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Contextos e Práticas

5. Contextos de Produção

5.6. Associações e outras iniciativas

Poderíamos ter a impressão de viajar no tempo, ao passar pelo mural que se encontra em Alcântara e que exibe uma iconografia familiar, associada ao PREC, à qual não falta a efígie de Ribeiro Santos. Trata-se do mural «40 anos, 40 murais», que celebra as quatro décadas da revolução de Abril. Aqui, a

street art recria expressões de rua de um passado não muito distante, numa iniciativa que contou com trabalho voluntário e que contou com a presença na organização da APAURB (Associação Portuguesa de Arte Urbana). Este é um exemplo concreto das várias acções que as diversas associações e colectivos que programam iniciativas de street art em Lisboa têm vindo a organizar. Vejamos agora que associações e colectivos são estes, e como se desenrolam as suas iniciativas.

Até agora abordámos as experiências iniciais de street art em Lisboa, a Galeria de Arte Urbana, o projecto CRONO, o Wool on Tour e o workshop Lata 65. Em paralelo, há todo um conjunto de actividades que, organizadas sob a forma de associações, colectivos ou plataformas, assumem também

102 IECE – Interactive Conferences ESEC, em Coimbra, 27 de Novembro de 2014. 103 VI Simpósio de Gerontologia Psicosoma, Viseu, 22 de Novembro de 2014.

um papel de mediação, organização e criação de projectos de arte urbana no espaço público, no contexto de Lisboa.

No campo das iniciativas de mediação, de notar a plataforma GRRAU – Grafismo, Reabilitação e Renovação pela Arte Urbana, de que faz parte Pedro Soares Neves e artistas como RAM, Vhils e outros. Esta plataforma surgiu em 2008, e pretendeu constituir-se como uma estrutura de articulação com a GAU (Galeria de Arte Urbana da CML), agregando um Laboratório de Arte Urbana (LAU), e um projecto dedicado às Fachadas de Arte Urbana (FAU), incluindo o projecto CRONO e iniciativas como as da Pampero, Reciclar o Olhar e Go Arte Urbana104.

De criação mais recente é a APAURB, a Associação Portuguesa de Arte Urbana. Segundo informação de Pedro Soares Neves, esta surgiu como forma de dar continuidade ao trabalho da ACA – Azáfama Citadina Associação, a associação que havia sido criada para levar a cabo o projecto CRONO, e que acabou por se dissolver após a decisão dos seus diferentes organizadores de seguirem vias diferentes: Angelo Milano pretendia que se desenvolvesse numa lógica de festival, Alexandre Farto escolheu desenvolver projectos ligados ao mercado da arte – nomeadamente a Underdogs – e Pedro Soares Neves fundou depois, com outros elementos, a APAURB. Sobre esta diferenciação, Pedro Soares Neves ofereceu um relato que permite distinguir a orientação das acções:

«O que aconteceu foi que efectivamente essa primeira associação que esteve na origem do Projecto Crono – chamada Azáfama Citadina, que era com o Alexandre [Farto] e com o italiano [Angelo Milano] e mais um conjunto de pessoas – tinha como intenção continuar o que agora a APAURB está a fazer, ou seja, ser uma associação real, verdadeira, aberta, em que qualquer pessoa pode ser associada, pode ir à assembleia geral, pode candidatar-se para a presidência, portanto uma associação na verdadeira acepção da palavra. Não era uma associação para um projecto, era uma associação verdadeira… se bem que inicialmente ia desenvolver este primeiro projecto e depois ia ganhar força para se gerar como associação verdadeira. O italiano não concordou e o Alexandre decidiu entrar por uma via mais mercantilizante e mais de empresa, digamos assim. Numa situação pós-Crono. E pronto, e eu decidi fundar a Associação Portuguesa de Arte Urbana, já com outras pessoas, se bem que [eles] ainda colaborem, e o Alexandre Farto está ainda muito próximo de toda a situação.» (Pedro Soares Neves, Arquitecto; Programação e criação de projectos de arte urbana, mediação; writer/street artist, 2013)

A Associação Portuguesa de Arte Urbana foi assim fundada em Março de 2013, sendo o seu actual presidente Octávio Pinho (também writer, de nome Slap). Esta associação pretende dar voz aos interesses dos artistas de street art , particularmente no meio institucional:

