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2 O SENTIDO DE EXPERIÊNCIA NA PRÁTICA DO DRAMA: IMERSÃO E

2.2 PARTE 2 – EXPERIÊNCIA E MEMÓRIA

2.2.1 Experiência

2.2.1.1 Por uma pedagogia do sensível

Para definir experiência, Jorge Larrosa Bondía (2002), no texto Notas sobre a

experiência e o saber de experiência, faz um jogo com palavras de várias línguas

chamando atenção para a potência das palavras, procurando valorizar o significado e o sentido que elas possuem e podem evocar:

Poderíamos dizer, de início, que a experiência é, em espanhol, ’o que nos passa’. Em português se diria que a experiência é ’o que nos acontece’; em francês a experiência seria ’ce que nous arrive’; em italiano, ’quello che nos succede’ ou ’quello che nos accade’; em inglês, ’that what is happening to us’; em alemão, ’was mir passiert’” (Larrosa, 2002, p. 21).

O autor ressalta que a experiência é aquilo que nos passa, nos acontece, o que nos toca, mas não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca; pois, a cada dia, embora se passem tantas coisas, quase nada nos acontece. Esta ideia de ser tocado por algo parece-nos importante para pensar a experiência e associá-la ao caráter artístico-pedagógico do drama. Esta ideia revela um envolvimento mais íntimo com os acontecimentos, com as coisas, um envolvimento que está associado às particularidades de cada sujeito. Por esta linha de reflexão, a prática do drama, na medida em que proporciona a imersão do participante no ambiente de ficção, pode constituir-se como um espaço de troca de experiências, pela expressão das

subjetividades dos integrantes do grupo de trabalho no momento em que eles estão envolvidos com a atividade, sustentando papéis e a situação ficcional em foco.

Larrosa (p. 20), no estudo referido, propõe pensar a educação através da perspectiva experiência/sentido. O autor faz esta sugestão ao considerar que, nas últimas décadas, o campo pedagógico está polarizado pelos partidários da educação como ciência aplicada e os partidários da educação como práxis política. Esta separação entre técnicos e críticos deve-se à maneira de pensar a educação do ponto de vista da ciência e da técnica ou do ponto de vista da relação entre teoria e prática, respectivamente. Se o primeiro grupo é formado por trabalhadores da educação caracterizados como técnicos que aplicam diversas tecnologias pedagógicas produzidas por cientistas ou especialistas, o segundo grupo é formado por trabalhadores da educação caracterizados como críticos, que munidos de estratégias reflexivas comprometem-se com práticas educativas concebidas, na maioria das vezes, sob uma perspectiva política.

A proposta de discutir a educação na esfera da experiência encaminha-nos para uma noção de pedagogia que valoriza a relação sensível do sujeito com o mundo que o cerca. Uma pedagogia do sensível estaria interessada nas particularidades do sujeito, o que tem a ver com o modo como nos colocamos diante de nós mesmos, diante dos outros e diante do mundo que nos envolve, tem a ver com o sentido que damos para as coisas.

No campo do teatro, o processo pedagógico não está explícito como no campo da educação geral, mas as formas artísticas possuem conhecimentos incorporados que podem influenciar o comportamento das pessoas e suas expectativas (Cabral 2012b, pp. 37-8). Nesta perspectiva, as práticas pedagógicas artísticas, ao consistir de processos de investigação, podem proporcionar ao educando a oportunidade de experimentar e reconceituar relações, entre ele mesmo e o seu entorno e entre ele e os outros. Neste sentido, educação significa formação e também transformação, pois além de ensinar o aluno a ler o mundo e interpretá-lo, também traceja condições para modificá-lo.

A discussão da educação pela perspectiva da experiência é introduzida por Larrosa (p. 21) paralelamente à constatação de que as possibilidades de experiência são tolhidas em uma sociedade que vive sob o signo da informação. Desta forma, ele sugere a busca de pedagogias que pensem o sujeito para além de sua

capacidade produtiva. Isso implica outras formas de perceber, de sentir, pensar e refletir.

