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3 OS ELEMENTOS ESTRUTURAIS DO DRAMA: CONTEXTO DE FICÇÃO,

3.4 PROCESSO E EPISÓDIOS

Previamente ao trabalho com o grupo, o processo de drama pode iniciar-se com o planejamento prévio de uma estrutura que funcionará como suporte para as investigações e o desenvolvimento do trabalho34. A estrutura é composta por uma série de procedimentos que se diversificam em cada sessão e que formam partes ou eventos da narrativa construída gradativamente pelo grupo; ela relaciona-se aos procedimentos, às convenções teatrais que serão utilizadas, aos recursos e às estratégias. A estrutura facilita que o professor não perca o foco da investigação e dos conteúdos que deseja trabalhar, no entanto, ela pode ser modificada ou adaptada em função do processo.

A ideia de processo indica um evento contínuo em que a importância do trabalho está em cada situação explorada, ao invés de estar focado em um objetivo final. Desta forma, segundo O’Toole (1992, p. 2), os elementos dramáticos são negociados e renegociados dentro de um contexto e das propostas dos participantes. Para o autor, embora o termo processo refira-se a um substantivo, o que o termo realmente significa é verbal, faz referência ao fazer, ao que está em desenvolvimento, em acontecimento. Em conformidade com O’Toole, a palavra

processo é raramente, se nunca, definida. Denota algo que continua acontecendo e

que não chegou a algo chamado produto, que de alguma maneira parou.

Embora este termo possa ser aplicado a um processo de trabalho que tenha como objetivo uma produção teatral, a sua associação ao drama indica a relevância da interação dos integrantes do grupo em torno da dinâmica proposta pelo professor. Enquanto processo, o drama é dependente tanto do grupo de pessoas que participa, como de condições externas sobre as quais eles têm pouco controle. Essas condições externas dizem respeito à intervenção do professor no nível da estrutura. O professor, no papel, pode questionar ações e atitudes, trazer novas informações através de imagens, textos, objetos, dar um novo enquadramento à situação, sugerindo novos papéis ao grupo etc. No entanto, o texto resultante é de

34 Nem todos praticantes de drama trabalham com estruturas. Cecily O’Neill contribuiu para a difusão

e uso deste recurso, especialmente, com duas publicações: Drama Structures: a practical handbook for theachers, em parceria com Alan Lambert (Portsmouth, NH: Heinemann, 1982) e Drama Worlds: a framework for process drama (Portsmouth, NH: Heinemann, 1996). A estrutura representa um recurso valioso, principalmente para aqueles que não possuem muita habilidade/afinidade com o drama ou são iniciantes, pois, nela, todo o processo pode ser esquematizado.

autoria dos alunos; os materiais relativos à atuação do professor são desconstruídos pelos alunos, tornando-se uma pista para mediar interações. É neste sentido que O’Toole (p. 4) afirma que o grupo “deve continuamente renegociar a maneira como eles podem gerenciar e manifestar os elementos básicos da forma dramática”.

A qualidade processual revela o potencial da atividade dramática em promover experiências, associadas à ideia de um acontecimento que seja significativo. A experiência compreendida como algo que nos passa, nos acontece e não o que se passa ou o que acontece, não pode ser definida a priori ou pré- determinada. Experiência, nesses termos, indica um percurso, um desdobrar de significâncias, de afectos e emoções no sujeito frente a determinadas circunstâncias. Esta condição de experiência proposta por Larrosa (2002) pode ser associada à ideia de processo defendida por O´Toole (1992). Processo refere-se ao fazer; a característica processual favorece a experiência na medida em que abre espaço para as descobertas que surgem na relação intelectual e afectiva do participante com as situações e com os materiais introduzidos.

O drama como processo implica uma organização episódica. Os episódios são fragmentos que compõem a narrativa e permitem a tessitura do texto coletivo. Para Cabral (2006, p. 18), a estrutura narrativa dividida em episódios não implica linearidade, o que permite a focalização de perspectivas distintas que objetivam o engajamento do participante com os eventos ou situações que surgirem a partir da situação explorada.

Desta forma, cada episódio é pensado para focalizar uma questão e a conclusão desta investigação é a conclusão do grupo sobre o assunto. Outros episódios podem ser gerados como complementação de questões surgidas ou mencionadas no episódio anterior, tendo como objetivo o desenvolvimento de uma ideia ou a resolução de um problema. Ao identificar interesses do grupo e preparar novas situações, o professor mantém o envolvimento dos participantes com o trabalho.

A organização em episódios, conforme O’Neill (1995, p. xvi), está centrada mais na relação entre as partes do trabalho e menos nas conexões lineares entre as sequências da narrativa, o que revela a característica fragmentada do processo. O desenvolvimento dos episódios pode ocorrer a partir de distintas atividades; e a estrutura do drama composta por fragmentos ajuda a diversificá-las. Vidor (2010, p. 30) enumera essas atividades considerando que a sua diversidade pode

surpreender o participante: narração, jogos dramáticos, imagens congeladas, trilha sonora, criação de assembleias de personagens, pesquisa histórica, leitura de fragmentos de textos, teatro, fórum, rituais de canto e dança.

O processo desenvolve-se de acordo com regras do meio dramático. Elementos como tensão, contraste e conflito são relevantes, pois geram energia para o desenvolvimento das histórias e a participação do grupo. A improvisação é um componente essencial do processo. O’Neill caracteriza-a como uma fonte vital da invenção dramática, mas esclarece a diferença entre processo de drama e atividades dramáticas improvisadas:

a essencial diferença entre process drama e improvisação é que, como o termo sugere, process drama não é limitado a simples, breves exercícios ou cenas. Em vez disso, como qualquer evento teatral convencional, ele é construído a partir de uma série de episódios ou unidades cênicas (O’Neill, 1995, p. xvi).

Os encontros improvisados estão no cerne do processo, possibilitando as investigações e a criação de cada unidade cênica. O’Neill propõe a elaboração de uma estrutura no sentido de delimitar o desenvolvimento do processo de acordo com o contexto e os temas a serem trabalhados. A estrutura é importante para a exploração das situações, fazendo com que cada jogo de improvisação proposto esteja necessariamente associado ao fio da narrativa em curso. Ao organizar a atividade dramática em uma estrutura, o professor evita a proposição de atividades que não são coerentes ou que nada acrescentem à narrativa. Nesta perspectiva, é possível entender que a estrutura não inviabiliza a característica processual, ela delimita as diferentes situações do contexto. Ao apresentar os antecedentes da ação e delinear os seus possíveis desdobramentos, o professor evita que ele próprio e os participantes percam o foco da investigação.

A estrutura visa a moderar a imprevisibilidade da improvisação. A organização estrutural impõe regras que são intrínsecas a um evento dramático e são estes limites que proporcionam aos participantes o acesso a uma experiência dramática autêntica. Para O’Neill (1995, p. xviii), se os alunos devem compreender conceitos, entender questões complexas, resolver problemas e trabalhar criativa e cooperativamente no drama, eles serão ajudados por um contexto claramente estabelecido e por um estrutura forte, mas flexível, que dê suporte e amplie o sentido do trabalho.