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3 OS ELEMENTOS ESTRUTURAIS DO DRAMA: CONTEXTO DE FICÇÃO,

3.3 O ESTÍMULO COMPOSTO

Enquanto um recurso mediador da ficção, o estímulo composto possui o potencial de envolver o participante com o contexto dramático e com a narrativa a ser construída, incentivando a fazer investigações paralelas, esboçando hipóteses e ideias. John Somers, o criador do recurso, associa-o a um foguete que conduz à nave principal que está em outra órbita, e que seria a história, seus personagens e o mundo em que vivem. Para ele (2010, p. 178), o estímulo constitui um reforço inicial para a criação da história e, uma vez que esta tenha sido iniciada, ele passa a funcionar como uma referência contínua no processo de criação. Através destas primeiras considerações, fica evidente que a relevância do estímulo está ligada à sua associação com a história em desenvolvimento.

O estímulo composto consiste de um conjunto de diversos artefatos que são disponibilizados em um recipiente apropriado, que pode ser uma caixa, uma bolsa, um envelope ou uma maleta. Os artefatos podem ser objetos de uso pessoal, fotografias, cartas e outros documentos, imagens, ferramentas, itens de vestuário, fragmentos de texto etc. A variedade do conjunto permite que diferentes histórias possam emergir através da significância atribuída aos objetos. O conjunto também possibilita a criação de conexões e especulações a serem articuladas com a narrativa. Deste modo, o uso deste recurso contribui com a construção da história, gerando expectativas e estimulando habilidades dramatúrgicas.

A significância do material é dada pela justaposição de seu conteúdo – o relacionamento entre eles – e pela maneira como detalhes dos objetos sugerem motivação e ação humana. Um dos princípios para a utilização do estímulo é que os objetos possuam uma aparente autenticidade, gerando expectativas por parte do grupo em assimilá-los e apreendê-los dentro do contexto criado. Assim sendo, documentos envelhecidos, textos escritos com diferentes caligrafias, peças antigas e objetos aparentemente usados são importantes. Segundo Somers (p. 178), “todos os objetos inanimados designados para uso pessoal estão impregnados de seus donos. Uma ferramenta pode sugerir o trabalho e o trabalhador; um item de vestuário seu usuário e seu comportamento; uma carta, o motivo de sua escrita e um relacionamento”.

O segredo da criação do estímulo está ligado a estes cuidados quanto à aparência dos objetos e às possibilidades de cruzamento entre eles. O coordenador

do processo, na função de dramaturg, prepara o estímulo criando vínculos entre os objetos e a estrutura da narrativa, vínculos que serão explorados pelo grupo: “os elementos da história que cada artefato representa devem, quando justapostos, criar uma rede de relacionamentos que nem sejam rapidamente compreendidos para evitar que a história torne-se imediatamente óbvia, nem tão distantes um do outro para que as possibilidades narrativas possam emergir” (Somers, 2010, p. 179). Assim compreendido, o estímulo favorece a imersão, envolvendo o atuante com o contexto e com a narrativa, incentivando a fazer investigações paralelas, permitindo distintas interpretações.

O estímulo composto solicita a imaginação no cruzamento de seus materiais com fatos da narrativa. As associações produzidas e a atribuição de significados geram dados que contribuem para o texto em processo. De acordo com Somers (p. 179), como em todo o trabalho de drama, o espírito lúdico é requerido, a vontade de entrar no jogo: “a regras são de especulação, hipótese e postulação através do jogo, para que seja reconhecida que a autenticidade, quando alcançada, foi criada para esta história, e não é real”.

3.3.1 As formas de uso do estímulo composto

Em conformidade com Somers, o trabalho com o estímulo funciona melhor em pequenos grupos. O processo de uso, para ele, assemelha-se a um processo de pesquisa e, desta forma, desenvolve-se em fases (Freitas, 2012, p. 65):

Fase um: imaginação e associação: onde a especulação e as hipóteses ocorrem;

Fase dois: exploração: onde o trabalho de campo é conduzido através de um relacionamento dinâmico entre as hipóteses e o trabalho empírico; as especulações da fase um, aqui, podem ser modificadas pelo que vai sendo descoberto;

Fase três: seleção e formalização: onde os dados são analisados e ordenados e o significado é construído;

Fase quatro: comunicação: quando os resultados da pesquisa são trocados com a comunidade de pesquisa, ou seja, o restante do grupo.

