• Nenhum resultado encontrado

2 O SENTIDO DE EXPERIÊNCIA NA PRÁTICA DO DRAMA: IMERSÃO E

2.2 PARTE 2 – EXPERIÊNCIA E MEMÓRIA

2.2.1 Experiência

2.2.1.2 As noções de experiência em Walter Benjamin

O passado não reconhece o seu lugar, está sempre presente (Mário Quintana).

Ao tratar do excesso de informação e opinião nos dias atuais e sua influência no cancelamento da experiência, Larrosa (p. 21) pontua que “a informação não deixa lugar para a experiência, ela é quase o contrário da experiência, quase uma

anti-experiência”19. Nesta perspectiva, Larrosa remete a Walter Benjamin e à sua

célebre noção de pobreza de experiência publicada em 1933, em que o filósofo faz o diagnóstico do que, para ele, representa uma nova barbárie: a pobreza de experiências comunicáveis, a falta de transmissão de experiências através de histórias, provérbios, parábolas e narrativas e a consequente desvalorização do patrimônio cultural (1994a, pp. 114-5).

O discurso de Benjamin, no texto em questão, sensibilizado pelos horrores da guerra, opõe a inferioridade do homem à ostentação dos aparatos bélicos e às consequências humanas e sociais que se prolongam para além do conflito, trazendo mutilações permanentes (Meinerz, 2008, p. 32). Esse pano de fundo é criado para mostrar que as ações da experiência estão em baixa com o advento da modernidade e o desenvolvimento da técnica. Adotada tal compreensão, para o filósofo (1994a, pp. 114-5), a destruição da experiência é uma catástrofe de magnitude igual às mazelas humanas, sociais e econômicas causadas pela guerra. Benjamin escreve a partir do contexto de uma sociedade que, para ele, ainda estava marcada pelos desastres da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) – isto é, a Segunda só viria a aprofundar esse processo – e a partir de uma visão extremamente politizada e contrária ao estabelecimento da economia capitalista. Assim, ele procura causar impacto no leitor quando apresenta a pobreza de experiência como uma consequência do estabelecimento da burguesia e do surgimento da técnica.

A visão política que perpassa o referido texto (e de um modo geral toda a obra de Benjamin) pode ser evidenciada quando o filósofo faz algumas analogias entre a pobreza de experiência e características que ele considera típicas da modernidade burguesa capitalista e do indivíduo dessa sociedade. Assim, ele tece críticas à conformação do quarto burguês e à atividade de projetar prédios e casas de vidro. Segundo ele, o quarto burguês é um lugar onde não há nada para fazer, porque ali não existe um único ponto onde o seu dono tivesse deixado seus vestígios. As casas de vidro, ajustáveis e móveis são também um exemplo da falta de conteúdo: “não é por acaso que o vidro é um material tão duro e tão liso, no qual nada se fixa; é também um material frio e sóbrio; as casas de vidro não têm

19 Mais à frente, ainda nesse capítulo, essa questão da informação é problematizada em relação à

nenhuma aura”. Os espaços adaptados às necessidades do homem moderno, para Benjamin, são espaços onde não se podem deixar rastros (1994a, pp. 117-8).

A pobreza de experiência, tal como proposta pelo autor, pode ser compreendida pelo contato superficial do sujeito consigo mesmo e com o seu entorno. As coisas que o pobre de experiência possui nada irradiam, são opacas, não revelam as emoções, as relações de proximidade com o seu dono, não se pode ver o sujeito através delas. O pobre de experiências não tem propriedade sobre si, tampouco consegue apropriar-se do mundo que o cerca, ele é um sujeito despojado de suas próprias marcas e de seus vestígios. A pobreza de experiência revela a ausência de segredos e de mistérios.

Mas quais seriam as ressonâncias das palavras de Benjamin nos dias atuais? De acordo com Jeanne Marie Gagnebin (2008, p. 59), narração, história e identidade são conceitos que sofrem transformações ligadas às transformações históricas e econômicas mais amplas. Neste sentido, consideramos importante constatar esse pano de fundo que influenciou o pensamento benjaminiano para entender como se processaram essas transformações na modernidade e poder identificar os seus efeitos e desdobramentos na contemporaneidade. Em conformidade com Gagnebin, modernidade e contemporaneidade caracterizam-se por uma dificuldade crescente de narrar e de lembrar, o que faz surgir novas formas de memória e de narrativa.

