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Capítulo V: As Vozes dos Agentes e os Contextos de Produção

5.3 O debate e a argumentação em torno da INO: O espaço de opinião da imprensa escrita

5.3.2 As vozes dos leitores

Os 12 artigos analisados do género jornalístico cartas dos leitores/cartas ao diretor foram publicados pelo jornal Público na secção cartas ao diretor/a. A sua maioria é de autores do sexo masculino; apenas duas cartas são de autores do sexo feminino e todas são de autores diferentes. À exceção de uma carta cujo autor se afirma “um leitor devidamente identificado”, que de ora em diante designaremos por LDI, as restantes estão assinadas pelo respetivo autor indicando também a proveniência geográfica. Em nenhum destes artigos se encontra expressa qualquer referência à categoria institucional, embora um ou outro leitor se tivesse feito valer do seu estatuto profissional para legitimar o seu posicionamento perante os assuntos que aborda. O espaço de publicação destas cartas fez-se numa zona de reduzidas dimensões, ainda que situada abaixo do editorial do jornal. O seu tamanho médio é de 303 palavras e as suas dimensões variam entre 166 e 439 palavras. Quatro cartas apresentam sinais de que foram reduzidas para publicação.

As 12 cartas às quais se aplicou o processo de análise de discurso encontram-se distribuídas, por data e autor, conforme consta na Tabela 5.14. Em 2005, 2006, 2008 e 2013 não se regista a publicação de cartas nas condições definidas no processo de amostra desta pesquisa; por outro lado, o ano 2007 foi aquele em que se encontrou maior concentração de cartas dos leitores sobre a INO. As duas cartas de 2011 foram publicadas em período de campanha eleitoral relativa às legislativas de 05 de junho.

Tabela 5.14: Identificação das cartas dos leitores por data de publicação e autor

Ano Dia e mês da publicação Autor

2007 26.04 Gonçalo Tapadas 26.09 José Almeida 16.10 José Mesquita 14.11 LDI 02.12 Paula Correia 2009 04.08 Carlos Sampaio 10.08 Graça Mota 2010 06.09 Rui Silvares 2011 22.05 José Lopes 26.05 Manuel Ferreira

2012 25.05 Alberto Melo Garcia

06.07 J. Ricardo

Os assuntos respeitantes à ação governativa e ao eixo Adultos dominaram o discurso destes atores. Os processos de RVCC foram referidos por cinco autores, os cursos EFA por dois e as Formações Modulares por um. A avaliação do eixo Adultos, os efeitos da INO e o ensino recorrente foram assuntos abordados numa carta. A aplicação do Decreto-Lei nº357/2007, de 29 de outubro, foi assunto principal de um artigo. Os cursos de dupla certificação, nomeadamente os CEF e os cursos profissionais, foram abordados explicitamente por dois leitores, um deles a propósito dos recursos materiais e o outro a propósito dos recursos humanos.

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A opinião foi apresentada de modo relativamente informal, evidenciando claramente o posicionamento dos autores perante os assuntos. Em algumas cartas, nomeadamente nas de Gonçalo Tapadas, José Almeida, José Mesquita, Carlos Sampaio e Rui Silvares destaca-se uma linguagem conotativa e bastante expressiva, por vezes, assumindo características de uma linguagem mais popular; porém a argumentação, ainda que relativamente consistente, mostrou-se de um modo geral pouco elaborada. Na verdade, o reduzido espaço a que estes artigos estão confinados exige uma boa capacidade de síntese e dificulta um maior aprofundamento dos assuntos.

Na fundamentação da opinião regista-se uma ligação à agenda mediática, confirmando os resultados obtidos por M. Silva (2007); ou seja, verifica-se um enfoque em assuntos que tiveram destaque nos média por altura da publicação das cartas, designadamente, a referência a uma das campanhas publicitárias da INO (Aprender Compensa), aos discursos de Pedro Passos Coelho no início da campanha eleitoral para as eleições legislativas de 05 de junho de 2011 e a polémica acerca das habilitações que envolveu dois ministros, José Sócrates e Miguel Relvas.

