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Outros contributos oriundos da investigação vocacional

Ao longo de mais de três décadas que a investigação sobre as questões de género tem – nos confrontado com trabalhos interessantes no domínio da orientação escolar e profissional. Os primeiros trabalhos, como já referimos, focaram-se na identificação das diferenças e semelhanças entre homens e mu- lheres e na diferenciação de carreiras orientadas para os homens e para as mulheres. Mais recentemente, começam a explorar-se as questões vocacionais de diversos subgrupos de mulheres e homens que nasceram, se educam e tra-

balham em contextos específicos. Estes subgrupos incluem, por exemplo, as mulheres de cor, pobres, e da classe trabalhadora, com deficiências, ou ain- da, mulheres educadas, de classe média e alta, e mulheres de diferentes etnias (exs. Betz e Fitzgerald, 1987; Fassinger, 1996).

Com efeito, apesar de se reconhecer que, a partir dos anos 70, em países como o nosso, o hiato entre os níveis educacionais de homens e mulheres está a desaparecer, é possível encontrar: (i) mais homens do que mulheres nas áreas da Matemática, Tecnologia e Ciências e com melhor realização; (ii) mais mulheres que homens nas áreas dos Serviços e com melhor realização; (iii) mais mulheres com níveis superiores de realização na linguagem escrita e falada; (iv) mais mulheres a frequentar e a graduarem-se no ensino superior mas sem o sucesso correspondente no mercado de trabalho (exs. Afonso e Ta- veira, 2001; The Condition of Education, 1995).

Estes factos devem-se aos diferentes percursos escolares, às diferentes op- ções vocacionais de homens e mulheres, opções dominadas pelos estereótipos de género, a que acresce também o próprio funcionamento do mundo do tra- balho: a mentalidade dos empregadores que também é condicionada por aqueles estereótipos. Assim sendo, os conteúdos da exploração vocacional parecem continuar bastante dependentes ou associados ao sexo e o próprio processo de exploração poderá ser influenciado por estas representações e crenças tão enraizadas (Afonso e Taveira, 2001).

Muitas das vezes os ambientes de aprendizagem encorajam muito pou- co as mulheres e os homens para que explorem opções vocacionais não tra- dicionais: as interacções que se estabelecem entre professores e alunos, as diferentes expectativas dos professores em relação a homens e mulheres, o uso dos equipamentos (laboratórios, oficinas, aparelhos), a própria mentali- dade cultivada nas salas de aula, são de molde a favorecerem orientações vocacionais segundo uma visão essencialista do género (cf. Kenway e Gough, 1998, p. 8). Ou seja, alguns efeitos da diferenciação escolar, se- gundo o sexo, parecem continuar a manifestar-se actualmente, menos rela- cionados com o acesso à escola, o qual se tornou obrigatório e universal, e mais com a diferenciação subtil que continua a fazer-se sentir no interior do sistema educativo, condicionando os percursos escolares de mulheres e ho- mens. Em termos de processo de exploração as variações encontrados indi- cam-nos que as raparigas se sentem menos confiantes no que respeita o atingir de uma posição preferida no mercado de trabalho e atribuem mais valor às actividades exploratórias, mas experimentam mais stress com a to- mada de decisão, quando comparadas com os seus colegas rapazes (Afon- so e Taveira, 2001).

