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Capítulo II: O Papel dos Média nos Processos de Microrregulação das Políticas

2.4 Seleção e construção das notícias

2.4.3 As fontes

Os canais de recolha de notícias estão “profundamente estruturados em função de avaliações da noticiabilidade” (Wolf, 1985/2009, p. 219). As agências noticiosas, nacionais ou supranacionais são o canal privilegiado pelos mass media, pois, numa lógica económica, são as que melhor satisfazem os critérios de valor de notícia sendo, por isso, um elemento fundamental no processo de mediação (Araújo, Neto, Cheta, & Cardoso G., 2009; Wolf, 1985/2009). Nesta ordem de ideias, um papel importante das redações será o de receber e formatar as notícias. Na opinião de Wolf

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63 (1985/2009, p. 232) reside aqui um dos fatores explicativos da “homogeneidade e uniformidade das definições daquilo que constitui notícia”.

Um exemplo português deste tipo de fonte de informação é a agência noticiosa LUSA. No estudo que Araújo, Neto, Cheta, e Cardoso G. (2009, p. 82 e segs.) realizaram em 2004, o qual teve por objetivo estudar o impacto da internet nos mass media portugueses35, verificaram que a maioria dos 341 jornalistas portugueses que nele participaram considerou a agência LUSA como uma importante fonte de informação. De entre os resultados obtidos nesse estudo, salientam-se os seguintes: “nas redacções da imprensa, destacam-se os jornalistas que o fazem pelo menos uma vez por semana” (p. 83); em termos de hierarquização de importância para os jornalistas, as fontes oficiosas privadas posicionaram-se na primeira linha, seguidas das agências LUSA e agências noticiosas internacionais, e em quarta posição surgiram novamente as fontes oficiosas públicas; ocupando os três últimos lugares surge a literatura especializada―esta foi considerada importante para um pouco mais de metade dos jornalistas, sendo 33,9% os jornalistas de imprensa que afirmaram recorrer à literatura especializada, enquanto fonte, pelo menos uma vez por semana―os contactos imprevistos e as conferências e congressos; o recurso à opinião de especialistas foi um aspeto considerado relevante para a generalidade daqueles jornalistas e a que recorriam diariamente, semanalmente ou mensalmente.

Na opinião de Schudson (2002), Shoemaker e Vos (2009/2011), Wolf (1985/2009), e de muitos outros autores cujos trabalhos são referidos por estes, são as fontes oficiais e institucionais que dominam os canais (de rotina) das notícias, ainda que, como admitem Shoemaker e Vos (p. 81), os avanços tecnológicos tenham vindo permitir uma cobertura maior e mais fácil de “notícias baseadas em eventos espontâneos”. Um fator explicativo reside no facto de serem as agências e os gabinetes de comunicação oficial os que garantem um “fluxo constante e seguro de notícias” (Wolf, 1985/2009, p. 220), em especial os que dispõem de porta-vozes ou assessores de imprensa, como é o caso do governo, partidos políticos e outras instituições. Uma outra hipótese relevante prende-se com a forma como “as fontes refletem a estrutura social e de poder” (Wolf, 1985/2009, p. 226); o governo, instituições oficiais e, de um modo geral, os agentes que detém poder e têm fácil acesso aos jornalistas e aos meios de comunicação social fornecem atempadamente informações credíveis sem custo para os jornalistas e, além disso, “em questões controversas, representam o ponto de vista oficial” (Wolf, 1985/2009, p. 226). Schudson (2002) resume estes aspetos da seguinte forma:

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A análise efetuada por estes autores teve por suporte os dados resultantes de um inquérito aplicado a 341 jornalistas portugueses e observação participante nas redações dos principais media portugueses, no âmbito de um projeto levado a cabo, entre 2004 e 2006, por uma equipa de investigadores do CIES-ISCTE que se propôs estudar o impacto da Internet nas industrias de Mass Media (Araújo et al, 2009)

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They [government officials, whether police officers or politicians] are informed. Their information is judged to be authoritative and they are eager to satisfy the cravings of the news organizations. They make information available on a regular basis in a form that the media can easily digest. (p. 255)

Ora, a relação entre os jornalistas e os governos é, por norma, mediada por assessores dos gabinetes ministeriais ou por outros agentes que integram os gabinetes de comunicação ou as secretarias de imprensa dos governos e, da parte dos média, por jornalistas especialistas ou por jornalistas que mantém um relacionamento mais próximo com as suas fontes do campo político (Wolf, 1985/2009).

