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Capítulo II: O Papel dos Média nos Processos de Microrregulação das Políticas

2.2 Processos de construção dos problemas públicos

2.2.2 O papel dos média numa sociedade democrática

Do ponto de vista de Cardoso G. (2009, p. 28), “devemos olhar para os media não como tecnologias isoladas mas como objectos de apropriação social que são diversificados e combinados consoante os objectivos a atingir pelo utilizador”. Ora, deste modo, tanto podem ser utilizados para revitalizar o espaço público, gerar apoio e mobilizar a opinião pública, como para conferir protagonismo ao poder político e às agendas políticas.

Os aspetos que se tem vindo a referir levam-nos a interrogar sobre o papel dos média numa sociedade democrática, particularmente dos mass media ou média tradicionais. Do ponto de vista dos defensores de uma democracia participativa os média devem representar todos os interesses significativos numa sociedade. Nesta ótica, o seu principal papel deve ser a difusão do interesse público e a criação de estruturas que facilitem a comunicação, encorajem o empowerment e promovam uma cidadania ativa (Ferree et al, 2002). No entanto, é discutível a ideia que os média são o suporte de uma democracia participativa, que proporcionam um fórum de discussão de questões de interesse público, por vezes polémicas, que dão voz à opinião pública, que vigiam o poder político contra a corrupção e os abusos do exercício do poder. Do ponto de vista dos defensores de uma democracia liberal representativa, o papel dos média é essencialmente o de incentivar o diálogo entre os que estão suficientemente informados para poderem participar e assegurar a transparência da governação, devendo, para esse efeito, expor a corrupção e a incompetência fornecendo informação confiável (Ferree et al, 2002). Contudo, como estes autores também referem, nem sempre são estes os papéis que os média desempenham, nomeadamente porque em determinados momentos servem a sua própria agenda, não reservam uma distância suficiente do poder político e distorcem ou enviesam a informação.

A luta travada pelo jornal Público, em 2001, com vista à divulgação dos rankings escolares, é um exemplo do que M. Melo (2005, p. 598) designa como os “efeitos perversos da ambivalência actual que caracteriza os media”. Na sua investigação, a autora mostrou como a imprensa escrita— jornais—, por intermédio dos seus fazedores de opinião, promoveu a reflexividade social25 sob temas do interesse geral, no caso em apreço a educação, funcionando como um “contra-poder” com capacidade para “fabricar opiniões que influenciam o curso das decisões” (Melo, M., 2005, p. 598). Mas, em contrapartida, “paradoxalmente, em nome do aprofundamento da democracia”, utilizando as palavras da autora (p. 615), a forma como o tema foi abordado, os aspetos que foram sublinhados e as relações que foram estabelecidas, privilegiaram determinados pontos de vista que favoreceram uma perspetiva neoliberal da educação, assente numa ideologia de mercado e na defesa da escola meritocrática.

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A autora usa o termo reflexividade no sentido que Giddens (1998) lhe atribui, ou seja, “ a capacidade que os actores sociais modernos possuem, através da análise da informação a que têm acesso, de reequacionarem práticas sociais e procurarem transformá-las”, não estanho apenas em causa, como afirma, “um processo de análise e reflexão” pois “implica também ação” (Melo, M., 2005, p. 603)

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Numa análise aos média dos Estados Unidos da América, Graber (2003), ainda que não deixe de sublinhar a ação assinalável dos média em tempos de crise democrática, realça algumas das críticas mais frequentes que lhes são feitas. Diz a autora que (a) a dissonância de vozes no espaço público por vezes confunde os cidadãos (não especialistas) mais do que os esclarece; (b) os critérios pelos quais as políticas são julgadas são subjetivos; (c) o número de meios de comunicação social que competem por audiências não significa necessariamente diferentes pontos de vista sobre o mesmo assunto, pois os jornalistas e editores partilham noções comuns sobre o que é notícia ou usam fontes comuns; (d) as opiniões das elites são tidas em consideração em detrimento das do restante público, particularmente das dos dissidentes; e, por fim, (e) o número de assuntos abordados é irrisório, em comparação com a quantidade de políticas que seria interessante tratar. Muitos destes aspetos referidos por esta autora são comuns aos média de outros países e foram também sublinhados por outros autores. Designadamente, a questão da homogeneização de pontos de vista que Bourdieu (1995/2005; 1998) encontrou em França quer no jornalismo de imprensa quer na televisão, a qual, na sua ótica, resulta principalmente da concorrência sob o controlo comercial existente no campo jornalístico com vista à aquisição de leitores fiéis, notícias exclusivas, nomes socialmente relevantes, e que, ao invés de conduzir à diversidade, produz uniformidade e até conservadorismo. Nesta perspetiva, tal como o autor afirma, não se trata apenas do facto dos vários média partilharem com frequência os mesmos comentadores, recorrerem às mesmas fontes ou uma consequência da facilidade com que os jornalistas se movem de um média para outro; esta uniformidade deve-se sobretudo, no seu entender, à elevada pressão competitiva que transformou a produção de notícias num empreendimento coletivo.

