-financeiros;

b) normas de contabilidade, atuariais e estatísticas;

c) parâmetros quanto ao capital e ao patrimônio líquido mínimos, bem assim quanto às formas de sua subscrição e realização quando se tratar de sociedade anônima;

d) critérios de constituição de garantias de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, consistentes em bens, móveis ou imóveis, ou fundos especiais ou seguros garantidores;

e) criação de fundo, contratação de seguro garantidor ou outros instrumentos que julgar adequados, com o objetivo de proteger o consumidor de planos privados de assistência à saúde em caso de insolvência de empresas operadoras;

V- deliberar sobre a criação de câmaras técnicas, de caráter consultivo, de forma a subsidiar suas decisões.

Parágrafo único. A ANS fixará as normas sobre as matérias previstas no inciso IV deste artigo, devendo adequá-las, se necessário, quando houver diretrizes gerais estabelecidas pelo CONSU (BRASIL, 1998).

A ANS foi criada pela Lei 9961/2000. Portanto, durante aproximadamente dois anos a regulamentação do setor ficou a cargo do CONSU, antes de passar a ser regulado pela ANS.

Em 2016, os 10 medicamentos mais caros custaram ao Ministério R$ 1,1 bilhão, o que representou 90% dos gastos totais dos 790 itens comprados.

O art. 2º, da Lei nº 10.185/2001estabeleceu que se enquadra como plano privado de assistência à saúde o seguro saúde e, como operadora de plano de saúde, a seguradora especializada em saúde.

1.23.1 Controle de preços e reajustes.

O STF entende que que os contratos celebrados anteriormente à Lei 9656/98 (planos não regulamentados) não são por ela atingidos. Nesses contratos individuais ou coletivos, os reajustes são aplicados de acordo com as previsões contratuais, se essas estiverem de acordo com a legislação vigente à época, geralmente o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor. Nos planos de saúde com contratos firmados a partir de janeiro de 1999 (planos regulamentados), além do CC e do CDC, os reajustes devem ser feitos de acordo com a Lei 9656/98 e das Resoluções e Instruções Normativas da ANS.

Nos planos regulamentados diz a Lei 9656/98 “devem constar dispositivos que indiquem com clareza os critérios de reajuste e revisão das contraprestações pecuniárias”

(BRASIL, 1998). Além disso, a Resolução Normativa nº 171, de 29.04.2008 estabelece em seu artigo 8º, para planos individuais:

Art. 8º O índice de reajuste máximo a ser autorizado pela ANS para as contraprestações pecuniárias dos planos tratados no artigo 2º, será publicado no Diário Oficial da União e na página da ANS na internet, após aprovação da Diretoria Colegiada da ANS.

Parágrafo único. Os valores relativos às franquias ou coparticipações não poderão sofrer reajuste em percentual superior ao autorizado pela ANS para a contraprestação pecuniária (BRASIL, 1998).

Nos planos coletivos os reajustes são livremente definidos pelas partes, bastando que a operadora comunique posteriormente à ANS (RN171, art. 13).

O art. 15 da Lei 9656/98 dispõe sobre o reajuste por mudança de faixa etária:

Art. 15. A variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em razão da idade do consumidor, somente poderá ocorrer caso estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajustes incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS, ressalvado o disposto no art. 35-E. Parágrafo único. É vedada a variação a que alude o “caput” para consumidores com mais de sessenta anos de idade, que participarem dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o, ou sucessores, há mais de dez anos. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001) (BRASIL, 1998).

O Estatuto do Idoso estabelece em seu artigo 15, §3º:

Art. 15. É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde - SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos.

[...] § 3o É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade (BRASIL, 2003).

Assim, os reajustes por mudança de faixa etária superior aos 60 anos, previstos na Resolução CONSU nº 6 passaram a ser considerados ilegais pelo Estatuto do Idoso. O art. 1º da resolução normativa nº 63/03 da ANS para reajustes por mudança de faixa etária só é válida para contratos firmados a partir de 01.01.2004. Entretanto, esse não tem sido o entendimento do STJ que tem se manifestado pela aplicação retroativa da Lei 10.741/03.

1.23.2 Cobertura de procedimentos de planos antigos

A questão que frequentemente se coloca para discussão é: Com o advento da Lei 9656/98 a nova regulamentação da saúde suplementar, no concernente às coberturas mínimas estabelecidas pela ANS, atinge os planos antigos ou é válida somente para os planos novos?

A Lei 10.850/2004 passou a regular essa matéria:

Art. 1º Compete à Agência Nacional de Saúde Suplementar -ANS, na defesa do interesse público no setor de saúde suplementar, a definição de ações para instituição de programas especiais de incentivo à adaptação de contratos de planos privados de assistência à saúde firmados até 2 de janeiro de 1999, com o objetivo

de facilitar o acesso dos consumidores vinculados a esses contratos a garantias e direitos definidos na Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998.

Art. 2º As ações de incentivo de que trata esta Lei serão definidas por normas específicas da ANS, considerando as seguintes diretrizes gerais:

I- revisão de contratos, procedendo-se às devidas alterações de cláusulas contratuais em vigor, por meio de termos aditivos; viabilização de migração da relação contratual estabelecida para outro plano da mesma operadora; e

definição de linhas gerais para execução de planos especiais de adaptação, de implementação facultativa ou obrigatória, determinando forma, condições e exigências específicas a serem observadas para carências, reajustes, variação de preço por faixa etária, cobertura obrigatória, doenças e lesões pré-existentes, e outras condições contratuais previstas na Lei nº 9.656, de 1998, bem como as rotinas de apresentação desses planos especiais, e as variações de preço por índice de adesão e outras variáveis que poderão estar contidas nas propostas oferecidas aos usuários (BRASIL, 2004).