«(...) esta associação, a APAURB, segue esses propósitos de [dar voz e] seguir essa filosofia de gerar uma voz desta comunidade [...]. Uma voz que se possa ouvir [em] meio institucional, no mais real, que defenda os interesses quer dos que [se] estão mais a profissionalizar, quer do utilizador comum do espaço

público… basicamente, de uma perspectiva o mais abrangente possível» (Pedro Soares Neves, Arquitecto; Programação e criação de projectos de arte urbana, mediação; writer/street artist, 2013) Pretende a APAURB, portanto, constituir-se como entidade agregadora de artistas de street art e de outras pessoas interessadas no tema, e enquanto mediadora entre estes e as instituições, defendendo os seus interesses e, também, com iniciativas próprias.

Para além desta orientação de mediação entre os artistas e o espaço público, a APAURB também opera segundo um modelo de interacção entre as burocracias e os artistas, como nos explicou em entrevista Octávio Pinho:

«A associação [APAURB] tem um ano, pouco mais do que um ano. Começou da necessidade que um grupo de autores deste ‘fenómeno’, precisavam e sentiam que havia falta de haver qualquer coisa legal que os representasse ou fizesse frente às novas leis, às novas políticas, aos concursos… a toda esta coisa.» (Octávio Pinho, Presidente da APAURB; writer e street artist, 2014)

Porque, diz Octávio Pinho, presidente da APAURB:

«Hoje em dia para se fazer um graffiti ou para se conseguir fazer um projecto ligado à arte urbana há mil e um processos que têm de se fazer e «n» coisas para se fazer, porque, senão, o projecto não vai para a frente. E então nós, como associação, reunimo-nos para unir esforços para conseguirmos fazer isso e, então, tem funcionado bem. É interessante porque vê-se que juntando o meu currículo ao do Pedro Neves ou do Exas ou deste ou daquele e ao de mais pessoas que estão ligadas à associação, que também não pintam graffiti, mas que estão para dar o seu contributo à associação, isso faz da associação algo que seja mais abrangente do que só a cena de pintar.» (Octávio Pinho, Presidente da APAURB; writer e street artist, 2014)

Uma vez mais, a distinção face ao universo do graffiti é aflorada:

«[Porque] senão era um clube de graffiti e não é e não era mais do que isso.» (Octávio Pinho, Presidente da APAURB; writer e street artist, 2014)

Aliás, como refere:

«Temos pessoal de arquitectura, do design, pessoal que está na parte de contabilidade e na parte administrativa da associação.» (Octávio Pinho, Presidente da APAURB; writer e street artist, 2014) Octávio Pinho considera que a variedade dos perfis dos associados da APAURB é uma mais-valia para a associação, no sentido em que confere diferentes perspectivas sobre o espaço público urbano e as intervenções que nele são feitas.

Havendo tanto interesse gerado em torno da street art, e tantas novas dinâmicas emergentes, a APAURB surgiu assim como forma de dar resposta aos interesses dos artistas, ou agregando-os

enquanto entidade colectiva, dotando-os de maior poder de negociação, ou mediando, quando necessário, nas situações de novos projectos, concursos, etc.

Uma das concretizações da APAURB enquanto entidade colectiva é a organização de projectos, de e com os seus membros, como por exemplo as pinturas do túnel de Alcântara, o já referido «40 anos, 40 murais», ou outras iniciativas de âmbito nacional - porque é esse o seu âmbito –, nomeadamente um projecto inserido no Festival de Banda Desenhada da Amadora.

«Nós fazemos isso como associação, com o papel associativo, não num papel de agente. É uma coisa completamente diferente, porque cada pessoa na associação se auto-representa ou representa a associação, mas em prol de um todo. Isso tem funcionado. Temos andado devagarinho. Estamos agora a começar a aceitar sócios, porque a ideia é termos representações no Porto, no Algarve, em Aveiro, em Coimbra, em todo o lado onde houver alguém que pinte. Eu gostava que essa pessoa ou alguém daquela zona tivesse uma ligação à APAURB.» (Octávio Pinho, Presidente da APAURB; writer e street artist, 2014)

Distingue assim o presidente da APAURB a actuação desta associação da de um agente de street art, esclarecendo que esta não pretende assumir um papel de representação dos artistas, mas de mediação, quando necessário, ou de facilitador para a concretização de projectos. Igualmente é de destacar a vontade de que esta associação ganhe força de âmbito nacional, com elementos por todo o país. É de acrescentar ainda a ênfase que a APAURB coloca na questão da participação, sendo as suas iniciativas muitas vezes levadas a cabo por voluntários, e cuja participação num projecto colectivo tem resultados práticos não só no que diz respeito à alteração de um espaço público comum, como no sentimento de ligação com o local que uma iniciativa participativa promove.