A fase um ativa o imaginário do grupo gerando histórias paralelas que são associadas com a narrativa em processo. Nesta etapa, algumas questões, como

quem são estas pessoas? e o que está acontecendo com elas?, podem ser

lançadas ao grupo com vistas a fomentar a discussão e a especulação. A fase dois é caracterizada pelo uso da improvisação na exploração das situações sugeridas pela história. A tensão dramática, nesta etapa, é importante para produzir energia para as investigações. As improvisações, por um lado, trazem esclarecimentos – a história ganha coerência – por outro lado, complicam, pois emergem maiores questões e dilemas que exigem outras investigações. Na fase três, de seleção e formalização, o grupo filtra todas as informações descobertas na etapa anterior, selecionando o que tem coerência e valor para a história e seus personagens. A formalização destas descobertas indica o saber que o grupo adquiriu através da pesquisa. Esta subetapa de dar forma aos achados, se realizada de forma criativa, tanto melhor. Como exemplo, o grupo, ao descobrir algo sobre um relacionamento através da improvisação naturalista, decide formatá-la de forma estilizada. Através da seleção e da formatação, o grupo apreende a significância da história que seus integrantes criaram e habitaram. Na fase quatro, os resultados da pesquisa são comunicados para o grande grupo. A finalidade é oferecer a história ordenada e formatada. O essencial é que o material comunicado tenha forma e força dramática e, para tal, os grupos podem utilizar recursos como narração, cantos, reportagens, dramatizações (Somers, 2010, pp. 179-80).

A criação e organização dos pacotes de estímulo demandam pesquisa e criatividade do coordenador do processo de drama. Como já referido anteriormente, a eficácia deste recurso está relacionada com a autenticidade e a qualidade do material. Outro aspecto que influencia positivamente a eficácia é a maneira como o estímulo é introduzido e disponibilizado ao grupo. Nesta perspectiva, Somers (apud Freitas 2012, pp. 67-8) apresenta-nos algumas considerações importantes:

O recipiente em que os objetos serão acondicionados deve ser coerente com a história a ser desenvolvida;

Os estímulos precisam ser introduzidos com uma história apropriada, relativa à localização e ao contexto onde ele foi encontrado;

A forma como o conteúdo dos pacotes é revelado são cruciais para sua efetividade. O objetivo é intrigar e desenvolver um senso de

empatia e de identificação das pessoas com os dilemas que estão representados nos objetos;

Deve ser permitido, tanto quanto possível, que os participantes manuseiem e descrevam o conteúdo dos pacotes. Neste percurso, a significação de cada artefato é considerada e as relações potenciais com outros são exploradas;

Deixar o conteúdo dos pacotes conjuntamente exposto para que os participantes possam dirigir-se a eles durante a fase de exploração. A exposição do estímulo é, geralmente, seguida da necessidade do participante de examinar mais detalhadamente certos aspectos dos materiais. Separar o estímulo do grupo levaria a uma diminuição de seu conteúdo afetivo coletivo. Pensando pelo viés da experiência, o estímulo é o elemento que conduz o participante ao mundo da ficção, impulsionando seu processo criativo e o processo dramático. Se, na proposta de Somers, ele é um foguete que leva a uma nave espacial, na perspectiva da imersão, ele seria visto como um trampolim que impele ao mergulho. De uma maneira ou de outra, o estímulo é um recurso que leva para outro lugar, outro mundo a ser descoberto e experimentado, articulando envolvimento sensorial, emocional e atribuição de significados. O envolvimento, no entanto, só é possível quando surge uma espécie de empatia com o material, que facilita com que ele seja manipulado e explorado. O impacto inicial do material sobre o participante está relacionado com a autenticidade e a qualidade dos objetos, com as ligações entre os objetos e os fatos da narrativa e com a conexão entre a dimensão real dos participantes e a dimensão simbólica da linguagem dramática. Se não causar impacto, dificilmente o material promoverá envolvimento; se o material não tem qualidade, não mobiliza a atenção do grupo; se ele não puder ser cruzado com os dados da narrativa, ele perde a sua força, funcionando, inclusive, como um desestímulo.