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CAPÍTULO II QUADRO TEÓRICO

2.3. Expressão dramática como modelo de «expressão-acção»

Para se entender as actividades dramáticas baseadas nas práticas de «expressão- acção» é necessário situá-las no tempo e no espaço, sobretudo no espaço geográfico que nos conduz ao Quebec, no Canadá, onde, sobretudo sob a influência das teorias personalistas ou humanistas da psicologia americana, se chamava a atenção para “o pouco espaço deixado à subjectividade, a liberdade e o sujeito na educação” (Bertrand 2001: 41).

As décadas de 70 e 80 foram marcadas pelas correntes não directivas que evoluíram para uma concepção interactiva da formação, onde o trabalho em equipa tinha essencialmente como finalidade o desenvolvimento individual. De acordo com Bertrand (2001), um conjunto de documentos de onde se destacam «L`activité éducative» e «Opération départ», ambos publicados em 1971, são determinantes na altura, considerando que a

[...] educação deve incidir nos profundos recursos do ser mais do que na aquisição de um saber cultural e técnico, posto que o desenvolvimento da personalidade importa mais que a aquisição de um conteúdo (…) o ensino deve favorecer, nas crianças e nos estudantes, o desenvolvimento da criatividade, da imaginação, da expressão espontânea, da autonomia pessoal, da faculdade de auto-avaliação e do julgamento. [...] (Bertrand 2001: 56)

A influência de Rogers (1985) nesta fase é determinante, baseada no seu trabalho e na sua experiência como psicoterapeuta, dedicado à evolução da personalidade e do

comportamento no sentido de um desenvolvimento da pessoa, o que veio a influenciar a sua concepção de educação não directiva, centrada na pessoa.

O autor descobriu que a transformação pessoal era facilitada quando o psicoterapeuta exprimia abertamente os sentimentos e as atitudes (congruência), acompanhada por uma atitude calorosa, positiva e receptiva (consideração positiva incondicional) e ainda pela compreensão, pela sensibilidade aos sentimentos e às reacções pessoais que os pacientes experimentam (empatia).

[...] Quanto mais o paciente captar o terapeuta como uma pessoa verdadeira ou autêntica, capaz de empatia, tendo em relação a si um respeito incondicional, tanto mais ele se afastará do modo de funcionamento estático, fixo, insensível e impessoal, e se encaminhará no sentido de um funcionamento marcado por uma experiência fluida, em mudança e plenamente receptiva, dos sentimentos pessoais diferenciados. A consequência deste movimento é que se dá uma evolução da personalidade e do comportamento no sentido da saúde e da maturidade psíquicas e das relações mais realistas com o eu, os outros e o mundo circundante. [...] (Rogers 1985: 68)

A concepção rogeriana da terapia e da relação de ajuda teria posteriormente um grande impacto na educação considerando a aprendizagem experiencial, em que existe um clima propício à resolução de problemas e em que o professor desempenha essencialmente o papel de facilitador na aquisição de conhecimentos, actuando com autenticidade, aceitação e compreensão, ao mesmo tempo que estabelece uma relação de confiança com os alunos, como condição necessária para que ocorram aprendizagens significativas.

Rogers (1984), baseando-se na investigação de Aspy, mostra que existe uma correlação evidente entre as condições de facilitação do professor e os resultados escolares dos alunos. Os alunos de professores que apresentam condições de facilitação em alto grau têm tendência a tirar um proveito máximo do que aprendem.

Também o «aprender fazendo» veio influenciar significativamente este modelo de prática dramática, onde a qualidade da experiência na sua relação com o meio é considerado, segundo Dewey (1971), um factor fundamental na aprendizagem. Os princípios de continuidade da experiência (continuum experiencial) e interacção (condições internas e externas que caracterizam a situação) são os princípios que determinam o valor educativo da experiência onde a “mais importante atitude a ser formada é a do desejo de continuar a aprender” (Dewey 1971: 42).

Como refere Gambôa (2004), para Dewey, a educação é considerada como crescimento porque estando o sujeito em acção e em interacção com o meio, a actividade educativa é uma manifestação da própria vida, que se prolonga ao longo de toda a existência.