Estas considerações fazem surgir o seguinte questionamento: Qual seria o papel do artista e educador em possibilitar experiências no âmbito do ensino do teatro?

O pensamento benjaminiano sobre experiência apresenta profundas relações com a questão da memória. A experiência pode ser vista como um elo que nos vincula ao passado, e que não deveria ser rompido. Não um passado no sentido museológico, saudosista, mas no sentido existencial, que faz vir à tona a essência do sujeito. Este vínculo revelaria os rastros de outrora, imagens e acontecimentos que podem proporcionar sentido e significado para as coisas que nos cercam. Em nosso passado estão as histórias que nos constituem, as marcas que nos formam e que revelam nossas emoções e afetos20.

20 Abbagnano (2007, pp. 20, 363, 375) apresenta-nos melhor as especificidades deste termo.

Segundo ele, emoção é qualquer estado, movimento ou condição que provoque no homem a percepção do valor (alcance ou importância) que determinada situação tem para sua vida, suas necessidades e interesses. A emoção como afeição da alma pode ser acompanhada pelo prazer e pela dor, logo pode apresentar-se de forma agradável ou desagradável e, assim, acompanhar

Sobre a peculiaridade desta relação de confluência entre agora e outrora, o filósofo ressalta que “não se trata de tentar alcançar uma lembrança exata de um momento do passado, como se ele fosse uma substância imutável, mas de estar atento às ressonâncias que se produzem entre passado e presente, entre presente e passado” (Gagnebin, 2008, p. 66).

Aqui, é possível destacar outro ponto de interesse desta pesquisa, a questão da memória e a sua ressonância no processo da experiência. O estudo da percepção e da memória a partir de Henri Bergson (2010), como será visto adiante, mostra que o presente é construído a partir do passado em um fenômeno em que a percepção e a memória estão interligadas e complementam-se mutuamente. Para o autor, as informações do nosso passado são acionadas no momento da percepção que, por mais breve que seja, exige um trabalho da memória. As percepções que temos das coisas estão impregnadas de memórias, e estas, por sua vez, não se fazem presentes a não ser tomando o corpo de uma percepção na qual se inserem (p. 70). Essa confluência de dados do passado para o presente não acontece ao acaso. As informações da memória que sobrecarregam a percepção possuem alguma analogia com aquilo que é percebido, o que manifesta nosso conhecimento das coisas. O processo percepção-memória, nestes termos, pode ser visto como o resultado da estimulação de dados passados por situações de nosso presente. Do passado ressoam vestígios que nos permitem interpretar o presente e que também influenciam nossas ações no tempo presente. Deste trânsito de informações entre os tempos, emergem as marcas que nos constituem. Neste sentido, conforme Bergson (p. 71), as percepções podem ser consideradas como alucinações verdadeiras, como estados do sujeito projetados para fora dele.

Seria na ruptura deste vínculo com o passado que, em Bergson, é estabelecido pelo fenômeno percepção-memória, que Benjamin vislumbra a pobreza de experiência? O sentido da experiência, nesta perspectiva, desdobrado para as práticas artísticas e pedagógicas seria o de promover este vínculo? Favorecer o restabelecimento desses rastros e vestígios?

situações de amor ou ódio, esperança ou temor, satisfação ou insatisfação, coragem, esforço, fadiga, etc. As teorias científicas e filosóficas contemporâneas partem da convicção de que não é possível compreender a existência do homem sem considerar sua experiência emocional. Já o termo afeto é relativo às emoções positivas que se referem a pessoas. Enquanto as emoções podem referir-se tanto a pessoas quanto a coisas, fatos ou situações, os afetos constituem a classe restrita de emoções que acompanham algumas relações interpessoais. Neste sentido, o termo afeto, por essas restrições, será substituído por afecto, que é relativo a afecções e, que, está em consonância com a teoria sobre a memória, levantada ainda neste capítulo.