As cartas de LDI e de Alberto Melo Garcia distinguem-se das restantes, quer pelo tipo de linguagem utilizada quer pela forma como argumentaram a opinião. O primeiro assumiu uma posição de partilha de ideias, apresentando sugestões com vista, segundo a sua perspetiva, a uma maior eficiência do sistema de ensino. Já Alberto Melo Garcia argumentou a sua opinião mobilizando conhecimento sobre a educação e formação de adultos; assumiu a ANEFA como entidade de referência ligada à educação e formação de adultos em Portugal e revelou um posicionamento claro quer em desfavor do ensino recorrente, quer da forma como o XIX Governo procurou legitimar o fim da INO.

José Almeida, Graça Mota e J. Ricardo trataram os assuntos ou referiram-se aos procedimentos regulamentares sem os identificarem formalmente.

Graça Mota, José Lopes, e Manuel Ferreira, recorreram às suas histórias pessoais como forma de legitimarem o seu posicionamento favorável em relação à INO. Por sua vez, Paula Correia recorreu a um acontecimento específico que vivenciou para fundamentar a opinião emitida sobre a (in)eficácia da INO.

José Mesquita recorreu à autoridade do Presidente da República, Cavaco Silva, para defender a descentralização das escolas e a entrega da sua gestão à comunidade, uma maior participação dos pais na “qualidade do ensino” e a importância do professor no sucesso das políticas educativas. Ainda que de forma muito genérica, José Mesquita, Gonçalo Tapadas e Rui Silvares fizeram referência a instâncias supranacionais para censurar a ação governativa.

No que respeita à estratégia ou ação dos governos (XVII, XVII ou XIX Governos ou governos anteriores), assuntos que também foram abordados, destaca-se uma ótica pessimista a qual foi extensiva à classe política em geral e ao ME. As críticas assinaladas ao XIX Governo destacam a forma como consideraram que este governo analisou a INO e como, na ótica de alguns

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143 leitores, revalorizou o ensino recorrente em detrimento das ofertas de educação e formação de adultos que integravam o pilar dos Adultos, nomeadamente os cursos EFA e os processos de RVCC, menosprezando avaliações realizadas. As seguintes passagens são bem ilustrativas desta situação:

Agora vem o “aspirante a primeiro-ministro”, dr. Pedro P. Coelho dizer que isto é uma fraude e foi facilitismo. Como é costume, estes políticos “cortam pela raiz”. Como não conseguem detectar e sancionar (ou não lhes é conveniente…) as fraudes que por certo existiram, vai tudo no mesmo saco! [Manuel Ferreira]

O que não se entende foi a ligeireza crítica, por parte do atual executivo, dirigida ao programa Novas Oportunidades do anterior Governo. [J. Ricardo]

Passando por cima do longo e rigoroso trabalho de avaliação do Programa Novas Oportunidades, levado a cabo ainda recentemente por uma equipa de investigadores da Universidade Católica, coordenada por Roberto Carneiro, o Governo decidiu acabar com este processo. Não para o substituir por um modelo mais ajustado e inovador, senão para ressuscitar o velho e desacreditado ensino recorrente [Alberto Melo Garcia].

Concretamente sobre a INO, os discursos dividiram-se entre uma visão otimista, ligeiramente maioritária, e uma visão pessimista. A visão mais otimista sublinhou, no eixo Adultos, o grau exigência dos processos de formação e o esforço pessoal necessário à obtenção de uma certificação pela INO, bem como os efeitos resultantes da função democrática e de desenvolvimento pessoal, como se evidencia nos seguintes depoimentos dos autores de três cartas:

Efeitos desejados por qualquer sociedade moderna, como ganhar maior auto-estima e autoconfiança, que permita encetar um processo de aprendizagem ao longo da vida, despertar a curiosidade e a vontade de saber sempre mais, iniciar-se na informática, adquirir uma maior consciência cidadã, passar a apreciar o estudo e a busca de novos conhecimentos e transmitir essa atitude aos filhos. [Alberto Melo Garcia]

Realizei um Curso EFA (12.º ano) com dupla certificação na ACIC, em Coimbra (Técnico de Informática-Sistemas), de Novembro 2008 até Janeiro de 2010, e sinto-me

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indignado. Esforcei-me imenso e sinto que fiz por merecer o meu 12.º ano. Eu mereço o meu 12.º ano. E o que vejo eu?