Mazzoleni e Schulz (1999) traduzem da seguinte forma as posições mais extremadas que surgiram nos finais do século transacto, as quais surgiram na sequência da possibilidade da “democracia em direto”, decorrente da expansão dos novos meios de comunicação social:

Traditional democratic institutions of representation will be undermined or made irrelevant by direct, instant electronic communication between voters and officials; the new media will fragment the electorate, eroding the traditional social and political bonds that have united the polity; political parties will lose their function as cultural structures mediating between the people and the government; shrewd, unprincipled politicians will find it easier than before to manipulate public opinion and build consensus by using new information technologies and resources; and the new media can facilitate the spread of populist attitudes and opinions. (p. 248)

Todavia, a posição destes autores é bem diferente deste quadro apocalíptico pois, embora Mazzoleni e Schulz admitam a validade destas críticas, a entrada dos média no processo político

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39 não pode, do seu ponto de vista, ser interpretado genericamente como sinónimo de “assalto” às instituições políticas visto que existem diferenças significativas do fenómeno a nível global. Estes autores analisam a interação entre os média e as instituições políticas através da mediatização, conceito que se abordará mais adiante.

Na realidade, segundo Castells (2005, p. 24), “as opiniões políticas e o comportamento político são formados no espaço da comunicação” e a política é largamente dependente do espaço

público da comunicação em sociedade. Ou seja, o facto de vivermos numa sociedade em rede―

“aquilo a que chamamos globalização é outra maneira de nos referirmos à sociedade em rede” (Castells, 2005, p. 18)―obriga a considerar não apenas a dimensão económica mas também a comunicacional, afirma o autor. Do ponto de vista de Cardoso G. (2009) e Castells (2005; 2008), quer as mudanças trazidas pela inovação tecnológica quer a forma como os indivíduos se apropriam socialmente desses dispositivos tecnológicos―internet, world wide web, telemóvel,

iPods, etc.,―utilizando-os também como mass media e combinando-os com os média tradicionais,

impõem a passagem de um modelo de comunicação de massa para um modelo baseado na comunicação em rede, tendo como consequência o estabelecimento de novos processos de mediação em rede.

Uma das problemáticas que tem motivado inúmeras pesquisas em áreas como a da comunicação, ciência política, sociologia e outras, prende-se com saber em que medida o público tem capacidade para influenciar a agenda política e a agenda dos meios de comunicação social. Serão, pelo contrário, os média que definem as duas outras agendas? Ao invés disso, é a agenda política que influencia as restantes? Em caso afirmativo, em que condições isso acontece?

Pese embora as pesquisas não sejam conclusivas e apontem diversos caminhos, as três componentes do processo de agenda-setting—agenda dos média, agenda pública e agenda política—, nomeadamente, a associação entre estas três agendas e o processo de agenda-building, são problemas a que, como se referiu atrás, a comunidade académica tem dado atenção nas últimas décadas. Segundo Parsons (1995), em determinadas situações, dependendo dos acontecimentos e dos contextos, os três campos ficam permeáveis a influências exteriores; quando isso acontece o processo de agendamento tanto se pode fazer num sentido como noutro, de forma intencional ou não; ou seja, tanto pode ser iniciado pelos média, pelo campo político ou pelo público. Já Uscinski (2009), por exemplo, mostra como os acontecimentos determinam a direção de influência entre as duas agendas, a agenda pública e a agenda dos média, e destaca o facto de “issues such transportation and education, which comprise few spectacular events and little public concern, will receive sparse coverage in the media” (p. 796). Por seu lado, Rönnberg et al (2012) mostram que “the way media considerations increasingly affect education policy within the intermediate space between the sphere of formal political agency and the public”.

Numa investigação anterior sobre o papel dos opinion makers em torno do “Novo Modelo de avaliação de desempenho docente” implementado em Portugal em 2007 (Natal, 2011) constatou-se

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que a agenda destes atores e a agenda política se influenciaram mutuamente, mas também se verificou que ambas as agendas foram influenciadas por acontecimentos no espaço público, designadamente manifestações, greves e outras formas de luta que foram levadas a efeito pelos professores, durante cerca de dois anos.

Por sua vez, Hamilton (2006) aborda os média na perspetiva de que a influência de fatores económicos na cobertura jornalística cria dificuldades na determinação do seu impacto nas medidas políticas. Já Figueiras (2005, p. 36) é da opinião que “o consenso estrutura-se no reconhecimento da inter-relação entre a agenda pública, a agenda dos média e a agenda política como determinantes para a permanência de um tema no espaço público”.