• Nenhum resultado encontrado

O papel do Conselho Nacional de Justiça na judicialização da saúde

No documento Direito à saúde baseada em evidências (páginas 106-109)

1. INTRODUÇÃO

1.18 Judicialização da saúde

1.18.4 O papel do Conselho Nacional de Justiça na judicialização da saúde

Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário,

A chamada “judicialização da saúde”, assim, é uma expressão dessa disputa estrutural por recursos, mas atinge níveis ainda mais expressivos do que seria de se esperar por sua relevância no mundo das relações socioeconômicas. Um único e icônico caso, da Fosfoetanolamina, também conhecida como “pílula do câncer”, resultou, no período de oito meses, em cerca de 13 mil liminares para que a Universidade de São Paulo fornecesse medicamento ainda não aprovado na ANVISA e cuja eficácia ainda não havia sido comprovada por estudos técnicos (Dallari-Bucci e Duarte, 2017). O problema não se restringe a casos isolados. O número de demandas judiciais relativas à saúde aumentou 130% entre 2008 e 2017, enquanto o número total de processos judiciais cresceu 50%. Segundo o Ministério

da Saúde, em sete anos houve um crescimento de aproximadamente 13 vezes nos seus gastos com demandas judiciais, atingindo R$ 1,6 bilhão em 2016. Tal montante, ainda que pequeno frente ao orçamento público para a saúde, representa parte substancial do valor disponível para alocação discricionária da autoridade pública, atingindo níveis suficientes para impactar a política de compra de medicamentos, um dos principais objetos das demandas judiciais.

Também na esfera privada, a judicialização afeta direta ou indiretamente as relações contratuais entre cerca de 50 milhões de beneficiários de planos de saúde, operadoras e prestadores de serviços de assistência à saúde. Pela sua escala, a judicialização da saúde tornou-se relevante não apenas para o sistema de assistência à saúde, mas para o próprio Judiciário, que tem que lidar com centenas de milhares de processos, vários dos quais sobre temas recorrentes e quase sempre contendo pedidos de antecipação de tutela ou liminares. A judicialização da saúde é também um fenômeno de elevada complexidade. A literatura científica, por exemplo, diverge sobre quem procura o Judiciário requerendo serviços e produtos de saúde (pobres ou ricos?), diverge sobre o que requerem (medicamentos e serviços que são parte das listas, protocolos e contratos ou fora destes?), ou ainda, diverge sobre os efeitos dessas ações judiciais (sobre a política geral de saúde pública e privada (qual a magnitude dos distúrbios causados?). Ademais, a divergência perpassa, inclusive, os próprios pressupostos normativos do conflito, ou seja, sobre quais devem ser os parâmetros de justiça e de quem é a competência para decidir.

Dificuldades em descrever o fenômeno são acompanhadas pela dificuldade em estabelecer causas e efeitos. No âmbito da saúde privada, por exemplo, o número excessivo de demandas judiciais pode decorrer de disfunções nas relações entre beneficiários de planos de saúde e suas operadoras, sendo o Judiciário um importante locus para o cumprimento dos termos estabelecidos nos contratos e nas normas que disciplinam essas relações. As demandas judiciais podem, por outro lado, reclamar elementos que não estão previstos nos contratos e, como tal, implicar efeitos sobre os custos de contratação e segurança jurídica. Também no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), as demandas judiciais podem decorrer de ineficiências na atuação da autoridade pública de saúde, que não executa a contento a política pública de saúde, ou, em contraposição, de pedidos individuais solicitando procedimentos e tratamentos não incluídos na política de saúde (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2009).

O CNJ, preocupado com a lacuna existente entre os conhecimentos de medicina de parte significativa dos juízes, o que impede a uniformização das decisões de demandas envolvendo a assistência à saúde, criou grupo de trabalho para estudo e propostas de medidas concretas e normativas para as demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2009). Como consequência editou a Recomendação 31, de 30/03/2010 que orienta os Tribunais a adotar medidas visando subsidiar os magistrados e demais operadores do direito, para assegurar maior eficiência na solução dessas demandas, além de recomendar que os Tribunais Federais e Estaduais celebrem convênios que objetivem disponibilizar apoio técnico por médicos e farmacêuticos para auxiliar os magistrados na formação de juízo de valor quanto à apreciação das questões clínicas nas ações relativas à saúde. Também pede aos tribunais que orientem os magistrados a evitar autorizar o fornecimento de medicamentos ainda não registrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), ou de medicamentos em fase experimental.

As Jornadas Nacionais da Saúde têm por objetivo debater os problemas inerentes à judicialização da saúde e apresentar enunciados interpretativos sobre o direito à saúde. O evento faz parte das ações do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde, criado pelo CNJ para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde, por meio da resolução 107, de 6/4/2010, cuja área de atuação passou, posteriormente, a incluir a saúde suplementar.

Sua criação decorreu do elevado número e da ampla diversidade dos litígios referentes ao direito à saúde, bem como do forte impacto dos dispêndios decorrentes, sobre os orçamentos públicos. Assim, o tema da judicialização da saúde recomenda a adoção de soluções guiadas pela melhor técnica, o que, infelizmente, nem sempre ocorre.

O grupo de trabalho para estudo e propostas de medidas concretas e normativas para as demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde (CONSELHO NACIONAL DE JSUTIÇA, 2009). A Recomendação nº 31 estabeleceu diretrizes e alerta aos juízes em relação às demandas que envolvem o direito à saúde:

 elevado número de processos judiciais sobre o tema da saúde;

 alto impacto orçamentário para cumprimento das decisões;

 relevância da matéria diante da finalidade de assegurar vida digna aos cidadãos;

 carência de informações clínicas prestadas aos juízes do Brasil sobre problemas de saúde;

 necessidade de prévia análise e registro da ANVISA para comercialização de medicamentos no Brasil nos termos do artigo 12 da Lei 6.360/76 c/c a Lei 9782/99;

 reivindicações dos gestores para serem ouvidos antes das decisões judiciais;

 importância de assegurar a sustentabilidade e gerenciamento do SUS.

O Fórum Nacional do Judiciário – Fórum da Saúde - para monitoramento e resolução das demandas de assistência à Saúde faz as seguintes proposições:

 monitoramento das ações judiciais que envolvam prestações de assistência à saúde, como o fornecimento de medicamentos, produtos e insumos em geral, tratamentos e disponibilização de leitos hospitalares;

 monitoramento das ações judiciais relativas ao SUS;

 proposição de medidas concretas e normativas voltadas à otimização de rotinas processuais, à organização e estruturação de unidades judiciárias especializadas;

 proposição de medidas concretas e normativas voltadas à prevenção de conflitos e à definição de estratégias nas questões de direito sanitário;

 estudo e proposição de outras medidas consideradas pertinentes ao cumprimento do objetivo do Fórum Nacional.

O Fórum da Saúde é composto por um Comitê Executivo Nacional, integrado por um juiz auxiliar da Presidência, juízes com atuação na área, especialistas, integrante do Ministério da Saúde, Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONSEMS) e Conselho Nacional de Secretarias de Saúde (CONASS). A constituição do Fórum de Saúde conta com participação de membros de Comitês Estaduais e do Comitê Distrital. Ressalte-se que os Comitês Estaduais têm, em sua composição, membros do sistema de justiça e do sistema de saúde.

No documento Direito à saúde baseada em evidências (páginas 106-109)