São múltiplas as razões que justificam que a mediação entre o governo e os média seja feita por assessores e adjuntos de imprensa recrutados de entre os jornalistas (Gonçalves, V. , 2005). Aos agentes do gabinete de comunicação do governo e assessores de imprensa cabe-lhes comunicar as decisões do governo e fornecer a interpretação que este pretende dar sobre determinada política, ou seja, compete-lhes dar a conhecer a forma como o governo quer que os jornalistas e, por conseguinte, o público pensem sobre as políticas que implementa ou que pretende vir a implementar. Neste sentido, existe uma boa quantidade de exemplos de colaboração entre o campo político e o campo jornalístico36. Aos assessores de imprensa compete também dar feedback ao gabinete para o qual trabalham da imagem que os jornalistas transmitem sobre a performance do governo, impedir os jornalistas de aceder à informação, moldar a agenda dos jornalistas e, de um modo geral, “antecipar e neutralizar os riscos que a acção da imprensa pode acarretar para a imagem do político a quem assessoria” (Gonçalves, V. , 2005, p. 116). Ora, esta interação implica a mobilização de capital, em particular do capital simbólico dos agentes envolvidos no processo comunicativo (Stack, 2010). Ou seja, a relação entre agentes posicionados em campos distintos, hierarquicamente estruturados, como são o campo jornalístico e o campo político, implica o uso do prestígio e da legitimidade, assentes numa dialética de conhecimento e reconhecimento (Stack, 2010).

Por outro lado, os assessores de imprensa e o staff do governo responsável pela comunicação e mediação com os média são uma fonte credível de informação cujo fluxo é garantido sem custos

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Como é o caso da investigação levada a efeito por Ungerleider (2006, p. 88) numa província canadiana na qual o autor concluiu que os media e o governo dessa província, ao valerem-se da construção de uma matriz ideológica neoliberal comum vantajosa para as duas instituições, contribuíram para alimentar “anxieties about the future, foster distrust of public schooling, and extol the virtues of individualism, choice, competition, productive efficiency, and private enterprise” (Ungerleider, 2006, p. 88).

Um outro exemplo “paradigmático” (a expressão é de M. Melo, 2005, p. 598) das relações que se podem estabelecer entre o campo jornalístico e o campo político é apresentado por M. Melo (2009) na investigação realizada sobre a divulgação dos rankings escolares das escolas portuguesas por parte do jornal Público.

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65 acrescidos para os jornalistas (Wolf, 1985/2009), ainda que, como Schoemaker e Vos (2011) também sublinham, aqueles procurem controlar a informação que deve ser partilhada com os média. Este é um aspeto que, do ponto de vista de Graber (2003, p. 153), se mantém mesmo com o desenvolvimento da tecnologia: “Internet news suppliers face the same problems as traditional media. Surveillance is better because more information is available from government and private websites […]. But the government’s ability to hide what it does not wish to disclose remains formidable”.

Porém, “the reliance on government officials does not guarantee pro-governments news” (Schudson, 2002, p. 257). Na opinião deste autor, nas últimas décadas, os jornalistas têm aumentado a capacidade de abordar de forma crítica a atuação dos governos, ainda que estes sejam a sua fonte principal de informação. Na realidade, a relação dos jornalistas com as suas fontes regulares, sejam elas governamentais ou outras fontes de elite, é complexa e influenciam-se mutuamente. Como Stack (2010, p. 107) afirma, “doing politics and engaging media often involve a tricky dance”, da qual ambas as partes [Governo e média] procuraram tirar proveitos (Ungerleider, 2006).