O projecto do túnel de Alcântara é, do ponto de vista de uma análise sociológica, um projecto importante, já que não só contou com a participação de um elevado número de voluntários, como teve o claro objectivo de requalificar uma estrutura urbana degradada. De facto, as intervenções de diversos

street artists no túnel de Alcântara não só o tornaram visualmente mais interessante, como ainda tiveram o efeito de estimular a manutenção do espaço, nomeadamente a sua limpeza e iluminação, com uma regularidade que antes não se verificava. Este projecto é portanto uma intervenção directa no espaço público por um conjunto de cidadãos que o frequentam, e que consideram que a street art pode ter um franco potencial transformador do espaço público – é, portanto, um exemplo da «construção do espaço público» que Setha Low abordou (Low, 1998; Low, 2014). Esta autora afirma que a construção social do espaço tem lugar quando ocorrem «transformações espaciais através da intervenção dos indivíduos nos lugares - nomeadamente, através do sentido que conferem às suas interacções, conversas, memórias, emoções, imaginação e usos» (Low, 2014:35). Assim, acções como a intervenção no túnel de Alcântara, em que há uma participação colectiva com vista à melhoria de um espaço público de uso quotidiano dos que nele decidiram intervir, constituem exemplo da construção social do espaço, em que a street art surge como um meio expressivo e artístico. Octávio Pinho relata- nos o desenrolar deste projecto:

«Nós entrámos para lá, pressionámos, pressionámos para que eles limpassem e para que eles mudassem a iluminação, o que aconteceu. Começaram a limpar regularmente, enquanto lá estávamos. (...) Mas, o projecto funcionou. Nós juntámos ali mais de quatrocentos voluntários. Uns vinham num dia, outros vinham no outro. Às vezes vinham só cinco, às vezes só dez. Às vezes estava lá eu sozinho. O projecto durou quase um ano, porque são 4.500 m2 de pintura. Não é nenhuma brincadeira. E foi uma coisa ambiciosa, mas também um trabalho muito sério, porque nós não ganhámos nem um euro ali; foi tudo um projecto com base no voluntariado a nível artístico e a nível de ajuda para pintar as paredes e a base.» (Octávio Pinho, Presidente da APAURB; writer e street artist, 2014)

A originalidade deste projecto reside no facto de não incluir apenas artistas de street art, mas, para além destes, qualquer pessoa interessada, tendo ou não experiência em práticas artísticas. Parece ser o mote para iniciativa a vontade de participar, pelo que Octávio Pinho refere como marca do sucesso da iniciativa o facto de ter conseguido reunir no projecto «mais de quatrocentos voluntários», o que resulta numa experiência marcante de intervenção colectiva no espaço público.

Figura 5.12 – Intervenção de Gonçalo Mar no túnel pedonal de Alcântara, no âmbito de iniciativa de Slap/APAURB. Foto de Ágata Sequeira.

Este relato ilustra assim o que pode ser conseguido no âmbito associativo, a nível de mobilização de pessoas voluntárias que, por sua iniciativa e com a recolha dos recursos necessários, no sentido de

levar a cabo um projecto colectivo e participativo, pretendem, explicitamente, melhorar a qualidade do espaço público urbano, como a imagem 5.12 mostra.

Assiste-se actualmente, para o contexto de Lisboa, ao aparecimento de iniciativas que propõem outras metodologias, como é o caso do EBANOCollective, que pretende intervir no espaço público sob uma perspectiva simultaneamente artística e etnográfica. Integrando investigadores em antropologia e outras ciências sociais, nomeadamente Lorenzo Bordonaro, Chiara Pussetti, Vítor Barros, Elettra Bordonaro, Sílvia Proença e Catarina Laranjeiro, o projecto é assim apresentado:

«EBANOCollective é um colectivo que realiza curadoria e intervenções artísticas site-specific no espaço público, resultantes do diálogo entre prática artística e pesquisa etnográfica. Com base nessa metodologia EBANOCollective desenvolve projectos colaborativos de arte pública, com o objectivo de incidir sobre questões locais de comunidades específicas e sobre problemáticas sociais e urbanas mais amplas.»105

Figura 5.13 – Momento da intervenção de EIME, no âmbito da iniciativa Passeio Literário da Graça. Foto de Ágata Sequeira.