Ao definir regras para incentivar a adaptação e a migração e planos antigos, o Legislativo e o Executivo reconhecem que a nova regulamentação somente se aplica aos contratos firmados após a vigência da Lei 9656/98. Aqui, novamente, a questão apresenta divergências, especialmente nos tribunais regionais levando os casos para o STJ e STF. O STJ em pelo menos dois acórdãos decidiu pela não retroatividade da Lei 9.656/98 aos planos de saúde cujos contratos foram firmados anteriormente à sua vigência. Não obstante essas decisões, o STJ manifestou entendimento no sentido de que determinadas exclusões de cobertura são violadoras do CDC e, portanto, ainda que não se aplique a lei dos planos de saúde, o beneficiário teria direito ao procedimento ou material pleiteado, mesmo que o plano de saúde tenha sido contratado antes da vigência do CDC, considerando que o contrato de plano de saúde tem natureza de trato sucessivo e, por isso, deve ser aplicada a legislação consumerista vigente sem que se possa falar em retroatividade da lei (REsp 735168). Essa posição é coerente com aquela adotada para reajuste por mudança de faixa etária do idoso para contratos celebrados antes da Lei 10.741/2003, que vedou aumento discriminatório dos planos de saúde do idoso.

Apesar disso, detecta-se incoerência nas decisões do STJ, decretando irretroatividade da lei nos casos de cobertura de planos de saúde celebrados antes da Lei 9.656/98 e estabelecendo a retroatividade da Lei 10.741/2003 – reajuste por mudança de faixa etária do idoso – por considerar que esta é norma de ordem pública enquanto diante da Lei dos Planos de Saúde, a retroatividade violaria o ato jurídico perfeito e o direito adquirido e não se aplicaria ao mesmo contrato. A questão que se levanta é: a quem caberá dizer quando se está diante de uma ordem pública ou privada?

O certo é que a concepção do direito como integridade mostra-se como hipótese viável e constitucionalmente adequada para superar a problemática da discricionariedade judicial.

O Centro Cochrane do Brasil, um dos 14 centros da Colaboração Cochrane, é uma organização não governamental, sem fins lucrativos e sem fontes de financiamento internacionais, que tem por objetivo contribuir para o aprimoramento da tomada de decisões em Saúde, com base nas melhores informações disponíveis. A missão do Centro Cochrane do Brasil é elaborar, manter e divulgar revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados, o melhor nível de evidência para as decisões em Saúde. Inaugurado em 1996, o Centro está ligado à Pós-Graduação em Medicina Interna e terapêutica da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (EPM-UNIFESP) e realiza revisões sistemáticas, pesquisa clínica e avaliações de tecnologia em Saúde. Além disso, promove seminários de revisão sistemática e metodologia de pesquisa; oferece curso gratuito on-line de revisão sistemática; e realiza consultorias científicas, consoante informação disponível no site:

http://www.centrocochranedobrasil.org.br/cms/index.php?option=com_content&view=article&id=13&ltmid=4

O Centro Cochrane do Brasil define MBE:

Abordagem que utiliza as ferramentas da Epidemiologia Clínica; da Estatística; da metodologia científica; e da informática para trabalhar a pesquisa; o conhecimento; e a atuação em Saúde, com o objetivo de fornecer a melhor informação disponível para a tomada de decisão nesse campo.

A prática da MBE busca promover a interpretação da experiência clínica às melhores evidências disponíveis considerando a segurança nas intervenções e a ética na totalidade das ações. Saúde baseada em evidências é a arte de avaliar e reduzir a incerteza na tomada de decisão em saúde (CENTRO COCHRANE DO BRASIL, 2022).

1.23.3 Núcleos de Apoio Técnico

A utilização de ferramentas de pesquisa pelos profissionais médicos e do direito nem sempre é fácil para quem não milita no campo da pesquisa científica, pelas dificuldades de manejo dos dados e de acesso aos sites ou pela compreensão da língua estrangeira, ou ainda para compreensão com precisão dos termos da terminologia da técnica médica por vezes usada. Talvez por isso, o CNJ recomendou a todos os tribunais do Brasil que instituíssem, nos seus respectivos estados, NATs, conforme Recomendação nº 31 que fixou prazo até dezembro de 2010 para que os tribunais de Justiça e Regionais Federais celebrassem convênios com o fim de:

Disponibilizar apoio técnico composto por médicos e farmacêuticos para auxiliar os magistrados na formação de um juízo de valor quanto à apreciação das questões clínicas apresentadas pelas partes das ações relativas à saúde, observadas as peculiaridades regionais (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2019).

Na I Jornada do Fórum Nacional de Saúde, promovida pelo CNJ, foram aprovados os enunciados 18 e 31 que estabelecem a consulta ao NAT como ferramenta auxiliar e prévia à decisão judicial.

Enunciado nº 31 – “Recomenda-se ao Juiz a obtenção de informações do Núcleo de Apoio Técnico ou Câmara Técnica e, na sua ausência, de outros serviços de atendimento especializado, tais como instituições universitárias associações profissionais etc.”

(CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2019).

Se bem colocada a moldura fática pelos operadores do direito, fica mais fácil encaminhar aos NATs a contextualização do problema e a resposta deverá ser rápida, porque não é necessário que que se realizem perícias, mas apenas um adequado parecer sobre o caso concreto. Por sua vez, o profissional do NAT que assinar o parecer, terá seu trabalho facilitado pelos estudos que a ferramenta da MBE possibilita sejam objetivados.

No documento Direito à saúde baseada em evidências (páginas 132-138)