• Nenhum resultado encontrado

4 RELATOS DAS EXPERIÊNCIAS

4.1 IMAGENS VISUAIS COMO MATERIAL DE CRIAÇÃO

4.3.2 Primeiro Episódio: A Revolução e a Casa de Ilusões

A sessão de drama foi iniciada após a recepção dos alunos e a realização dos exercícios preparatórios de praxe: alongamento, aquecimento corporal e vocal, exercícios de estimulação da percepção e de entrosamento do grupo.

Por um instante deixamos a sala, assumindo o papel de Gérard, assistente de Madame Irma e retornamos introduzindo o contexto da revolução através de um texto que foi elaborado a partir de fragmentos do texto original: “A cidade está em

sangue, os revoltosos já atravessaram o rio. Insetos enormes montados sobre seus tentáculos vigiam. Gritos de dor, tiros e crepitar de metralhadoras são ouvidos por toda parte. Todos têm fome e medo, todos pedem ajuda, não há como ajudar. Todos estão desprotegidos. Indivíduos são liquidados nos tumultos, os cemitérios estão cheios, mortos aguardam seu sepultamento.” (figura 5)

Em seguida, o espaço e o contexto da Casa de Ilusões foram instaurados pela atuação de Madame Irma (Beatriz Cabral), que surgiu dando as boas vindas aos clientes de seu bordel. Com um texto improvisado, ela desculpou-se pelo atraso, dizendo que foi interceptada na rua pelos revoltosos. Revelou estar bastante chateada de não poder acompanhar os trabalhos daquela noite no Balcão, por uma extrema necessidade de sair para resolver problemas importantíssimos, que infelizmente não poderia revelar (figura 6).

Após a saída de Madame Irma, no papel de seu assistente, colocamos uma música de cabaré, trocamos a luz geral por uma luz cênica e encaminhamos o trabalho com as imagens visuais: “Se lá fora uma revolução os aflige, aqui dentro a nossa realidade são os espelhos, as ordens e as paixões de nossos clientes. Aqui

todas as coisas devem permanecer e permanecerão secretas: desejos, conspirações, seja lá o que for... O Balcão é um lugar onde cada um de vocês pode ser o que quiser, é um lugar de fantasias e transformações, de realização de desejos... No entanto, creio que se faz necessário que nos preparemos para a eventualidade de a revolução chegar até nós. E podemos nos preparar da forma mais requintada possível, e dentro do espírito da casa. Vamos assumir corporalmente ações e posturas que indicam nossos caminhos e opções. Através destas imagens vamos inscrever nossas vontades e a revolução em nossos corpos”.

Os clientes do Balcão começaram a observar as imagens. Com essa intervenção no papel de Gérard, introduzimos a tarefa de exploração das imagens visuais ao contexto ficcional. Instruções mais detalhadas a respeito do trabalho com as imagens, bem como sua orientação foi feito em seguida48.

O uso das imagens como material de criação e como pré-texto gerou as seguintes observações dos alunos49:

A exposição do contexto através da personagem direcionou todo o meu olhar no decorrer desse dia de experimentação com as imagens, e ainda que não conscientemente, afetou o desenvolvimento de minha partitura corporal, inserindo-a mais perto do contexto trabalhado (Heymmans, 2011).

Diferente do outro processo de sua pesquisa que participei na UFSC, onde tinhamos várias imagens aleatórias e estávamos mais livres, não tinhamos um “direcionamento” com relação ao que iríamos fazer (Rezende, 2011).

Achei que a introdução, que nos contextualizou em uma revolução, foi significante para todo o resto do processo, pois para mim ao menos, foi nesse clima de revolução que aconteceu toda a minha criação desde o começo até o fim (Yokomizo, 2011).

As imagens trouxeram um contexto e um ambiente à sala de aula que foi mantido até o final do processo (Schmid, 2011).

Tive contato com esta proposta das imagens em outro processo de drama, em outra ocasião. Porém na época, as imagens me pareciam não seguir uma estética linear ou pelo menos temáticas mais lineares ou que tivessem maior possibilidade de leitura e desenvolvimento – como se houvesse nesse processo de agora mais substância e menos diversidade (Martins, 2011).

Me chamou atenção a qualidade e a escolha das imagens, que remetiam (pelo menos esta foi a impressão final que tive) a um mundo onírico e revolucionário, sendo elas detonadores potentes

48 As instruções relativas à observação das imagens, sua materialização corporal e busca de ações

foram realizadas fora do papel. Neste momento de descrição e análise do processo, percebo que este trabalho de instrução e orientação poderia ter sido feito como assistente de Irma. Considero este um ponto delicado do processo de drama, quando o professor desempenha os papéis ficcionais e também precisa trabalhar como professor fazendo instruções, anotações, etc. O papel assumido pelo professor deve possibilitar que ele também exerça suas funções de professor, e neste sentido, as anotações e instruções podem ser feitas in-role.

49 Essas informações foram retiradas dos protocolos das aulas, que constam no Anexo B. Nos

protocolos solicitei que os alunos comentassem aspectos que mais lhe chamaram atenção no processo. Pedi para que comentassem também o trabalho realizado com as imagens.

para o trabalho criativo, devido a grande quantidade de diálogos possíveis (Brandão, 2011).

As imagens utilizadas nesse processo, diferente do processo da Igrejinha, são imagens que têm mais “história” dentro delas. Pelo menos me contaram mais coisas, eram mais profundas e isso se deu talvez pela ambientação criada e a conexão estabelecida com o contexto (Leite, 2011).

Após o trabalho com as imagens, cada aluno-ator apresentou seu repertório de ações. Em seguida, distribuímos fragmentos de texto50 para que fossem relacionados e apropriados junto às ações do repertório51. Esses fragmentos textuais referenciavam a revolução.

Na sequência do jogo entre texto e ação propusemos outro jogo entre ação, texto e luz.

No escuro os alunos-atores caminham pelo espaço. Acende-se a luz e a caminhada é interrompida, momento para uma ação e um texto: “os tiras de aço controlam todos os meus gestos”. Novamente o escuro e a caminhada. Outro

momento de luz, outra ação e outro texto: “o diabo atua, é aí que o reconhecemos, é o grande ator”. Escuro, caminhada; luz, ação, texto: “a morte é atenciosa”. A luz se

mantém, a ação e o texto são repetidos, duas, três vezes: “é preciso continuar matando” “é preciso continuar matando” “é preciso continuar matando”. Os

momentos de luz se tornam cada vez mais longos, as ações são repetidas mais e mais vezes, ganhando cada vez mais intensidade, os textos são falados em um tom cada vez mais alto: “contenho-me para não dar coices nem relinchar”; “a minha voz rouca dou ou empresto a serviço do ódio”; “as coisas prendem sua respiração, a guerra foi declarada”; “os estilhaços de granada lanham os limões, enfim a morte age”.

Criou-se um caos e uma cena coletiva que representava a revolução. A luz caiu lentamente. Encerramos o primeiro episódio no papel de Gérard: “na vida somos suportes de uma ostentação que devemos arrastar pela lama do real e do cotidiano” 52.

A proposta com o jogo entre contexto, texto e repertório de ações foi de levar os alunos a experimentar uma circunstância-chave do contexto ficcional; uma

50 Todos os fragmentos de texto utilizados neste processo constam no Anexo A.

51 A proposta de interação do texto com as ações neste processo segue as mesmas ideias já

descritas no processo “Nós e Eles”.

52

revolução que acontece em uma esfera político-social, mas que pode reverberar e trazer à tona subversões de ordem pessoal.