Benjamin aponta a percepção do homem moderno marcada pela vivência urbana, pela padronização gestual, pelo consciente assoberbado e pelo desestímulo à atuação de regiões profundas e sensíveis da psique como a causa do empobrecimento da experiência e da linguagem. Sob esta ótica, a razão operacional sobrepõe-se ao sujeito, que passa a calcular e a catalogar todos os acontecimentos, numa tentativa de racionalizar a sua vida, mostrando-se inapto para as ações da experiência (Desgranges, 2008, p. 16).

No pensamento benjaminiano, o passado em devir traz consigo os vestígios da história de cada sujeito, proporcionando-lhe propriedade para construir e viver o presente. A vivência cada vez mais acelerada impede esse processo de entrelaçamento entre passado e presente, dificultando o acesso a conteúdos essencialmente necessários à elaboração da experiência. O filósofo, segundo Desgranges (2008, p. 16), fala da memória involuntária21 quando se refere a estes conteúdos esquecidos: o retorno do esquecido possibilita que restos da história pessoal venham à tona prontos para serem elaborados; estes conteúdos são, portanto, fundamentais para a elaboração da experiência.

Os restos da história pessoal, ou as emoções do sujeito, podem ser observados também como elementos estruturantes da identidade. Na perspectiva da experiência, identidade não pode ser qualificada como uma entidade ou categoria estabelecida. Se ela é reelaborada por sofrer a influência da memória, pode ser vista como constituída e reconstituída por esses rastros e vestígios. Assim, é possível afirmar que emoções e identidades estão em processo contínuo de reestruturação e transformação.

***

Outro texto de Benjamin que contribui para a investigação teórica acerca da experiência é O Narrador (1994b). O estudo deste texto nos encaminhará para uma reflexão acerca das aproximações entre a narrativa tal como proposta pelo filósofo e o drama.

No ensaio em questão, publicado em 1936, Benjamin coloca-nos que as ações da experiência estão ligadas à sua transmissão e ao seu intercâmbio, o que é possível com a arte de narrar. A decadência da arte da narração, para o filósofo, é um sintoma da pobreza de experiência. Na narração, está implícita uma espécie de

21 A distinção entre memória voluntária e memória involuntária será detalhadamente abordada mais

sabedoria, não exatamente a sabedoria dos livros, mas uma sabedoria prática que pode tomar a forma de uma moral, de uma advertência ou de um conselho. Esta sabedoria que, para ele, é o lado épico da verdade, é tecida na substância viva da existência (pp. 200-1). Narrar, neste sentido, não indica apenas o fato de contar uma história, mas também transmitir considerações pessoais sobre a mesma.

A narração, conforme assinala Benjamin, possui um princípio de continuidade que estabelece uma relação de proximidade entre aquele que narra e aquele que ouve, permitindo àquele que ouve fazer uma sugestão sobre a continuação da história que está sendo narrada. A narração, nestes termos, está ligada à possibilidade de dar continuidade aos acontecimentos.

Esse princípio de continuidade, essa possibilidade de sugestão, de contribuição para o desenvolvimento de uma história aproxima-se de uma característica fundamental do processo de construção da narrativa teatral pela perspectiva do drama22. A dinâmica processual de criação da narrativa inclui a incorporação de ideias e proposições advindas dos participantes. Os integrantes do grupo são levados a expressar-se dentro de enquadramentos ficcionais, desempenhando papéis. Os acontecimentos focalizados não são próprios da vida de cada participante, mas é a partir dela que eles colocam-se diante do desconhecido, a partir de suas próprias memórias, experiências e pontos de vista.

A ressonância do contexto real no contexto ficcional leva-nos a pensar nesse princípio de sabedoria defendido por Benjamin. Quando envolvido com a situação dramática focalizada, o sujeito age em resposta às propostas do professor e a partir dos materiais introduzidos por ele para a construção ou desenvolvimento de uma história. Assim, o sujeito, indiretamente (através do papel que desempenha) transmite as suas considerações sobre essa história e faz sugestões sobre a continuação dessa história que está sendo narrada. Através da narrativa, o sujeito pode traduzir-se em experiência, em sua sabedoria.