O constante enxovalho dos que participaram e se esforçaram. Que deram tudo de si para tornar credível o estatuto final. [José Lopes]

[…] o adulto que se propõe às NO, tem que saber ler e escrever, porque toda a base é feita pela escrita e têm que redigir um texto com um mínimo de 50 páginas e sempre para mais e nunca para menos. O adulto tem que ter pelo menos três anos de carreira profissional e ao relatar a sua história de vida têm que dar provas da sua capacidade nas diversas áreas e não é de todo ajudado, como se pressupõe, pelos formadores, é sim orientado, porque o trabalho tem que ser feito pelo adulto, que só vai a júri depois de obter os créditos mínimos para estar preparado, ou seja, validado. [Graça Mota]

A enfase na função económica da INO, presente nos objetivos da avaliação realizada ao eixo Adultos pelo Instituto Superior Técnico (IST)111, foi criticada por Alberto Melo Garcia justificando que os cursos EFA e os processos de RVCC não foram criados com o objetivo de produzir emprego ou de promoção salarial ou profissional. Esta intencionalidade atribuída à INO e enfatizada em muitos discursos e normativos foi preterida também por J. Ricardo que sublinhou a dimensão pessoal, mas desvalorizou o papel da certificação escolar no seu contributo para a aquisição de capital simbólico; o autor exemplifica o seu ponto de vista referindo os casos de Miguel Relvas e José Sócrates, cujas habilitações académicas foram por essa altura alvo de atenção dos média.

O olhar pessimista sobre a INO sustentou a ideia de “facilitismo”. Uma visão redutora dos processos de RVCC que, aliás, já havia servido para os defender enquanto processos exigentes, foi, nesta perspetiva, utilizada para enfatizar a componente formal da validação. A diversidade de vias que a INO oferecia, permitindo alcançar igualmente uma certificação escolar equivalente ao 12º ano de escolaridade viabilizando o prosseguimento de estudos, também conduziu à ideia de que umas opções seriam menos sérias do que outras. Ideologicamente, o autor deste ponto de vista, Carlos Sampaio, defendeu uma sociedade não inclusiva que discrimina em função das capacidades cognitivas. Graça Mota assumiu uma posição bastante crítica do discurso deste autor; dando

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Esta avaliação que se dividiu em dois estudos foi realizada pelo IST em resposta a uma solicitação da ANQEP e procurou avaliar o desempenho no mercado de trabalho da participação dos adultos nos processos de RVCC, nos cursos EFA e nas Formações Modulares, considerando duas dimensões: empregabilidade e remunerações (http://www.anqep.gov.pt/default.aspx?access=1, consultado em 01.06.2013)

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145 destaque ao seu caso pessoal (assistente operacional que se sentia claramente subcertificada antes de se inscrever na INO) mas, assumindo também uma perspetiva pedagógica, enuncia um conjunto de requisitos necessários à admissão à prova final num processo de RVCC que sublinham o grau de exigência dos processos de RVCC.

Um terceiro argumento que sustentou a imagem de “obtenção indiscriminada de diplomas”, como disse Gonçalo Tapadas, foram as sistemáticas comparações estatísticas de Portugal com outros países e a perceção da urgência na alteração da fraca posição de Portugal nos diversos indicadores europeus relacionados com a educação, como ilustram os seguintes excertos das cartas que analisaram a INO por este ângulo:

A maioria dos portugueses não considera a educação como factor fundamental da sua vida. (…) Talvez assim se explique o sucesso do programa Novas Oportunidades. (…) As Novas Oportunidades encontram uma forma de validar esses conhecimentos [adquiridos ao longo da vida ativa] através de um diploma reconhecido pela escola. Simples e eficaz. Não há lugar para complexas especulações académicas nem se pede um esforço particularmente grande aos candidatos. Trabalhar já eles trabalharam quanto baste ao longo da vida fora dos muros da escola [Rui Silvares].

E encontrou-se um atalho chamado “novas oportunidades” (NO) para desencalhar o pessoal. Se for análogo aos que “faziam” a 4.ª classe com 14 anos, apenas para poderem tirar a carta de condução, talvez se entenda. (…) Não sou de forma nenhuma contrário à diversificação de curricula com diferentes níveis de exigência. Acho até bastante positivo, mas desde que seja claramente assumido como alternativo e não como atalho para o “mesmo” resultado. [Carlos Sampaio].

