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3 OS ELEMENTOS ESTRUTURAIS DO DRAMA: CONTEXTO DE FICÇÃO,

3.2 O PRÉ-TEXTO

Cada sessão de drama possui focos de investigações cênicas que estão centrados na exploração de conteúdos que são sugeridos pelo pré-texto, o qual se refere aos aspectos do texto que o professor escolheu para ser investigado cenicamente e explorado com os alunos. Neste sentido, ele funciona como um pano de fundo que orienta as ações do professor durante o processo. Através dele, o tema é definido e as atividades a serem realizadas pelo grupo podem ser identificadas. O pré-texto pode ser literário – extraído de um texto dramático ou não- dramático, imagético, audiovisual, pode originar-se de uma história, um fato ocorrido, um poema, um ritual...

O pré-texto caracteriza-se por fornecer o ponto de partida para o processo dramático e as suas investigações. Segundo Cabral (2006, p. 15), a eficácia de um pré-texto pode ser identificada pelo acesso a intenções e papéis que ele fornece. Assim posto, ele representa uma fonte de temas a serem exploradas, situações a serem investigadas, papéis a serem desempenhados.

Apresentamos alguns exemplos de introduções do pré-texto:

“Um testamento que deverá ser lido, um quebra-cabeça que deverá ser resolvido em tempo hábil, uma casa assombrada a ser explorada, um velho baú contendo fragmentos de um diário e objetos, mapas que levem a uma importante

descoberta, a narração de um acontecimento por um personagem (Cabral, 2006, p. 15).

“$100 é oferecido a qualquer um que queira passar uma noite em Darkwood

House” (O’Neill, 1995, p. 21).

“Eu espero que ninguém o tenha visto chegar. Eu os convoquei porque pensei que vocês deveriam ser informado o quanto antes, uma vez que isto afeta a todos nós. Nós todos estamos envolvidos, eu recebi este bilhete hoje. Ele diz que Frank Miller está voltando à cidade” (O’Neill, 1995, p. vii).

O pré-texto funciona como um roteiro que delimita o desenvolvimento do processo e orienta as opções do coordenador: “O pré-texto opera em diferentes momentos como uma espécie de ‘forma-suporte’ para os demais significados a serem explorados e como tal define a natureza e os limites do contexto dramático e sugere papéis aos participantes” (O’Neill apud Cabral, 2006, p. 15).

Para Desgranges (2006, p. 126), o pré-texto não se resume a um estímulo inicial, pois apresenta e define aspectos fundamentais da situação que será investigada pelo grupo, permitindo que o professor perceba as possibilidades e necessidades a serem exploradas. Sua função, portanto, é mais ampla: o pré-texto não apenas indica o que existe anteriormente a ele (contexto e circunstâncias anteriores), mas também contribui com a investigação que virá em seguida. Neste sentido, Cabral (2006, p. 16-17) pontua: “a função do pré-texto é tornar presente a importância dos fatos passados, para estabelecer a significação dos acontecimentos presentes ou a ligação entre diferentes eventos, permitindo estabelecer o sentido da história individual e do grupo”. Assim, o pré-texto implica organicidade ao ativar a tessitura da narrativa em âmbito coletivo; ele não só existe antes do texto que emerge do processo, relaciona-se com ele.

Uma das possibilidades de trabalho com o pré-texto é o uso de textos clássicos. Este recurso, bastante explorado pela prática de Cecily O’Neill, está fundamentado na ideia de que criativos e inventivos dramaturgos, frequentemente, escolhem trabalhar sobre materiais pré-existentes na transmissão de novos significados (O’Neill, 1995, p. 33). Assim como lendas, mitos e ocorrências histórias forneceram e fornecem indispensáveis pré-textos para muitos dramaturgos, o coordenador de drama pode descobrir temas significantes em obras clássicas e trabalhar sobre estes temas em seus processos. O princípio de utilização destas obras é estabelecer um mundo dramático paralelo a elas. O texto fornece

parâmetros de estrutura e linguagem para o mundo dramático que emerge no trabalho coletivo: características de espaço e tempo da narrativa, a atmosfera que permeia a trama, as relações entre os personagens, os rituais, as notícias, as disputas, os pontos de tensão...

Embora estes textos inspiradores possam figurar como um componente vital, O’Neill (1995, p. 36) chama atenção para o fato de que eles não precisam ser valorizados como “guardiães” de um significado específico a ser encontrado, interpretado e transmitido: “eles são pontos de partida, se tornam material para uma nova obra de arte e são trabalhados e explorados como objetos em um jogo”. Este princípio vai ao encontro da necessidade de desconstrução do texto com o objetivo de adaptá-lo às condições e motivações locais, e à sua apropriação por parte do grupo ao longo do desenvolvimento do processo.

A desconstrução do texto pelo professor é importante para adequá-lo às situações que se quer explorar com o objetivo de responder ao interesse imediato do grupo. Outra questão é que a situação dramática deve tornar-se convincente pela interação entre o contexto de ficção, o contexto social e o contexto da ambientação cênica (Cabral, 2006, p. 13 e 17). Estes apontamentos possuem relação direta com a imersão do participante no processo. Tanto a valorização dos interesses do grupo como as ressonâncias entre os contextos ficcional e real, promovem maior envolvimento e maior disponibilidade de participação nas atividades. O engajamento pode favorecer a experiência ao envolver o aluno com o processo e com as investigações propostas.

A apropriação do texto, por sua vez, está associada à premissa de que as circunstâncias ficcionais estimulam o imaginário do participante, determinando a sua interação com o texto. A criação de um contexto de ficção, mas que é possível de existir, aciona histórias pessoais e memórias. A ressonância da dimensão pessoal na história em processo implica que o participante tenha que conformar o texto às demandas do seu imaginário e das tensões entre ficção e realidade. A apropriação leva à autoria, o que favorece as possibilidades de experiência: “a apropriação e reconstrução do texto, pelos participantes, implica sua atualização para questões que lhes sejam significativas, a incorporação da dimensão pessoal, a possibilidade de refletir sobre seus significados ocultos, padrões de comportamento e aspectos de identidade” (Cabral, 2012, p. 37).