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Características do processo: o uso do texto e de imagens como pré-

4 RELATOS DAS EXPERIÊNCIAS

4.1 IMAGENS VISUAIS COMO MATERIAL DE CRIAÇÃO

4.3.1 Características do processo: o uso do texto e de imagens como pré-

O Balcão (Le Balcon) foi publicado em 1956. O texto apresenta o teatro

dentro do teatro com personagens que representam personagens e que são representações de personagens num infinito jogo de espelhos. Essa peça não mais se restringe aos temas das prisões, da glorificação do crime e da marginalidade, recorrentes na obra de Genet; procura abranger a sociedade constituída analisando os indivíduos no labirinto de suas funções sociais. Os personagens se entregam às suas funções sociais e essa entrega é levada às ultimas consequências anulando as individualidades e transformando os personagens em símbolos distantes e opacos que passam a viver apenas nos sonhos da humanidade (Civita, 1976, pp xii-xiv).

O texto tem como pano de fundo uma revolução que ameaça tomar conta do Reino. Neste ambiente caótico de guerra, os clientes do Grande Balcão, um bordel de luxo, satisfazem suas mais secretas fantasias de sexo e poder representando figuras mitológicas da sociedade ameaçada, e que são responsáveis pela ordem estabelecida. Assim, um homem se finge de Bispo, outro de General, outro de Juiz. Madame Irma é a dona da “Casa de Ilusões”, aquela que fornece o material cênico para todas as farsas. Ela teme a revolução, pois o Balcão é aliado do poder estabelecido e presta-lhe serviços transmitindo informações sobre os planos dos revoltosos obtidos dos clientes do bordel pelas prostitutas. A revolta progride, fato que sugere o assassinato dos verdadeiros detentores do poder. Os revoltosos convocam as figuras do bordel para substituir os verdadeiros símbolos do poder estabelecido: Bispo, General e Juiz desfilam para o povo, liderados por uma falsa Rainha representada por Irma. A revolta é subjugada e o seu líder, Roger acaba por entregar-se às fantasias do Grande Balcão, inaugurando ali uma nova escreveu o romance Nossa Senhora das Flores. O fabuloso gênio literário de Genet impressionou intelectuais influentes como Jean Cocteau, Albert Camus e Jean-Paul Sartre que manifestaram intensa admiração por sua poesia, peças de teatro e romances. Sartre chegou a analisar a vida e a obra de Genet em um monumental ensaio de 500 páginas intitulado Saint Genet, ator e mártir, publicado em 1952. Genet faleceu em 1986.

representação, a do Chefe de Polícia contra quem lutara. O verdadeiro Chefe de Polícia fica satisfeito por ter sido enfim representado e elevado à categoria das grandes figuras do bordel. Ao final, Irma apaga as luzes da Casa preparando-se para descansar e recomeçar tudo na noite seguinte exortando a plateia para voltar para suas casas “onde tudo será tão falso como ali”.

O processo foi planejado para os alunos da disciplina em que fizemos o estágio docência e, assim, nos termos de um público-alvo ele poderia ser realizado também em escolas para alunos de ensino médio ou no âmbito da ação cultural para jovens e adultos. O pré-texto deste processo foi elaborado através do texto de Genet por três motivos. Primeiro porque o texto levanta uma série de questões que podem despertar o interesse desse público-alvo, tais como o envolvimento com protestos e causas revolucionárias e a realização de fantasias, dentre outras questões que serão abordadas ao longo do relato. Em segundo lugar, por acreditarmos que exista uma curiosidade desse público em assumir papéis não convencionais em espaços não convencionais como o espaço de um bordel. Finalmente pelas possibilidades de explorar o cruzamento entre arte, estética, ética e política, presentes na narrativa de Genet, potencialmente ou explicitamente.

O processo foi desenvolvido no espaço destinado às aulas dessa disciplina, o Espaço II do Departamento de Artes Cênicas da UDESC. Essa sala é uma ampla caixa preta que pode ser delimitada por cortinas e que possui recursos de iluminação e sonorização, o que nos levou a optar por trabalhar com ambientação cênica.

A ambientação cênica potencializa a atmosfera poética e auxilia na criação do contexto, pois está ligada a criar um espaço que traz a ilusão de outro lugar ou que simboliza esse outro lugar. A ambientação contribui para o envolvimento do aluno no processo, pois cria uma atmosfera que remete ao ambiente onde a ficção acontece. Neste sentido, ela traz a possibilidade de levar os alunos a participar de uma realidade virtual e envolver-se na fantasia do contexto (Cabral, 2006, p. 20). A ambientação cênica compreende o uso de figurinos, iluminação, som, paisagens sonoras e objetos cênicos.

Para conduzir o processo trabalhamos com a estratégia do professor no papel, criando o papel de Gérard, que não existe no texto original, assistente de Madame Irma. Do texto original, trabalhamos com os personagens do Bispo, do Juiz

e do General no último episódio. O papel de Madame Irma foi desempenhado por Beatriz Cabral.

As questões abordadas pelo texto de Genet que foram exploradas no processo são: os limites entre o público e o privado; as relações entre realidade, ficção e fantasias; as expectativas de conviver com uma revolução e o engajamento ou não em uma causa revolucionária; as figuras que habitam o imaginário individual e social; a interação entre o desempenho de papéis reais e ficcionais na vida cotidiana.

As imagens visuais foram novamente utilizadas como um recurso sensorial para nutrir a atuação do aluno no contexto ficcional, frente às diferentes situações dramáticas, em interação com fragmentos textuais e com a ambientação cênica. A peculiaridade do uso das imagens, neste processo, é que elas foram exploradas como material de criação dentro do contexto ficcional. As imagens foram selecionadas como representações do contexto a ser proposto. Neste sentido, elas funcionaram também como pré-texto, contribuindo para a instauração do contexto ficcional.

Como no outro processo, o conjunto de imagens foi organizado em varais e dispostos na sala de trabalho. As imagens eram reproduções de pinturas de artistas como Caravaggio, Delacroix, Van Gogh, Ticiano, Toulouse Lautrec, Goya entre outros. Essas imagens evocavam uma atmosfera de caos e guerra condizente com o ambiente revolucionário no qual estava inserido o Balcão criado por Genet. Elas representavam batalhas, mortes, desespero e sofrimento. Por outro lado, também remetiam à Casa de Ilusões, contendo ninfas, deuses seminus, retratos da vida boêmia, de sensualidade e erotismo.

Neste processo, optamos por algumas modificações metodológicas quanto à utilização do recurso de imagens: o processo de construção de ações através do estímulo da imagem não passou pela sequência de formas corporais. No processo anterior as imagens foram observadas e materializadas em formas corporais, procedimento que levou à construção de uma sequência de formas, que foi explorada posteriormente na pesquisa de ações, que por sua vez foram organizadas em uma partitura. No processo que agora relatamos, essa mudança foi motivada pelo fato de que os alunos estavam cursando o final da segunda fase, sendo, portanto, conhecedores do conceito de ação física em níveis teórico e prático.

Assim, a busca por ações neste processo ocorreu simultaneamente à materialização de cada imagem escolhida/identificada. Ao invés de pesquisar ações e escolher uma delas para a partitura, os alunos-atores não precisaram limitar essa escolha a uma única ação, construindo desta forma um repertório de ações47. A ideia com o repertório foi de ampliar o espaço da percepção do ator durante a interação entre ações e as situações delimitadas pelo processo.