Neste contexto é de referir o estudo de Astin (1984) que, ao comparar a educação das mulheres em diversos países (Estados Unidos, Japão, Grécia, Austrália, Nova Zelândia), sugere que as barreiras que se opõem ao progres- so educativo das mulheres são semelhantes em todos estes países: não são já barreiras do tipo legal, mas barreiras enraizadas nas atitudes e na cultura, de carácter psicológico, que interferem na exploração e no compromisso com op- ções vocacionais. As barreiras externas, do ambiente ou contexto em que o individuo está a viver, a educar-se ou a trabalhar, podem ser impostas pelos indivíduos mas em geral têm as suas raízes numa dada estrutura social - leis, políticas, normas do local de trabalho, as ideologias de género, as práticas educativas. Alguns exemplos podem ser os estereótipos profissionais, os este- reótipos de papel de género, o viés de género na educação, as barreiras na educação superior, um ambiente nulo que falha em encorajar as mulheres a prosseguir as carreiras desejadas, falta de modelos de comportamento e de carreira e de mentores ou supervisores, a avaliação que se faz nos gabinetes de psicologia muitas vezes enviesada no sentido dos homens, e alguma discri- minação mais directa relacionada com o género, a raça a etnia, ou outros ti- pos de diversidade (salários desiguais, assédio no local de trabalho, entre ou- tros) (Fassinger, 2000, p.361-362). Em muitos casos, no que respeita as mulheres, foi acontecendo uma substituição da discriminação óbvia por uma tolerância benevolente à sua presença, caracterizada por uma certa falta de apoio ou encorajamento. Assim, por exemplo, as mulheres não são excluídas de determinados domínios de trabalho escolar ou profissional mas, quando estudamos mulheres particulares, verifica-se que elas continuam a relatar a experiência de dificuldades no acesso às chefias, em adquirir apoios financei- ros, em obter encorajamento explícito ao avanço nas suas carreiras (Noguei- ra, 1997).

Num outro estudo mais recente, realizado por Carr e colaboradores (1998), sobre a produtividade das mulheres e dos homens numa faculdade de medicina norte-americana, verificou-se que as mulheres com crianças eram menos produtivas (ex. escreviam 18 artigos e não 29 como os homens) e esta- vam menos satisfeitas com o seu progresso na carreira profissional do que os colegas homens responsáveis igualmente pela educação de crianças. Neste estudo, os autores atribuíram estas diferenças não só a um maior grau de res- ponsabilidade das mulheres pela educação das crianças, como também e so- bretudo, pela falta de apoio institucional às mulheres, em termos de apoio fi- nanceiro à investigação, e em termos de apoio administrativo ao seu trabalho. Tal como Afonso e Taveira (2002) evidenciam, funciona aqui uma espécie de circularidade: as mulheres, no que respeita aos domínios e níveis de activi-

dade vocacional não tradicional, experimentam pouco, são pouco estimula- das, não são suficientemente apoiadas e quando tentam ou se propõem enve- redar por estes domínios sentem-se mais ansiosas, menos confiantes nas suas possibilidades e, por conseguinte, experimentam mais frequentemente, senti- mentos de baixa auto-eficácia e abandonam ou desistem daqueles domínios. Os homens, desde cedo e por virtude da influência dos tradicionais papéis de género, são mais estimulados, apoiados e encorajados a prosseguirem carrei- ras vocacionais nos diversos domínios e níveis que tradicionalmente lhes estão reservados.

Os dados desta linha de investigação contribuem para suscitar acordo en- tre teóricos e investigadores contemporâneos que se dedicam ao estudo das mulheres, sobre o papel de barreiras externas e estruturais nos comportamen- tos de escolha, implementação e sucesso vocacional das pessoas (cf. Fassin- ger, 2000; Nogueira, 1997; Saavedra, 2001; Seijas e Cunha, 2003). As bar- reiras externas ou estruturais são abordadas, muitas vezes, através da mudança social, por exemplo, via intervenção psicológica em organizações como a escola, ou via intervenção comunitária.

Por outro lado, a influência de barreiras internas, tal como foram defini- das, em 1987, por Betz e Fitzgerald, manifestam-se em determinadas mulhe- res e, pensa-se ser o resultado de um processo de socialização que se traduz na internalização de crenças e representações do self menos favoráveis (Betz, 1994). São exemplos deste tipo de barreiras, os conflitos internos relativamen- te à carreira, o evitamento do estudo da matemática, uma baixa auto-estima e expectativas de auto-eficácia e expectativas de sucesso baixas. Estas barreiras individuais são aquelas que tradicionalmente foram alvo da atenção, quer dos profissionais de orientação, quer de outros profissionais da consulta psicológi- ca.