Figura 5.14 – Intervenção de EIME já concluída. Foto de Dina Dourado.

Das iniciativas que foram levadas a cabo em Lisboa por este colectivo, inclui-se um conjunto que teve lugar na zona da Mouraria e Martim Moniz: Noor Mouraria Light Walk; A Mouraria Imaginada Pelas

Crianças; Rua do Pecado; e A Casa das Chaves, esta última abordando a questão do abandono de edificado em Lisboa. Outras iniciativas do colectivo são Abandonada; Ghetto Six, no bairro 6 de Maio na Damaia; a exposição Woundscapes; e diversas intervenções em Cabo Verde. No entanto, há uma

em particular em que nos centraremos, já que, por incluir intervenções de artistas de street art , integra-se no âmbito específico desta pesquisa.

Trata-se da iniciativa Passeio Literário da Graça, que se traduziu na intervenção num conjunto de fachadas e muros no bairro da Graça, no ano de 2014, com o tema das escritoras cujo percurso de vida se entrelaça com as ruas deste bairro. Esta iniciativa é simultaneamente um comentário à questão da degradação dos edifícios de Lisboa, e deste bairro em particular, mas também um momento de valorização de aspectos de âmbito cultural que se prendem com a Graça:

«A intervenção nas “fachadas de abandono” do bairro da Graça pretende responder à degradação actual dos edifícios através de uma valorização do património arquitectónico e imaterial que caracteriza esta zona da cidade»106

O potencial de intervenção das fachadas degradadas107 é pelo colectivo considerado como assinalável,

no sentido em que pressupõe uma relação directa com os bairros em que se inserem, e com as singularidades da história destes, bem como com os seus habitantes. O conjunto de intervenções no bairro da Graça foi assim assumido como uma forma visualmente significativa de assinalar a singularidade do bairro, através da evocação de figuras de destaque na literatura portuguesa que marcaram com a sua presença o bairro da Graça:

«As fachadas degradadas foram transformadas em páginas públicas, fragmentos de crónicas da comunidade, memória dos seus artistas e poetas, das suas vivências presentes e passadas. De Abril a Junho de 2014 um grupo de artistas coordenado pela associação EBANO, tem realizado obras em algumas paredes do bairro, para lembrar e homenagear estas figuras ilustres, e para dar visibilidade ao património arquitectónico da Graça.»108

No âmbito desta iniciativa foram feitas intervenções por EIME (Figura 5.13 e 5.14), Leonor Brilha, Lorenzo Bordonaro, Mariana Dias Coutinho (Figura 5.15), MrDheo, Pariz e Violant.

106 Do site do colectivo, http://www.ebanocollective,org/

107 Continuaremos a analisar este aspecto, mais a fundo, no capítulo 8 desta dissertação. 108 Lemos no site do colectivo

Figura 5.15 – Intervenção de Mariana Dias Coutinho, no âmbito da iniciativa Passeio Literário da Graça. Foto de Ágata Sequeira.

A linha de actuação deste colectivo, de forte componente «etnográfica» e convocando diferentes linguagens artísticas, denota uma clara vontade de colocar o espaço público, na sua especificidade, como elemento central de intervenções que se pretendem «relacionais»:

«Segundo a filosofia do EBANOCollective, a intervenção no espaço urbano constrói-se in situ, a partir do contexto: a obra não é pré-existente, mas surge cada vez num processo relacional e etnográfico, a partir dos objetos, dos espaços, dos materiais e das pessoas.»109

É assim enfatizada a componente local das intervenções, no sentido em que permite o desenrolar de um processo que alia a intervenção física e visual nas fachadas com a componente relacional dos habitantes locais – e também dos visitantes -, pretendendo-se que estas intervenções intensifiquem ou contribuam para o desenvolvimento de novas dinâmicas.

