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Estudo transversal

No documento Direito à saúde baseada em evidências (páginas 59-66)

1. INTRODUÇÃO

1.9 Validade da evidência

1.9.2 Classificação dos níveis de evidência

1.9.2.6 Estudo transversal

A pesquisa conduzida por epidemiologistas é feita utilizando uma amostra representativa de participantes que são entrevistados, examinados ou estudados para responder à questão clínica definida. Os dados são registrados em um ponto simples do tempo, mas, podem referir-se a experiências médicas no passado (AGORITSAS et al., 2015).

O estudo procura responder a questões clínicas do tipo: qual é a altura normal de criança de três anos? Qual a prevalência de diabetes na população geral? A maneira de responder a essas questões é analisar amostra representativa da população.

1.9.2.7 Opinião de especialistas

A opinião de especialistas ocupa o nível mais baixo na hierarquia dos níveis de evidência. Apesar das discussões a respeito desse tema, opiniões de especialistas são, tão somente, opiniões porque se fundamentam exclusivamente na opinião de especialista que, por ser humano, pode errar na sua avaliação ou sofrer influências externas, ou até mesmo, ter interesse no encaminhamento de determinada opinião. Dessa maneira, são consideradas como o suporte mais pobre de evidências sólidas. Essa posição é controversa, pois, o respeito à opinião de especialistas, para a maioria das decisões, ações, resoluções, previsões e escolhas, é questão cultural consolidada e aceita. Tanto na vida pública, quanto na privada os especialistas são confiáveis, ou solicitados por diferentes campos do saber.

Os diferentes níveis de evidência não excluem o seu valor, pois, mesmo as de nível mais baixo tem fundamento científico. Contudo, as provas existentes ainda não permitem conferir o mesmo grau de certeza à evidência extraída de nível inferior, pois este nível não é capaz de gerar grau de recomendação forte ou moderado para adoção de determinado procedimento, em relação a outras evidências de nível hierárquico superior. Do ponto de vista jurídico o baixo nível de evidência pode ser um obstáculo para a judicialização de uma pretensão,

A controvérsia sobre se, e em qual circunstâncias, os especialistas poderiam ser confiáveis é matéria de discussão. A verdade poderia depender da autoridade do expert, contudo, nem todo argumento emanado por autoridade é, por si só, indicador de confiabilidade. Isso não quer dizer que a conclusão em questão emanada por uma autoridade é falsa, mas apenas que a pessoa que que a propõe não constitui, ipso facto, condição suficiente para que seja verdadeira. Por outro lado, mesmo aceitando a autoridade de um paradigma consolidado, pode-se ainda questionar se o suposto especialista tem conhecimento suficiente no campo de sua especialidade ou, ainda, se o conhecimento naquele campo é tudo que se precisa para direcionar o problema para ele, ou se as conclusões são isentas de conflito de interesse (MONTUSCHI, 2017).

O valor da opinião do especialista tem sido matéria de discussão no campo da MBE.

Nos primórdios do movimento MBE, especialista era sinônimo do que a MBE estava se colocando contra, ou seja, a opinião autoritária sobre a melhor intervenção, ensinada nas faculdades e cobrada dos alunos.

Para exemplificar a postura do especialista como detentor do conhecimento reproduz-se abaixo texto que se supõe elaborado a partir de situação verídica:

Conceituado cirurgião de Boston ministrava palestra sobre grande número de pacientes submetidos a reconstrução vascular com sucesso. Ao final, uma jovem estudante sentada ao final da sala, perguntou, timidamente: “O Senhor tem controles? ” O grande cirurgião ficou ainda mais ereto, bateu na mesa com a mão espalmada e disse: “Por controle a senhora quer dizer, que eu não operasse metade dos pacientes”?

