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Capítulo II: O Papel dos Média nos Processos de Microrregulação das Políticas

2.4 Seleção e construção das notícias

2.4.1 Do conceito de gatekeeper aos processos de gatekeeping e de newsmaking

Na origem das abordagens sobre o papel do gatekeeper no meio jornalístico encontra-se a teoria de campo, de Lewin, “ambiente complexo no qual um fenómeno ocorre” (Shoemaker & Vos, 2009/2011, p. 159), desenvolvida em 1947 e também designada perspetiva ecológica33. Lewin acreditava que o modelo teórico que idealizou poderia ser aplicado a outras áreas, em particular no que respeita à passagem da informação sobre os acontecimentos pelos diversos canais de comunicação até chegar ao público; ou seja, Lewin acreditava na existência de um conjunto de forças que agem no interior dos grupos sociais criando zonas de bloqueio para determinados itens (Shoemaker & Vos, 2009/2011; Wolf, 1985/2009). Contudo, foi White quem transportou este

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Lewin idealizou o conceito de gatekeeper como uma explicação para problemas relacionados com os hábitos alimentares.

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conceito para o campo jornalístico. Ao analisar o trabalho de um editor de jornal, a quem chamou “Mr. Gates”, cuja função era selecionar as histórias de entre as que eram enviadas pelas diferentes agências, White pretendeu saber que ponto ou pontos do fluxo de notícias, dentro dos canais organizativos dos órgãos de informação, funcionavam como cancelas ou portões. O seu olhar incidiu no papel do jornalista enquanto indivíduo que detinha o poder de decidir sobre se uma informação passaria ou se a bloqueava e impedia que chegasse ao público. “White concluiu que os valores pessoais do gatekeeper constituíam um determinante importante da seleção” (Shoemaker & Vos, 2009/2011, p. 30). Pesquisas posteriores mostraram que o gatekeeper, afinal, na seleção e filtragem da informação utiliza um conjunto de critérios relacionados, por exemplo, com normas profissionais e organizativas que se sobrepõem a critérios subjetivos e preferências pessoais (Wolf, 1985/2009).

Apesar destas primeiras pesquisas compreenderem uma conceção limitada da ideia de

gatekeeping, não deixaram, porém, de abalar os alicerces da teoria do espelho que defende a

conceção da notícia como espelho da realidade (Wolf, 1985/2009). Alguns anos depois, a atividade de gatekeeping nos média passou a ser vista como um processo complexo que ultrapassa o processo de seleção e inclui todas as formas de controlo da informação (Wolf, 1985/2009). Estudos sobre a atividade de gatekeeping, como os de White, colocam o seu enfoque no modo como as características, as atitudes e os comportamentos individuais afetam o processo de gatekeeping. No entanto, outros estudos centram a sua atenção na organização burocrática jornalística olhando principalmente para o seu interior, ou relacionam a imagem da realidade social fornecida pelos média com a produção rotineira que caracteriza o campo jornalístico. Outros, ainda, destacam a influência que as instituições sociais exercem sobre o processo de seleção e modelação das notícias; e, ainda outros, exploram a forma como os sistemas sociais, ideologias e culturas podem fornecer uma explicação para a escolha e modo como as mensagens jornalísticas são construídas (Shoemaker & Vos, 2009/2011).

Porém, o nível de análise individual que despoletou este tipo de estudos, adquiriu atualmente um novo impulso com a análise dos blogues e dos bloggers. Com efeito, a internet e, em particular a world wide web, trouxe uma nova forma de estar do cidadão perante a informação; este deixou de ser um simples consumidor de notícias para passar a assumir também o papel de gatekeeper (Shoemaker & Vos, 2009/2011).

Shoemaker e Vos (2009/2011) apresentam uma visão relativamente detalhada dos níveis de análise do processo de gatekeeping o qual “estuda os fatores que influenciam o modo como as mensagens jornalísticas vêm a ser o que são” (p. 17). No entender destes autores, nenhuma dessas perspetivas, isoladamente, permite construir uma teoria sobre o processo de gatekeeping; todavia, estes olhares parcelares interrelacionam-se e, no seu conjunto, contribuem para a constituição de um modelo da teoria do gatekeeping, tal como Shoemaker e Vos o concebem.

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59 Sublinhe-se que a teoria de campo de Lewin e a teoria de campo de Bourdieu diferem no tipo de abordagem―psicológica, no primeiro caso, e sociológica no segundo caso―mas, têm em comum o facto de ambas tratarem da relação entre níveis de análise; ou seja, ambas consideram, por exemplo, que “cada fator e cada ator no campo modela a influência de outros fatores e o comportamento de outros atores” (Shoemaker & Vos, 2009/2011, p. 167). Do ponto de vista de Bourdieu (2005), as lutas que se travam num campo, designadamente no campo político ou no campo jornalístico, têm em vista impor uma visão legitima do mundo em que é preciso acreditar e que tende a confirmar ou a alterar as relações de poder entre os agentes no próprio campo. Para Shoemaker e Vos (2009/2011) a teoria de campo fornece um suporte teórico essencial para a conceptualização do processo de gatekeeping. Com efeito, como Benson e Neveu afirmam (2005, p. 9) “the field theory is concerned with how macrostructures are linked to organizational routines and journalistic practices, and emphasizes the dynamic nature of power”, o que obriga a considerar a forma como as diversas variáveis se relacionam, em conformidade com o quadro conceptual construído por Shaun Rawolle para explicar a mediatização das políticas educativas.

Deste modo, se considerarmos, como Bourdieu (1998, p. 39), que o jornalismo “is a microcosm with its own laws, defined both by its position in the world at large and by the attractions and repulsions to which it is subject from other such microcosms”, há dois aspetos, os valores de notícia e as rotinas produtivas, que são importantes conhecer no processo de seleção e construção das notícias, pois relacionam a cultura profissional dos jornalistas com a organização do trabalho e os processos produtivos de que se ocupa a abordagem do newsmaking.