Segundo Benjamin (p. 201), o narrador retira da experiência o que ele conta: a sua própria experiência ou a relatada pelos outros, e incorpora as coisas narradas à experiência dos seus ouvintes. Deste modo, ao fazer considerações sobre uma determinada história, o sujeito apropria-se da história dos outros a partir de sua própria história, recorrendo aos rastros de seu passado, reelaborando-os na

22 Narrativa teatral é uma forma de referência à sequência de episódios, à narrativa cênica decorrente

perspectiva do presente, no sentido de pensar e transformar o presente. A interação com a história do outro proporciona novas percepções sobre a própria história.

Em O Narrador, Benjamin (pp. 202-3) também enfoca o tema da experiência em contraponto à informação. A questão da informação, tal como abordada pelo filósofo, está ligada ao aprimoramento dos meios de produção na modernidade, em que a narrativa tradicional foi substituída pelo romance psicológico e pela informação jornalística e publicitária. A narrativa fundamentada na tradição oral perdeu espaço para a informação sobre acontecimentos próximos. Enquanto que o saber da narrativa dispunha de uma autoridade e propriedade, a informação requer uma verificação imediata e precisa ser compreensível “em si e para si”, nas palavras do filósofo.

A informação tem como características fundamentais ser compreensível e plausível para que possa ser difundida e, deste modo, os fatos já chegam acompanhados de explicações. Entre o ato de passar e receber a informação, não existe uma fenda para que outras explicações sejam dadas, para que outras interpretações possam surgir. Com a narrativa ocorre o contrário. O episódio narrado atinge uma amplitude que não existe no episódio informado:

A informação só tem valor no momento em que é nova. Ela só vive neste momento, precisa entregar-se inteiramente a ele e sem perda de tempo tem que se explicar nele. Muito diferente é a narrativa, ela não se entrega, ela conserva suas forças e depois de muito tempo ainda é capaz de se desenvolver (Benjamin, 1994b, p. 204).

Ao abster-se de explicações, a narrativa cria um espaço para a alteridade, para que outras experiências possam ser inseridas, permite contextualizações, além de propiciar o acesso do ouvinte à experiência em curso. Um dos aspectos cruciais levantados pelos escritos de Benjamin, neste texto, e que nos possibilita atualizar suas ideias para o contexto do drama, repousa sobre a questão da alteridade, do espaço para o outro na narrativa dramática.

O espaço para o outro, faz com que a informação seja introduzida, pelo professor no contexto ficcional, de uma maneira que se aproxima da narração tal como pensada por Benjamin. O contexto ficcional se estabelece dentro de uma temática específica, as informações e os materiais introduzidos pelo professor relativos ao contexto são imprescindíveis para que os alunos possam trabalhar dentro daquele contexto e suas situações. O acesso a informações é um dos fatores que promove a imersão do aluno na atividade e, consequentemente, a sua

contribuição para a manutenção e o desenvolvimento do drama. Nesse processo, está em jogo a intervenção do professor e a contribuição do aluno.

Em “O Balcão”23, por exemplo, quando Madame Irma e seu assistente Gérard

tratam os alunos como clientes da Casa de Ilusões, eles falam sobre os serviços prestados pela casa, dentre eles, a possibilidade de realização de fantasias secretas de sexo e poder. As informações e os materiais focalizam essa situação dramática específica. As fantasias a serem realizadas serão descobertas por cada cliente, a partir dos materiais introduzidos: imagens visuais e fragmentos de texto extraídos do texto original que serviu como pré-texto.

As informações são levadas pelo professor de modo a serem interpretadas, cruzadas com os materiais introduzidos e, desta maneira, complementada pelos alunos. A informação contribui para o envolvimento do aluno com o processo, condição fundamental para as possibilidades de experiência. Os materiais são apropriados e ressignificados a partir das informações do contexto. Neste sentido, informações e materiais são introduzidos como signos a serem decodificados.