Silêncio completo no auditório. A voz ao fundo da sala replicou, com hesitação:

“Sim, isso é o que eu pensei”. Então o conferencista mostrou todas as suas garras e esbravejou: “Claro que não fiz isso, pois seria o mesmo que condenar metade dos pacientes à morte”. Silêncio ainda mais profundo o que permitiu que se ouvisse a nova pergunta da pequena voz: “Qual metade? ” (RACHLINSKI, 2011, p. 901-23).

A história ilustra como a medicina luta com seus fundamentos tanto no método científico, como no procedimento técnico. Muitos hospitais universitários possuem unidades de pesquisa capazes de usarem técnicas controladas para testar novas drogas e procedimentos.

Contudo a medicina também tem foco em doutores individuais e pacientes individuais o que dificulta para muitos médicos pensar como estaticistas e cientistas. Por isso a medicina baseada em evidências emergiu nessa interface. A ideia por trás desse movimento é submeter, até mesmo as presunções mais simples ao escrutínio empírico.

1.9.2.8 Relato de casos

Descreve as queixas médicas de determinado paciente na forma de uma história.

Pode descrever, também, uma série de casos de características semelhantes, para ilustrar a clínica, o tratamento, ou reações adversas a medicamento específico. Faz parte do nível hierárquico 5 de evidências. Mesmo sendo nível fraco de evidência científica pode ser escrito e publicado em poucos dias e é muito útil para o aprendizado de estudantes médicos e enfermeiros e para compreensão de aspectos relevantes de doenças raras (GREENHALGH, 2019).

Deve-se ressaltar que os níveis mais baixos de evidência não implicam em falta de valor científico. Apenas que não existe, ainda evidência científica suficientemente forte para suportar a recomendação de uso daquele resultado.

Doenças raras dificultam a obtenção de evidências pela impossibilidade de estudos comparativos. Isso tem implicação jurídica porquanto o menor nível de evidência cria obstáculo para a judicialização de uma demanda, porque o tratamento, por procedimento ou medicamento, não é incorporado pelas políticas públicas por falta de evidências (SCHULZE;

GEBRAN NETO, 2015).

Em resumo, o desenho de estudo que possui validade interna mais adequada são as revisões sistemáticas com ou sem metanálises (consideradas nível 1 de evidências), seguidas dos grandes ensaios clínicos, denominados mega trials (com mais de 1.000 pacientes – nível 2 de evidências), ensaios clínicos com menos de 1.000 pacientes (nível 3 de evidências), estudos de coorte (não possuem o processo de randomização, estudos caso-controle e serie de casos – nível 4 de evidências), relatos de caso, opiniões de especialistas, pesquisas com animais e pesquisas in vitro (nível 5 de evidências). Os parâmetros do nível 5 de evidências são equivalentes. Assim, na prática, a hierarquia em 5 níveis é fundamental para formular hipóteses que serão testadas à luz de boa pesquisa cientifica (EL DIB, 2007).

Os estudos de MBE são escalonados em cinco diferentes níveis de evidências, conforme o tipo de pesquisa, o tamanho da amostra, o número de trabalhos de revisão

disponíveis na literatura, e o grau de confiança desses estudos, sendo o nível 1 o mais alto e o nível 5 o mais baixo, conforme demonstrado no Quadro 2.

Quadro 2 – Nível de evidências e grau de recomendação em relação ao diagnóstico, prognóstico e tratamento das doenças

Grau de recomendação

Nível de Evidên-

cia

Terapia: se o tratamento é eficaz/efetivo ou prejudicial

Terapia: Se uma droga é superior a outra droga da sua mesma classe

Prognóstico Diagnóstico

A

1 a

RS (com

homogeneidade*) ou RCT

RS (com homoge- neidade*) ou cabeça a cabeça RCTs

RS (com homogeneidad e*) de começo de estudos cohort. CDR”

validado em diferentes populações

RS (com homogeneida de*) Estudos de estudo diagnóstico nível 1 com CDR” com estudos 1B de diferentes centros.

