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CAPÍTULO IV EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO EM 2001/

4.2. Experiência de formação observada pelos alunos

4.2.6. Atitude reflexiva

Os momentos de prática reflexiva estão presentes com regularidade ao longo do período de formação, quer através do diálogo que se estabelece no final de cada sessão de trabalho, quer através das reflexões escritas realizadas já com um certo distanciamento da acção. Umas e outras têm a sua pertinência, constituem um momento de partilha sobre a vivência das actividades, de troca de ideias, de questionamento sobre as práticas em si e da sua integração no meio escolar e onde afloram também outras questões como os problemas de comunicação que fazem parte do próprio grupo.

Estes momentos são particularmente importantes porque possibilitam a intervenção de cada um, dando oportunidade de se manifestar de acordo com uma perspectiva divergente da experiência, o que constitui uma das características essenciais desta área artística, onde o reforço do colectivo vai a par do espaço para a individualidade, visto que o indivíduo é ao mesmo tempo sujeito e objecto da aprendizagem.

O respeito pela expressão individual é um valor primordial que vai progressivamente ganhando solidez através da criação de uma espécie de código de conduta, que faz emergir outros valores como o respeito pelos outros e das suas ideias, a tolerância, a solidariedade, a autonomia, a liberdade de expressão, e que reúnem no seu conjunto as condições necessárias para que cada interveniente evolua no sentido do desenvolvimento da sua expressão e comunicação.

A atitude reflexiva produz um conhecimento significativo sobre a linguagem dramática, construído com a participação de todos os intervenientes e resultante do confronto com uma abordagem pedagógica específica, o que interfere naturalmente com as concepções adquiridas sobre ensinar e aprender, fazendo evoluir a noção de educação para outros patamares.

Os textos dos alunos estão também em relação com o que acabamos de referir: - “Apesar de sentirmos inteira liberdade, temos a constante preocupação de respeitar os outros e as suas ideias.” (A7-F9: 340);

- “Isto leva-nos a reflectir que apesar de cada pessoa ter um «mundo» muito próprio, temos pontos, objectivos em comum e que aprendemos sempre algo de novo com cada um.” (A7-F8: 370);

- “Apercebemo-nos de coisas aparentemente simples, que podem estar imbuídas de grande valor dependendo da atenção, da capacidade de observação e da conotação atribuída por cada sujeito.” (A7-F9: 392);

- “Penso que isto foi uma forma do professor tentar demonstrar que devemos ser mais autónomos, apelar para uma ruptura do que é habitual para darmos mais de nós em tudo o que fazemos.” (A7-F3: 397);

- [...] Estas aulas requerem muito mais a nossa participação e a nossa criatividade mas em contrapartida dão-nos uma maior liberdade (quer de expressão, quer de movimento) e talvez seja isso que faz com que quando saímos sintamos sempre uma enorme sensação de bem estar interior. [...] (A7-F8: 578);

- “No fim da aula cheguei à conclusão que a utilização destes objectos depende e varia de pessoa para pessoa. Estes temas levam ao debate, para um pode representar uma coisa e para outro representa outra coisa.” (A7-F7: 598);

- “Penso que foram muito positivas estas primeiras aulas, pois deram-me uma visão diferente do ensino (…).” (A7-F9: 607);

- [...] Ao longo das aulas de ED, tenho constatado algo, que para mim é quase milagroso. Quando os alunos entram pela porta da sala de aula de ED, deixam para trás as rivalidades, as brigas, os problemas que têm com os outros colegas e trabalham em conjunto, harmoniosamente. Trabalham com gosto e prazer, isso ajuda na relação com os colegas e com o professor (…) pois o principal objectivo é ensinar os alunos a trabalharem em conjunto e todos juntos podem criar muitas coisas interessantes, bonitas e com algo de profundo a comunicar. [...] (A7-F9: 642);

- “(…) penso que o objectivo do professor na realização destas actividades lúdicas foi conseguido: o de enriquecer a capacidade do aluno se expressar e comunicar sem tabus.” (A7-F9: 300);

- [...] A aula (…) pode ser dividida em 2 tipos de olhar. O olhar para os outros e o olhar para as coisas, de uma certa forma o nosso olhar em geral pode sofrer esta divisão.

Inicialmente «trabalhamos» o nosso olhar para os outros, onde podemos experimentar diferentes olhares; o simples olhar que só vê e um olhar mais profundo que tinha uma mensagem, transmitia sentimentos: simpatia, indiferença ou amizade.

O mesmo se passa quando olhamos para as coisas, podemos simplesmente vê-las ou então, comunicar com elas. Tanto os olhos dos outros que nos rodeiam como as coisas que nos rodeiam transmitem-nos mensagens, os nossos olhos são uma forma de comunicar.

Quando olhámos para os quadros, tínhamos que pesquisar a mensagem que eles nos transmitiam para podermos escolher um. Mas, não era só eu que escolhia, era o grupo e apesar de colegas mais ou menos com as mesmas características, cada um de nós é um, com as suas perspectivas das cores, das formas, do mundo, então foi necessária a partilha da mensagem observada.

Mais do que partilha teve de haver uma selecção em conjunto, aqui, além de se partilhar também se argumentou, como que tentando influenciar a escolha dos outros, mesmo que inconsciente.

Mas, a escolha pode ter sido manchada pela 2ª parte da tarefa. Era necessário transmitir a mensagem que chegava até nós do quadro aos outros colegas. Naturalmente, esta tarefa veio limitar a escolha anterior. A primeira tarefa deixou de ser, escolher um quadro, e passou a ser a descoberta de mensagens fáceis de transmitir, para depois escolher esse quadro. A ordem das tarefas inverteu-se. Esta inversão não foi propositada, provavelmente até foi inconsciente, quando reparei já não estávamos a falar de preferências mas do que fazer ou do que dizer neste ou naquele quadro, só depois escolhíamos o quadro.