Conclusão: Novas formas colectivas de produção de street

Vimos como são diversas as formas de produção de street art em Lisboa, em contextos legais. Estruturada segundo as propostas de diferentes iniciativas que a enquadram, a produção de street art em Lisboa assume diversas lógicas de produção, a que correspondem várias metodologias, expressas nos diferentes termos que são utilizados para descrever essas iniciativas, nomeadamente: «projectos», «eventos», «festivais», «galerias» e «workshops».

Assim, no âmbito das práticas institucionalizadas (Ferro, 2011), são várias as entidades que estabelecem os contornos programáticos que as enquadram. A ideia de estratégias de domesticação (Campos, 2010) já não será suficiente para descrever o que na verdade são estratégias de produção e

de construção do espaço público.

Traçámos assim um percurso que começou com as experiências iniciais, particularmente as Visual

Street Performances (VSP), que marcaram o princípio de uma forma de pensar o graffiti e a street art, já não somente enquanto prática inserida numa cultura urbana particular e fechada, mas assumindo as suas potencialidades expositivas e de intervenção social, numa clara intenção de demarcação das imagens de «vandalismo», reabilitando a imagem destas práticas para o observador exterior. No âmbito da intervenção social das VSP, os writers assumiram papéis de mediação (Ferro, 2011), no que foi uma importante experiência de construção de espaço público (Low, 1998 e 2014) pelos seus diferentes intervenientes, na medida em que a street art e o graffiti apareceram aqui como forma de conferir visibilidade às zonas degradadas onde as intervenções tiveram lugar, bem como às suas populações.

Um momento também importante neste percurso foi o do encontro «O Futuro das Paredes do Bairro Alto», que teve lugar em 2008 e pretendia conjugar os diferentes actores desse âmbito local para encontrar soluções para a profusão de tagging que se fazia sentir nas paredes desse bairro lisboeta. Este encontro foi marcante porque juntou writers, comerciantes locais, empresários de bares, e diversas entidades, entre as quais a CML, em diálogo sobre uma questão que a todos dizia respeito, ainda que de formas diferentes.

Foi na sequência deste encontro que nasceu a Galeria de Arte Urbana, gabinete da Câmara Municipal de Lisboa. Este, num primeiro momento, pretendeu estabelecer uma alternativa ao graffiti e aos tags no Bairro Alto, através da instalação de placas de mdf na Calçada da Glória e Largo da Oliveirinha, para intervenção livre dos writers. O seu âmbito de actuação alargou-se quer no espaço, quer no tempo, passando a fomentar intervenções pelo espaço público de toda a cidade, com vista à melhoria visual das estruturas degradadas e aguardando requalificação. Diferentes projectos da GAU têm vindo a ser desenvolvidos, como a pintura de vidrões no Reciclar o Olhar110, ou as intervenções no muro do

Hospital Júlio de Matos, com o Rostos do Muro Azul. Igualmente, a GAU tem vindo a estabelecer parcerias com outras entidades, nomeadamente associações e projectos, bem como com entidades comerciais. Outros projectos desta instituição incluem a edição de livros e do boletim da GAU, bem como a inventariação de peças.

É de notar a atenção que, nos concursos que a GAU propõe, é dada à qualidade plástica dos trabalhos, bem como ao currículo dos artistas. Denota ainda a actuação desta entidade uma consciência do papel que a street art pode ter, enquanto elemento de competitividade para a cidade de Lisboa em relação a outras, nomeadamente no que respeita ao turismo, pelas imagens de cidade, «jovem e dinâmica», que contribui para difundir111.

Também marcante neste percurso pelos contextos de produção de street art em Lisboa foi o projecto CRONO. Este consistiu em diversas intervenções de street art pela cidade, por artistas nacionais e estrangeiros. Destas destacam-se as intervenções em prédios devolutos com o intuito de «assinalar» situações de abandono do edificado, num espaço público em limbo, à espera de requalificação. O entendimento de Patricia Phillips, que associa arte pública contemporânea a um processo de ocupação (Phillips, 1998) é aqui particularmente interessante, já que nas intervenções em prédios devolutos, o projecto CRONO procedeu de facto a uma ocupação visual das fachadas, que estimulou o debate sobre o estado do edificado no espaço público lisboeta, bem como sobre os poderes que nele se conjugam e