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Financiamento da Saúde

No documento Direito à saúde baseada em evidências (páginas 115-119)

1. INTRODUÇÃO

1.18 Judicialização da saúde

1.18.7 Financiamento da Saúde

debate. Protocolos clínicos, diretrizes terapêuticas e a MBE podem ter papel preponderante na solução do litígio nessa área.

São inúmeras as ações ajuizadas com o fim de coagir o Estado a prestar atendimento farmacêutico. Na maioria delas, há desvirtuamento do uso de instrumentos processuais postos à disposição da sociedade pela lei. Isso ocorre pela falta de informação dos operadores do direito, sobre as políticas públicas de saúde e pelos aspectos técnicos que envolvem a prescrição medicamentosa. Pode, ainda, decorrer da influência da indústria farmacêutica, que usa de todos os argumentos para convencer os profissionais médicos sobre as vantagens dos medicamentos comercializados por ela.

Nos últimos anos, o avanço da indústria farmacêutica tem sido notório. Entretanto, muitos produtos recém-lançados possuem, em maior ou menor grau, eficácia similar à de remédios já conhecidos, disponíveis no mercado e inclusos na lista de distribuição da rede pública de saúde. No entanto, os novos remédios custam muito mais que os atualmente padronizados pelo SUS. Outros produtos, comercializados fora do Brasil ou ainda em fase de testes, não possuem registro no país e não devem ser distribuídos pelo SUS, pois podem pôr em risco a saúde de quem os consumir.

São justamente esses medicamentos que o Estado mais vem sendo obrigado a fornecer por pedidos na Justiça. É importante ressaltar que a entrega de medicamentos por decisão da Justiça compromete a dispensação gratuita regular, já que os governos precisam remanejar recursos vultosos para atender situações isoladas. Em São Paulo, a Secretaria da Saúde gasta cerca de R$ 300 milhões por ano para cumprir ações judiciais para distribuição de remédios não padronizados de eficácia e necessidade duvidosas. Com esse valor é possível construir seis hospitais de médio porte por ano, com 200 leitos cada. Além de medicamentos, o Estado vê-se obrigado a entregar produtos como iogurtes, requeijão cremoso, queijo fresco, biscoitos, adoçante, leite desnatado, remédio para disfunção erétil, mel e xampu, dentre outros itens. Em 2004, por exemplo, chegou a ter de custear, por força de decisão judicial, a feira semanal para morador da capital (BARRADAS, 2012).

Impera no Brasil o “Mito do Governo Grátis”, no qual o Estado tem o dever de prestar tudo sem nenhum custo. Esse pensamento equivocado é adotado muitas vezes pelo próprio Judiciário que toma decisões que desequilibram o sistema público de saúde e o sistema suplementar de saúde (CASTRO, 2014).

O conteúdo normativo do direito à saúde inscrito na Constituição – artigos 6º, 196 a 198- demonstra que não existe direito subjetivo constitucional de acesso universal, gratuito, incondicional e a qualquer custo, a todo e qualquer meio de proteção à saúde. Assim,

[...] não se pode ter como existente direito líquido e certo de obter do Estado, gratuitamente, o fornecimento de medicamento de alto custo, não incluído nas listas

próprias expedidas pelos órgão técnicos de formulação da política nacional de medicamentos e, ademais, considerado pelos órgãos técnicos do Poder Público (Ministério da Saúde e órgãos colegiados do Sistema Único de Saúde-SUS) e pela opinião da comunidade científica como ineficaz para o tratamento da enfermidade, na situação apresentada pelo Impetrante. Acertada, portanto a decisão do tribunal recorrido, de denegar a ordem (BRASIL, 2010).

O Estado Constitucional está assentado no dever de progresso e na proibição do retrocesso. O dever de progresso impõe ao Estado o avanço na sua atuação legislativa, executiva e judicial, pois a pretensão estatal não se limita ao já conquistado, aceitando a melhoria qualitativa e quantitativa das prestações materiais e imateriais em prol da sociedade.

O dever de progresso está conectado ao princípio do desenvolvimento e se projeta para o futuro.