Este tipo de atitude é frequente no nosso dia-a-dia, e por isso, já não sentimos as inversões de ordem que fazemos. A nossa sociedade mais preocupada com os produtos do que com o como fazer, certamente tem parte da culpa. Habituámo-nos a estar constantemente a ser avaliados, a serem medidas as nossas acções e qualquer falha pode ser utilizada como «prova de acusação». Então, deixamos de ser genuínos, deixamos que os outros façam de nós o que querem e nós fazemos dos outros o que queremos que eles sejam. Invertemos Tudo. [...] (A7-F10: 316-317);

- “Através destes exercícios a nossa mente fica mais aberta, o que nos facilita mais a compreensão do que é a realidade.” (A7-F8: 318);

- “Estas aulas ajudaram-me a perceber melhor a realidade, ou seja, o meio que me rodeia (…) a conhecer melhor a minha turma, a relacionar-me com os colegas que ao longo destes 3 anos, somos da mesma turma e eu nem sabia o nome de alguns.” (A7-F9: 320);

- [...] Em todos os exercícios feitos até agora há várias características que estiveram presentes, tais como, o contacto visual, a acção: é importante haver movimento nas aulas; a criatividade também é importante: o professor ensinou-nos a criar e a trabalhar a nossa imaginação (…) fazendo com que nós tenhamos um sentido diferente das coisas e de levar a vida. [...] (A7-F9: 321);

- “(…) ao ouvirmos a opinião dos outros e depois de lançarmos um segundo olhar (…) somos capazes de encontrar coisas que à primeira vista nos passariam despercebidas ou seriam até impensáveis.” (A7-F10: 328);

- [...] Viram-se rostos que muitas vezes são fechados, por múltiplas razões, abrirem-se e participarem na brincadeira sem qualquer tipo de problemas (…). Se futuros professores não conseguem ter uma relação aberta entre si, como vão depois relacionar-se com os seus alunos? (…). São disciplinas como o drama, que nos ajudam a encarar estes problemas e reflectir sobre os mesmos, à procura de uma solução. [...] (A7-F5: 479); - [...] Fez-me lembrar as flores, tão belas, mas efémeras. No entanto, enquanto duram mostram-nos como tudo pode ser belo e diferente, se quisermos, ainda que por pouco tempo. Dão-nos a paz de que tantas vezes nos vemos privados. E é com estas visões que nos maravilham, que continuamos a ser Humanos em toda a acepção da palavra. [...] (A7-F8: 480);

- [...] Criámos constantemente novos movimentos e é muito interessante pensar que a cada pessoa que surgia à minha frente, eu tinha um gesto diferente. Uns quase que se incluíam no movimento, dando o seu toque pessoal e inconscientemente influenciavam o meu movimento, outros eram um simples espelho. Os olhos, talvez a parte que mais comunicou neste jogo: colegas que apesar de nos conhecermos há algum tempo evitaram o olhar, olhos nos olhos. A timidez ou a indiferença devem explicar tais comportamentos, se numa aula onde trabalhamos acima de tudo a comunicação é tão difícil o olhar, que relação temos nós com os que nos rodeiam? E com os nossos futuros alunos? Será que também lhes vamos evitar o olhar? Temos muito que aprender, muito mais que pedagogias ou técnicas de ensino: temos que aprender a ser «pessoas», em toda a sua essência, indivíduos sensíveis e prontos a comunicar. [...] (A7-F7: 614); - [...] Deu-me muito gozo construir a minha própria teia, talvez porque por momentos abstraí-me de tudo o resto, o ambiente era propício, e movimentei-me da forma que desejava, sem receios dos olhares, e medos dos comentários «aquela tolinha a saltar e correr», no fundo vivemos momentos de completa liberdade de movimentos. Momentos em que nos libertamos e nos tornamos mais nós próprios.

Outra dimensão deste jogo, foi o resultado final: como é possível? Meia dúzia de pessoas que até não têm um talento especial para arte e no final da construção das suas

teias era arte. Todos nós ficamos espantados, era bonito o que tínhamos criado, afinal será que cada um de nós não é um pouco artista? [...] (A7-F8: 615);

- “(…) não são necessários grandes meios para atingirmos o que desejamos, mas sim dar asas à nossa imaginação e comunicar aquilo que pretendemos consoante o que temos.” (A7-F6: 652);

- [...] Nos trabalhos de grupo gerados em pequenos momentos, surtiram peças muito interessantes do dia-a-dia, que tiveram a contribuição de cada um de nós e das diferentes percepções que aqueles objectos despertavam em nós.

É bastante enriquecedor partilhar ideias, opiniões e daí resultar algo «bonito».

Cada vez mais a sociedade nos «obriga» a sermos competitivos, egoístas e penso que o que falta ao ser humano é deixar de ser manipulador e centralizador de tudo e passar a partilhar com os outros, nomeadamente o que é comum a todos: o pensamento. [...] (A7- F7: 369);

- “(…) existem simples coisas que aparentemente me passavam ao lado e no entanto, agora eu sei, que podem ter grande valor, dependendo da capacidade de observação, de atenção e da conotação que cada um lhe atribui.” (A7-F9: 654);

- “Interessante foi o facto de em tão pouco tempo todos os grupos terem imaginado algo engraçado, e que todas essas representações possam gerar a discussão sobre temas problemáticos da sociedade.” (A7-F7: 666);