(…) o ensino serve apenas para as estatísticas europeias. (…) Estas novas oportunidades, pelo facto de promoverem um ensino “suave” que equivalerá ao 9.º e ao 12.º anos, nem é uma forma de promoção de cultura, mas sim de obtenção indiscriminada de diplomas. [Gonçalo Tapadas]

Gonçalo Tapadas criticou a campanha publicitária da INO; no seu entender, se bem que esta tenha reforçado a crença na educação como forma de ascensão social, fê-lo, porém, de uma forma que evidenciou uma sociedade “que discrimina a sua população entre os ‘doutores’ e os outros”

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[Gonçalo Tapadas], pois, no seu entender, valoriza a fama e o dinheiro; por conseguinte, a campanha publicitária Aprender Compensa contribuiu para reforçar a desigualdade social e contrariar o ideal de sociedade socialista: “a igualdade das classes sociais”, como afirma. Quer este autor quer Manuel Ferreira, ideologicamente, defenderam a mobilidade social em função do mérito.

A questão do papel dos meios de comunicação na forma como analisa as questões educativas foi trazida a este espaço também por José Lopes que se manifestou bastante crítico pelo facto dos média darem uma imagem negativa dos cursos EFA, enxovalhando (a expressão é do autor) os que nele participaram e esforçaram-se, como foi o seu caso. Mostrando a sua indignação, o autor exorta-os a procurarem a verdade que se encontra junto daqueles que, como ele fizeram os cursos com esforço e empenho: “Tenham a coragem de questionar e de ficar surpreendidos”.

Paula Correia demonstrou simpatia pelos objetivos da INO pelo facto de esta Iniciativa pretender ultrapassar os problemas relacionados com o défice da população, mas considerou-os inalcançáveis pois, na sua opinião, não existe na sociedade portuguesa uma “cultura de responsabilidade”; neste sentido, a autora não centrou o problema na INO, mas na cultura de uma parte da população portuguesa que à partida impedia a sua eficácia. Em certa medida, na mesma linha, Rui Silvares atribuiu o problema do abandono escolar também à cultura portuguesa que, no seu entender, não valoriza a educação. Este autor encarou a validação formal das aprendizagens não formais e informais como uma ameaça à escola, senão vejamos:

Agora trata-se de reconhecer esse esforço, que é como quem diz que a escola não serve para nada mais do que passar um papelito com carimbos e assinaturas à boa maneira dos burocratas. Com um papelito desses põe-se fim à ignorância e à injustiça social que é a mania de que, para se aprender, é necessário frequentar a escola [Rui Silvares].

Em síntese, o debate em torno da INO transbordou para questões ideológicas e para a critica à ação e à estratégia do(s) governo(s) na área da educação. Foi notória a desaprovação relativamente à ação dos sucessivos governos na área da Educação, a qual se estendeu também à classe política em geral, ao ME e aos média; neste sentido, as cartas ao/à diretor/a parecem ter de facto, como já anteriormente referimos, uma função catártica funcionando como um espaço para o cidadão comum exprimir o seu descontentamento, revelando, neste processo, indícios claros de descrença na classe política e de falta de confiança nos decisores políticos.

O eixo Adultos, uma vez mais, foi a componente da INO a que foi dada maior importância; no entanto, foram abordadas todas as ofertas desta vertente.

O posicionamento dos autores perante os assuntos em debate foi, de um modo geral, claro e formalizado com bastante vivacidade; ainda assim, nem sempre os autores explicitaram os aspetos concretos a que se estavam a referir.

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147 A particularização dos assuntos, designadamente o recurso a histórias pessoais ou à experiência profissional, foi uma estratégia utilizada diversas vezes na argumentação da opinião favorável relativamente à exigência das ofertas integradas no eixo Adultos. No entanto, este aspeto parece contrariar os resultados obtidos por Ribeiro (2013) na pesquisa realizada no âmbito da investigação sobre a participação dos cidadãos nos média portugueses, na qual 90% de autores das cartas dos leitores do Jornal de Notícias, no âmbito da amostra que tomou, não remeteram para testemunhos pessoais. Uma análise mais aprofundada das motivações e constrangimentos que poderão estar subjacentes à participação dos cidadãos neste espaço das cartas, especificamente sobre assuntos relacionados com a educação, poderia, no nosso entender, revelar-se útil. Já o facto de apenas cerca de 20% das cartas analisadas (2 em 12 cartas) terem sido assinadas por leitoras, está em conformidade com o que Ribeiro (2013, p. 354) refere e constatou nessa mesma pesquisa, ou seja, são resultados que reforçam a ideia da “inclinação masculina” para colaborar em “espaços participativos”.