A experiência possui um caráter simbólico e criativo. Os símbolos e as imagens poéticas que revelam as particularidades do sujeito, na narrativa benjaminiana, são traduzidos em palavras pelo narrador. Na esfera da narrativa cênica do drama, essa tradução ocorre em palavras e também em gestos e ações. A interlocução simbólica característica da narrativa faz o momento da transmissão da experiência diferente do momento da transmissão da informação. A experiência requer um tempo para que algo seja experimentado, provado; requer um gesto de interrupção: “[...] parar para pensar, parar para olhar, para escutar, pensar mais devagar, parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, o juízo, a vontade e o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza” (Larrosa, 2002, p. 26).

Ainda no texto O Narrador, Benjamin (pp. 210-1) faz considerações mais específicas acerca da memória e das suas relações com a experiência, contrapondo o romance psicológico24 e a narrativa em paralelo à informação e à experiência

23 Esse foi um dos processos de drama realizados nesta pesquisa, será descrito no quarto capítulo.

24 O romance psicológico foi bastante difundido no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Seu surgimento, atribuído a Choderlos Laclos com o livro As Relações Perigosas (Les Liaisons Dangereuses) de 1782, ocorre sob a influência dos estudos da psicologia. O centro do universo semântico do romance psicológico é o funcionamento da mente humana. De acordo com Pinto (2009, p. 353), as composições elaboradas representam a maneira como se processa o fluir da consciência da personagem. Desta forma, os relatos são construídos predominantemente em

respectivamente25. O filósofo sugere que, enquanto a narrativa opera a partir da

memória, o romance psicológico trabalha com a rememoração e, neste contexto, o romance está para a informação, assim como a narrativa está para a experiência. O romance, que imprescindivelmente está ligado ao livro, seria um veículo de informações prontas; e se alguém dispuser-se a passar estas informações, estes dados à frente, ele o faz através de sua rememoração e suas consecutivas explicações. Com a narrativa, que está associada a outros tipos de prosa (contos, fábulas, sagas e lendas), o processo seria outro. Na narrativa, existe um espaço para contextualizações, para a inserção de outras experiências, de outras memórias, pois caracteriza-se como um processo coletivo de troca entre sujeitos. Ora, se a informação constitui-se de dados que são repassados, a experiência corresponde a um tipo de sabedoria, a uma particularidade de apropriação de determinados conteúdos, a partir de memórias que são reelaboradas em devir. A experiência exige troca entre sujeitos, é o resultado de uma troca, ao passo que o romance repleto de conotações psicologizantes, seja do leitor ou do escritor, é o efeito de um indivíduo isolado, conforme destaca o autor.

Neste enquadramento, onde os duplos romance-informação, narrativa- experiência são contrapostos, Benjamin reitera o potencial da narrativa em possibilitar experiências – pelo seu princípio de contato direto com o outro – e para a memória como um elemento fundamental para a sua elaboração. É desta maneira que ele aponta o desaparecimento da narrativa e da interlocução de experiências dentro da vivência moderna cada vez mais individualizada e focada na independência individual.

No entanto, Benjamin, além de diagnosticar uma crise estética e reconhecer o depauperamento da experiência, saúda o surgimento de novas formas de narrativas.

primeira pessoa, característica através da qual se desnuda o eu do sujeito ficcional que extravasa suas sensações que repercutem em sua consciência à deriva de marcações temporais.

25 Para tal, Benjamin retorna à poesia épica e à Mnemosyne, a deusa da reminiscência, a musa da

poesia épica para os gregos. Segundo ele, a antiga forma da epopeia continha o embrião para o desenvolvimento da narrativa e do romance. Mynemosine, a deusa da reminiscência, é assim a unidade de origem comum para as duas formas distintas, narrativa e romance. Isto pode ser observado nas invocações solenes das musas que abrem os poemas homéricos: se prenuncia nestas passagens a memória perturbadora do romancista, consagrada a um herói, uma peregrinação, um combate; em contraste com a breve memória do narrador, relacionada a muitos fatos difusos. Tanto a narrativa como o romance, enquanto relatos de acontecimentos do passado resultam da