Criada e desenvolvida por Barret (1976), na Universidade de Montréal, a expressão dramática como tendência que se enquadra no modelo de «expressão-acção», reflectiu as influências descritas anteriormente, tendo contribuído decisivamente para a sua integração no sistema educativo do Quebec, através da elaboração dos programas para os níveis de ensino elementar, básico e secundário, ao mesmo tempo que alargou a sua acção intervindo directamente na formação de professores a nível superior, destinada a assegurar as qualificações necessárias à aplicação dos referidos programas.

Esta actividade dramática caracteriza-se por definir os seus objectivos em termos de desenvolvimento do indivíduo, desenvolvimento de si mesmo, desenvolvimento da relação com o outro/outros, desenvolvimento da relação com o que o rodeia, da relação com o mundo, situando a pessoa no «aqui e agora» e considerando a expressão como um motor da aprendizagem.

Integra-se numa concepção expressiva das artes por oposição a uma concepção técnica e puramente artística, de acordo com Barret (1986a), que estabelece uma acentuação dirigida para o processo e não para o produto, como já tivemos oportunidade de constatar anteriormente, traduzindo-se numa pedagogia centrada nos aspectos qualitativos da situação pedagógica.

O indivíduo age com independência, o que lhe permite a integração e adopção de atitudes que se caracterizam pela neutralidade como “garantia da coexistência dos extremos, dos opostos” (Barret 1979: 185). Encontramos também referências à neutralidade em expressão dramática com o emprego do termo «estrutura neutra» de acordo com Maréchal (1980). Segundo o autor, é uma actividade de reconhecimento que activa uma tomada de consciência individual e colectiva em certos momentos da evolução de um grupo “tendo um discurso baseado no vivido socio-pedagógico imediato.” (Maréchal 1980: 4)

O aspecto lúdico reveste-se também de grande importância estando o exercício desta actividade estreitamente ligada à noção de prazer, influenciando a aprendizagem que

se caracteriza por uma espécie de sentimento de abertura e descontracção, como situação propícia à realização de “auto-aprendizagens específicas na situação de aprendizagem colectiva, onde todos os caminhos convergem e divergem, incluindo o itinerário do professor” (Barret 1982: 2).

As concepções de teatro e expressão dramática, neste modelo, são dificilmente conciliáveis, visto que no teatro o actor joga um papel e num ateliê de expressão dramática a pessoa «joga a sua vida». Segundo Lefebvre (1982), a arte dramática está relacionada com as aprendizagens extrínsecas que consistem na aquisição de aptidões expressivas e teatrais, tendo em vista uma representação (importância dos signos), enquanto a expressão dramática tem por finalidade aprendizagens intrínsecas que consistem no desenvolvimento de aptidões expressivas e comunicacionais que conduzem à auto-realização (importância de sentido).

Na mesma linha vão as afirmações de Lachance (1982), pondo em evidência na prática de expressão dramática o uso do corpo enquanto via de recepção e de transmissão, sem uma preocupação final, enquanto o teatro se serve do corpo para servir a interpretação e chegar ao público.

No entanto pode pôr-se em questão esta fronteira e questionar se a expressão dramática não pode fazer uma ligação com a arte dramática e se esta não deve estar integrada na outra. Maréchal (1982) defende que não se deve fazer uma selecção, nem estabelecer uma hierarquia entre elas, pois “a expressão dramática permanece a intuição pedagógica essencial; o teatro, um ponto de vista crítico importante” (Maréchal 1982: 54).

O dicionário Grand Robert (1985) passou a partir desta data a reconhecer a expressão dramática como “meio de desenvolvimento ou de enriquecimento pelo teatro e, por extensão, pela actividade (drama) lúdica num processo de aprendizagem colectiva” (Grand Robert 1985: 321), seguindo-se uma definição de Barret:

[…] Como a sua etimologia indica, a expressão dramática é uma pedagogia da acção. Considerando o homem como sujeito e objecto da sua própria investigação, ela responde aos dois pólos mais importantes da sua existência: a expressão de si e a comunicação com o outro. Neste sentido, ela coloca o vivido como valor primordial da condição humana. Pedagogia viva e «em movimento», ela ocupa um lugar específico substituindo o saber e o saber fazer pelo saber ser. Assim o aluno «aprende-se» e faz com os outros, a aprendizagem da vida. […] (Grand Robert 1985: 321-32