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Estudos realizados no contexto escolar demonstram que os rapazes e as raparigas manifestam diferentes padrões de cognição-emoção-comportamen- to em situações de realização, nomeadamente quando são confrontados com fracassos e dificuldades. As raparigas evidenciam, com maior frequência, pa-

drões de realização de desistência após o confronto com o fracasso ou com

situações de pressão avaliativa, padrões estes caracterizados por realização debilitada e evitamento dos desafios, escolhendo tarefas familiares, de modo a não arriscar juízos de incompetência (Dweck e Gilliard, 1975; Leggett, 1985; Licht e Dweck, 1983; Licht e Dweck, 1984; Licht, Linden, Brown e Sex- ton, 1984).

Segundo Licht e colaboradores (1984), estes padrões de desistência nas raparigas manifestam-se independentemente da sua capacidade intelectual real, demonstrando que, mesmo no caso das raparigas com elevada capaci- dade intelectual, as evidências passadas de sucesso e boa realização não as protegem contra os efeitos nefastos do fracasso, que é atribuído a factores in- controláveis. Os rapazes, pelo contrário, independentemente do seu nível de realização, evidenciam com maior probabilidade padrões de realização de

persistência, caracterizados por perseverança após confronto com o fracasso,

escolha de tarefas desafiadoras e ambíguas, bem como atribuições para o fracasso à falta de esforço.

Os padrões de realização de desistência, evidenciados com maior proba- bilidade pelas raparigas, parecem conduzir, a longo prazo, a escolhas voca- cionais e profissionais “mais seguras”, pouco arriscadas e menos exigentes, que diminuem as suas hipóteses de desenvolvimento e promoção pessoal, pois as situações desafiantes, incertas e ambíguas fornecem mais oportunidades de desenvolvimento e promoção pessoais (Faria, 1998a; 1998b).

Na verdade, apesar das raparigas receberem notas mais elevadas do que os rapazes ao longo do seu percurso escolar, serem alvo de avaliações mais favoráveis dos professores em quase todos os aspectos e receberem menos

feedback negativo por parte deles, manifestam com mais frequência padrões

de realização de desistência perante os fracassos, comportando-se como se ti- vessem recebido “ultimatos” acerca da sua capacidade (Faria, 1998a; 1998b).

Investigações centradas na identificação dos factores susceptíveis de expli- car estas diferenças apontam para o facto dos professores apresentarem atitu- des e comportamentos avaliativos diferentes perante rapazes e raparigas. De

facto, os rapazes são alvo de um maior número de críticas referentes ao seu comportamento (aspectos não intelectuais), sendo avaliados como mais agres- sivos, menos sociáveis, menos motivados e menos diligentes do que as rapari- gas, enquanto estas são consideradas mais motivadas, diligentes, cumpridoras e bem comportadas (Coopersmith, 1967; Harter, 1982; Nicholls, 1980; Pra- wat, Hampton e Jones, 1979).

Ora, o uso indiscriminado de feedback avaliativo, nomeadamente para uma grande quantidade de aspectos não intelectuais do comportamento, re- duz o significado e o impacto da avaliação, em particular se o compararmos com a respectiva utilização dirigida apenas aos aspectos intelectuais da reali- zação dos sujeitos: Dweck e Bush (1976), baseadas neste postulado, formu- lam a hipótese, que vêm a comprovar, de que o feedback avaliativo dos pro- fessores se refere, com maior frequência no caso dos rapazes do que das raparigas, aos aspectos não intelectuais da realização. Este facto leva os ra- pazes a interpretar o fracasso como estando relacionado com características ou atitudes do avaliador, e não com a sua falta de capacidade, enquanto as raparigas o interpretam como sendo devido à sua falta de capacidade, pois neste caso os aspectos motivacionais ou não intelectuais da realização nunca podem ser usados para explicar os fracassos.

Assim, devido a diferentes padrões de feedback, habitualmente utiliza- dos no contexto escolar, rapazes e raparigas não aprendem a atribuir o mes- mo significado aos fracassos (e também aos sucessos). Esta aprendizagem é influenciada pelos contextos sociais em que o sujeito se move (a escola), sen- do o grupo de pertença dos sujeitos, definido pelo sexo neste caso, um factor importante de diferenciação qualitativa desses contextos (Faria, 1998a; 1998b).

Outros estudos compararam o tipo de padrões atribucionais manifestados por rapazes e por raparigas em situações de realização, particularmente quando o resultado é o fracasso, tendo concluído que as raparigas têm maior tendência a interpretar os fracassos como indicadores da sua falta de capaci- dade no domínio, o que as levará à desistência, enquanto que os rapazes uti- lizam causas do tipo “falta de esforço” e “culpa do avaliador”, o que lhes per- mite manter o investimento (Faria, 1997).

Contudo, o contexto português parece evidenciar algumas especificidades quanto às diferenças na motivação, nomeadamente pela ausência de diferen- ças de sexo em variáveis motivacionais em que tradicionalmente, e noutros contextos culturais, o sexo masculino se superioriza, como é o caso das con- cepções pessoais de inteligência (Faria, 1998a; 2002a) e do auto-conceito de competência em matemática (Fontaine, 1991b).

Na verdade, mudanças recentes nos valores políticos, sociais e económi- cos da sociedade portuguesa, bem como nas expectativas e nos estereótipos sexuais, especialmente após o 25 de Abril, podem explicar a ausência de di- ferenças em algumas destas variáveis motivacionais. O número massivo de mulheres portuguesas que entraram no mercado de trabalho e em todos os ní- veis de educação, particularmente no ensino universitário, onde já são a maioria, podem ajudar a compreender e a explicar algumas das mudanças observadas, que parecem reflectir-se e influenciar positivamente as aspirações e as expectativas de realização das mulheres portuguesas (Faria, 2002a).

Assim, talvez o investimento no sucesso académico e profissional das mu- lheres possa ser visto, na cultura portuguesa, como simultaneamente desejável e compatível com os papéis sociais atribuídos à mulher, sendo cada vez me- nos “impopular” que as mulheres assumam um papel mais saliente, mesmo que tal papel seja tradicionalmente conotado com o sexo masculino (Faria, 2002a).

Deste modo, parece-nos importante explorar a influência de diferentes contextos de desenvolvimento, nomeadamente a propósito do papel das re- presentações de pais e professores quanto ao valor do sucesso, da inteligência e da competência em geral, de rapazes e raparigas, bem como quanto ao respectivo efeito sobre as práticas educativas e pedagógicas, especialmente no que se refere ao treino para a independência, autonomia e realização, na senda da procura e da promoção de uma maior equidade na atribuição de papéis a ambos os sexos (Faria, 2002a).