I tis clear that the authorities, the government in particular, influence the media not only through the economic pressure that they bring to bear but also through their monopoly on legitimate information―government sources are the most obvious example. First of all, this monopoly provides governmental authorities (juridical, scientific, and other authorities as much as the police) with weapons for manipulating the news or those in charge of transmitting it. For its part, the press attempts to manipulate these ‘sources’ in order to get news exclusive. (Bourdieu, 1998, p. 69)

A questão da credibilidade da informação é outro fator que joga a favor do recurso a agências e a fontes oficiais; apesar do acesso à informação estar facilitado, uma vez que a internet e o software livre vieram possibilitar o acesso e a seleção da informação sem terem de passar pelos filtros institucionais (Cardoso G. , 2009)―o que é válido para o cidadão comum é também válido para os jornalistas―, mantém-se a questão da confirmação da credibilidade dessa informação. Esta questão é também assinalada por Araújo et al (2009) como uma das razões pelas quais o papel do jornalista, enquanto agente mediador da informação, se mantém, como assume ainda maior importância numa sociedade que se enquadra num novo paradigma comunicacional37. Por um lado,

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Segundo Gustavo Cardoso (2009, pp. 35-36) assistimos também a uma “mudança de paradigmas comunicacionais” que moldam o nosso sistema de media. A alteração do nosso paradigma comunicacional pode ser testemunhada através da análise de quatro dimensões: 1) retórica construída essencialmente em

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da escassez de informação passámos na última década para um excesso de informação. Assim, a seleção das mensagens importantes, ou seja, das que cumprem os critérios de valor de notícia, torna-se fundamental. Por outro lado, a facilidade de acesso à informação tornou cada indivíduo um

gatekeeper (Shoemaker & Vos, 2009/2011). Porém, na maioria dos casos, também este canal de

informação necessita de alguém que valide essa informação (Araújo et al, 2009). Neste sentido, o jornalista tende a complementar a função de gatekeeper com a de gatewatcher. Noutros termos, o conceito de gatekeeper evoluiu e, juntamente com o papel de guardião da informação, o jornalista acumula atualmente o papel de intérprete dessa mesma informação (Araújo et al, 2009).

Na verdade, uma fonte “importante para os jornalistas é o consumo que eles próprios fazem dos outros meios de comunicação” (Wolf, 1985/2009, p. 229). Bourdieu (1998, p. 24) afirma que “no one reads as many newspapers as journalists”. Se um jornal de referência e com prestígio toca determinado assunto, outro jornal não pode ficar indiferente; excluindo pequenas diferenças que respeitam às tendências políticas ou ao facto de se tratar de um jornal com prestígio no campo jornalístico que procura preservar a reputação e manter uma certa distância, os produtos são todos eles muito parecidos, dando-se o que Bourdieu (1998, p. 25) designa por “the circular circulation of information”. Este ponto de vista é partilhado por outros autores. Schoemaker e Vos (2011), por exemplo, referem a existência de uma agenda comum entre vários meios de comunicação a qual é estabelecida mais por umas organizações do que por outras e resulta não só da colaboração entre os respetivos jornalistas, no que respeita ao entendimento do valor de notícia de determinada informação ou acontecimento, mas também da monitorização recíproca que fazem dos seus pares congéneres. Sendo assim, “the journalistic world is a divided one, full of conflict, competition, and rivalries” (Bourdieu, 1998, p. 23).

A competição existente no campo jornalístico, quer pela audiência, quer pelos anunciantes e pelas fontes―os quais são uma forma indireta de influência exercida pelo público―, dita a relevância do acontecimento ou da informação a ser replicada, ampliada e trabalhada pelos jornalistas; por conseguinte, esta competição configura o seu valor de notícia. A avaliação pelo mercado, quer sob a forma dos índices de audiência―“even network executives are ultimately slaves to the ratings” (Bourdieu, 1998, p. 26),―quer através dos anunciantes, tem como consequência uma dependência de pressões do campo económico que do ponto de vista de Bourdieu o distingue de outros campos da produção cultural.

função da imagem em movimento; 2) novas dinâmicas de acessibilidade da informação; 3) utilizadores como inovadores; e 4) inovação nas notícias e nos modelos de entretenimento.

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