A proibição de retrocesso em saúde é princípio constitucional com fundamento em vários outros:

 estado democrático e social de direito;

 dignidade da pessoa humana;

 máxima eficácia e efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais;

 segurança jurídica;

 proteção da confiança;

 sistema de proteção internacional;

 enunciados dos artigos 3º, 170, 196 e seguintes da Constituição (NETTO, 2010) Há algum tempo o Poder Judiciário tem julgado pedidos de usuários do sistema de saúde para condenar o Estado a fornecer medicamentos, tratamentos e tecnologia sob o argumento de que a CF88 estabeleceu que a saúde é direito fundamental a ser perseguido e implementado conforme preconizam os artigos 6º e 196. A questão central é saber se o direito à saúde possui limitações. A noção geral é que sem saúde não há dignidade humana e por isso a saúde seria direito absoluto do cidadão. Em geral, o Judiciário fundamenta que o direito à saúde está previsto na Constituição e que cabe ao Estado prestar toda e qualquer política para efetivá-lo. Via de regra, o próprio STF utiliza apenas argumentos jurídicos para condenar entes públicos ao fornecimento de medicamentos e tratamentos, o que não é a melhor forma de enfrentar a questão.

Existe dever estatal de prestação de serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos de maneira ampla. Essa dimensão objetiva do direito fundamental à saúde

condiciona a atuação do legislativo, do administrativo e do judiciário no exercício e controle das políticas públicas de saúde. O Estado está, pois, cercado por, pelo menos, três deveres:

a) dever de respeito: não pode violar o direito à saúde;

b) dever de proteção: não pode permitir a violação do direito à saúde;

c) dever de promoção: prover condições básicas para o pleno exercício do direito à saúde.

Ao mesmo tempo deve proteger a dimensão subjetiva do direito fundamental à saúde. Descumprimento do princípio da integralidade permite que o cidadão solicite ao Estado-juiz o respeito e a reparação da violação àquele direito fundamental. Contudo, o STF já proferiu várias decisões nas quais rejeita a existência de direitos absolutos, pois, a escassez de recursos financeiros impede que a Constituição confira, a todo brasileiro, o direito de ter a melhor prestação de serviço de saúde existente no mundo (ALEXY, 2015).

Portanto, o fato de o sistema jurídico brasileiro contemplar a saúde como direito fundamental social, não implica em que não sejam levados em conta os aspectos fáticos da limitação financeira e de recursos humanos e tecnológicos. No Brasil, a questão da limitação financeira é, em geral, esquecida na judicialização da saúde. Ressalte-se que não existe lugar no mundo onde o sistema de saúde seja completo, perfeito e impecável, exatamente pelas limitações financeira, de recursos humanos e de tecnologia.

A judicialização da saúde ocorre, predominantemente, a partir de duas situações:

a) o exercício do direito já reconhecido é postulado, porém, negado na via administrativa. Exemplo: medicamento, tratamento ou tecnologia já incorporado pelo SUS ou pelos planos de saúde, mas não autorizados ao cidadão. A tendência nesses casos é que o juiz julgue procedente o pedido, o que não causa problemas maiores para o demandado – entes públicos ou operadoras de planos de saúde – vez que o tratamento postulado já existe;

b) a discussão processual gira em torno de direitos não reconhecidos na via administrativa. Isso pode ocorrer, por exemplo, com tratamentos e tecnologias não incorporados, sem registro na ANVISA e sem comercialização no mercado nacional, ou quando não há indicação médica para usufruir de tecnologia já

incorporada. Nesses casos a procedência do pedido deve ser analisada com rigor, por não haver previsão legal para a sua concessão. Nesses casos, o papel do Judiciário deve ser de equilíbrio. O artigo 5º, inciso XXXV da Constituição fundamenta a judicialização ilimitada das demandas sociais e políticas no Estado Brasileiro. Não há limitador para o ajuizamento das ações judiciais, o que levou o Judiciário a assumir a tarefa de regular e disciplinar tais questões, passando de coadjuvante do estado a ator principal. O Estado tornou-se gigante e incapaz de satisfazer a todas as demandas, principalmente no âmbito da saúde. O Poder judiciário tornou-se o canal para controle da atuação estatal, para corrigir os desvios e omissões dos demais poderes (CLÉVE, 2011).

No documento Direito à saúde baseada em evidências (páginas 115-119)