1 b

RCT individual (com intervalo de confiança estreito”)

Dentro de RCT cabeça a cabeça com evoluções clinicamente importantes

Incepção de cohort

individual com

> 80% de seguimento;

CDR”

validado em uma única população

Validação**

de estudos de cohort.

Bons”

padrões de referência;

ou CDR”

teste dentro de um único centro

1 c

Tudo ou nada§ Série de

Casos tudo ou nada

SpPins e SnNouts absolutos ++

2 a

RS (com

homogeneidade*) de estudos cohort

Dentro de cabeça a cabeça RCT com evolução substitutiva validada

RS (com homogenei-dade*) seja de estudos de cohort retrospectivo, seja ou grupos controle não tratados em RCT.

RS (com homogeneida de*). Nível >2 em estudos diagnósticos.

B

Derivação de CDR” ou validação de amostras desmembradas

§§§

2 b

Estudo cohort individual

(incluindo RCT de baixa qualidade (ex: follow up <

80%)

Por meio de RCTs de

diferentes drogas x placebo em pacientes semelhantes ou diferentes com evolução substitutiva validada ou clinicamente importante ou

Estudo de cohort retrospectiva ou evolução de pacientes controles não tratados em RCT.

Derivação de CDR ou validada apenas em amostras desmembradas

Cohort explorativo com bons padrões de referência.

CDR” após derivação ou validado em amostras demembra- das ou em banco de dados

2 c

“Resultados ” Pesquisa; Estudos ecológicos

Resultados de Pesquisa

3 a

RS (com homogeneidade de*) com estudo de caso controle

Por meio de análise de subgrupos de RCTs com diferentes drogas x placebo em pacientes semelhantes ou diferentes, com evolução substitutiva clinicamente importante.

RS (com homogeneida de*) de estudos 3b ou superiores

B 3 b

Estudos de Caso controle individual

Por meio de RCTs de drogas diferentes X placebo em pacientes semelhantes ou diferentes com evolução substitutiva não validada.

Estudo Coorte não consecutivo, ou população pequena.

Sem referências padrão consistentem ente

aplicadas.

C 4

Série de casos (e estudos de cohort e estudo de casos controle §§ de baixa qualidade)

Entre estudos não randomizados (estudos observa-cionais e pesqui- sa em banco de dados administra- tivo)

Série de casos (e estudos de prognóstico de baixa

qualidade***)

Estudo de caso-controle, com padrão de referência ruim ou não independente .

D 5

Opinião de especialista sem abordagem crítica explícita, ou baseada em fisiologia, trabalho de bancada ou

“princípios primeiro”

Opinião de especialista sem abordagem crítica explícita, ou baseada em fisiologia, trabalho de bancada ou

“princípios primeiro”; ou estudos não randomizados com evolução substitutiva não validada.

Opinião de especialista sem abordagem crítica explícita, ou baseada em fisiologia, trabalho de bancada ou

“primeiro princípios”

Opinião de especialista sem abordagem crítica explícita, ou baseada em fisiologia, trabalho de bancada ou

“primeiro princípios”

Fonte: OXFORD CENTRE FOR EVIDENCE-BASED MEDICINE, 2009); THOMSSEN; HARBEECK, 2010;

CANADIAN TASK FORCE ON THE PERIODIC HEALTH EXAMINATION, 1979; SACKETT,1986;

COOK, 1995; YUSUF et al, 2002 .

Graus de recomendação são ilustrados como ligados diretamente ao nível de evidência. Contudo os níveis falam apenas da validade de um estudo e não de sua aplicabilidade clínica. Outros fatores devem ser levados em conta (custo, facilidade de implementação, importância da doença) antes de determinar o grau. Graus que são presentes nos protocolos estão intimamente ligados à validade da evidência – mudarão com o tempo para refletir melhor as preocupações destacadas no texto do protocolo ou Cats relacionados.

Os níveis 1 a 5 dizem respeito à qualidade das publicações. Os graus de recomendação são as condutas que, uma vez adotadas, tem possibilidades de terem graus de sucesso de “A” a “D”, no diagnóstico ou no tratamento.