O excesso de informação e opinião, segundo o autor, perpassa a nossa própria ideia de aprendizagem, podendo colocar-se como um dos princípios que regem nossas práticas educativas. Assim sendo, o excesso de informação e opinião está associado às perspectivas educacionais comuns aos pedagogos técnicos e críticos. Tomamos a liberdade de citá-lo longamente:

Desde pequenos até a universidade, ao largo de toda nossa travessia pelos aparatos educacionais, estamos submetidos a um dispositivo que funciona da seguinte maneira: primeiro é preciso informar-se e, depois, há de opinar, há que dar uma opinião obviamente própria, crítica e pessoal sobre o que quer que seja. A opinião seria como a dimensão ’significativa’ da assim chamada ’aprendizagem significativa’. A informação seria o objetivo, a opinião seria o subjetivo, ela seria nossa reação subjetiva ao objetivo. Além disso, como reação subjetiva, é uma reação que se tornou para nós, automática, quase reflexa: informados sobre qualquer coisa, nós opinamos. Esse ’opinar’ se reduz, na maioria das ocasiões, em estar a favor ou contra. Com isso, nos convertemos em sujeitos competentes para responder como Deus manda às perguntas dos professores que, cada vez mais, se assemelham a comprovações de informações e a pesquisas de opinião. Diga-me o que você sabe, diga-me com que informação conta e exponha, em continuação, a sua opinião: esse o dispositivo periodístico do saber e da aprendizagem, o dispositivo que torna impossível a experiência (Larrosa, 2002, p. 22-3).

O que a sociedade da informação e da opinião fez do processo pedagógico? Um mero palavrório! Informação e opinião estão direcionadas a um tipo de saber que é diferente do saber de experiência. Esse saber de coisas é um saber que não indica sabedoria, é um saber que faz uso da palavra, pode-se dizer que de forma até arrogante: para manter o sujeito informado e, em decorrência, dar opinião.

No entanto, adverte Larrosa, o verdadeiro sentido das palavras é outro, é justamente dar sentido. Para este educador (p. 21), o homem é um vivente com palavra, o que não significa que ele tenha a palavra como ferramenta, mas que ele é palavra, que ele tem a ver com a palavra, está tecido em palavras, dá-se na palavra e como palavra.

a palavra palavra neste sentido

é mais do que palavra

...reflete uma qualidade existencial, e o saber de experiência é um saber desta qualidade existencial das palavras, é um saber que envolve aspectos

cognitivos, emocionais e afetivos. O processo pedagógico configura-se como experiência na medida em que gera este saber, que se dá pela via do sensível. É deste modo que o processo pedagógico pode implicar em novas formas de ver, de perceber, de pensar e refletir.

Um processo pedagógico teatral, ao estabelecer-se a partir da criação de uma realidade cênica, possui o potencial de transportar o aluno para outra dimensão diferente da habitual. O envolvimento do aluno, quando ocorre de forma significativa com o processo e com esta outra dimensão, permite-lhe romper com uma visão pré- determinada e estabelecida da realidade, o que faz com que ele passe a ver o mundo e a si próprio através de um novo olhar.

O fazer teatral compreendido como experiência diferencia-se da experiência prática ao levar a consciência do aluno a um estado de percepção aguçada. Ao ser tocado pelo fazer, a consciência não mais apreende esse momento segundo as regras da realidade cotidiana, mas se torna aberta a um relacionamento sem a mediação de sistemas conceituais.

Nessas condições, o aluno não mais está diante de conceitos e ideias fechadas e acabadas a respeito do mundo, mas diante de uma realidade cênica que possui uma organização formal. Essa outra realidade, ao ser percebida direta e sensivelmente, torna-se um momento prenhe de sentido que cria novas condições para o uso da palavra. É também um momento em que o mundo pode ser visto através de novas perspectivas.