Homogeneidade: Revisão sistemática que é livre de variações preocupantes (heterogeneidade) nas direções e graus de resultados entre estudos individuais. Nem todas as revisões sistemáticas com heterogeneidade estatisticamente significativas precisam ser preocupantes e nem toda

heterogeneidade preocupante precisa ser estatisticamente significante. Como se nota acima, estudos mostrando heterogeneidade preocupante devem ser marcados com “-“ ao final do seu nível

designado.

Regra de decisão Clínica (CDR- Clinical Decision Rule) – Algoritmos de sistemas de escores que levam a estimação do prognóstico ou a uma categoria de diagnóstico.

§ Encontrado quando pacientes morreram antes que o Rx esteja disponível, mas alguns sobrevivem;

ou quando alguns pacientes morreram antes que o Rx esteja disponível, mas nenhum morre após.

§§ Cohort de baixa qualidade: o que falha para definir claramente grupos de comparações e/ou falharam para medir exposições e evoluções no mesmo (preferencialmente cego), meio objetivo em indivíduos expostos e não expostos e/ou falharam em identificar ou controlar apropriadamente os conhecidos confundidores dos controles, e/ou falharam para prover suficiente e completo seguimento dos pacientes. Baixa qualidade de estudos de casos controle: estudo que falhou para definir grupos claros de comparações e/ou falharam em medir exposições ou evoluções nos mesmos

(preferencialmente cegos), método objetivo em ambos: casos e controles e/ou falharam em identificar ou controlar apropriadamente os confundidores dos controles conhecidos.

§§§ Validação de amostras fracionadas é obtida colecionando todas as informações em uma parcela simples e, então, dividindo esta em amostras de derivação ou validação.

++ Um SpPin absoluto é um diagnóstico cuja especificidade é tão alta que um resultado positivo estabelece o diagnóstico. SnNout absoluto é um diagnóstico cuja sensibilidade é tão alta que um resultado negativo exclui o diagnóstico.

# Tratamento de melhor valor: claramente tão bom, mesmo sendo mais barato ou melhor ao mesmo custo ou a custo reduzido. Pior valor: tratamento tão bom quanto, mas com custo maior ou pior e de mesmo custo ou de custo maior.

## Padrões de boas referências são independentes do teste, e aplicadas de maneira cega ou

objetivamente em todos os pacientes. Padrões ruins de referência são aplicados aleatoriamente, mas também independentes do teste. Uso de um padrão de referência não independente (no qual o teste é incluído na referência, ou quando o teste afeta a referência) implica em estudo de nível 4.

*Estudos de validação testam a qualidade de um teste diagnóstico específico, baseado em evidência prévia. Estudo exploratório coleta informações e puxam os dados (por exemplo usando análise de regressão) para encontrar quais fatores são significantes.

** Cohort de qualidade ruim: aquele que as amostras foram induzidas em favor de pacientes que evolução alvo, ou as medidas de seguimento foram encontradas em >80% dos pacientes do estudo, ou resultados foram obtidos de forma não duplo cega, não objetiva, ou sem correção de fatores de confusão.

*** Bom seguimento é um estudo de diagnóstico diferencial com > 80% de seguimento de pacientes, com tempo adequado para o surgimento de diagnósticos alternativos (1 a 6 meses se agudo, 1 a 5 anos se crônico)

+s Evolução substitutiva de resultados considerada validada somente quando a relação entre o resultado substituto tenha sido estabelecida em RCTs de longo prazo.

Graus de Recomendação:

A= Nível 1 de Evidências Consistente

B= Níveis 2 ou 3 de Evidências Consistentes ou extrapolação de evidências nível 1 C= Nível 4 de evidências ou estrapolação dos níveis 2 ou 3

D= Nível 5 de evidência ou Evidências inconsistentes ou inconclusivas em qualquer nível

No documento Direito à saúde baseada em evidências (páginas 59-66)