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CAPÍTULO II QUADRO TEÓRICO

2.9. Teatro infantil como modelo de «teatralização»

A «teatralização» como modalidade de actividade dramática está intimamente relacionada com a concepção de um produto artístico, geralmente com uma opção estética associada, concebida por actores, amadores ou profissionais, e dirigidas a um determinado público-alvo.

No campo da formação de professores quando falamos nesta modalidade dramática, estamos a falar do teatro de criação dirigido a crianças e interpretado por actores adultos, com um conteúdo artístico sensível aos problemas da psicologia infantil, de acordo com Deldime (1976), que destaca duas concepções evidentes neste domínio: uma que pretende explorar o universo maravilhoso e poético da infância e outra mais preocupada em transmitir elementos para a compreensão do mundo.

Segundo Deldime (1976) o teatro para crianças distingue-se quanto à sua natureza da seguinte forma:

- O teatro didáctico, caracterizado pela sua finalidade de informação e difusão de conhecimentos, visa instruir os espectadores sensibilizando-os para os problemas dos dias de hoje, baseando a sua intervenção numa cuidada preparação da interpretação, da cenografia e do ritmo da representação fazendo sobressair a forma sobre o conteúdo;

- O teatro moralizador, caracterizado pela sua preocupação em preparar as crianças para a vida em sociedade, de acordo com a moral vigente, confrontando-as com os problemas que os esperam na vida adulta;

- O teatro político, pretende desmistificar os heróis clássicos da literatura infantil apresentando personagens da vida real e provocar uma reacção à opressão do mundo actual, tendo em vista a sua transformação, agindo de forma realista e concreta relativamente às realidades sociais, em detrimento da imaginação abstracta e do maravilhoso;

- O teatro poético pretende sensibilizar para beleza, a delicadeza e a harmonia, considerando o teatro como uma arte e um modo de expressão, com uma elaboração cuidada da estética dramática, para transmitir uma mensagem calorosa e feliz que toque a sensibilidade infantil;

- O teatro lúdico procura apresentar espectáculos tendo o jogo como componente essencial, constituindo um momento de distracção e de apelo à imaginação das crianças, ao seu sentido ético e estético, utilizando a música como reforço da expressão dos intérpretes, actuando geralmente com personagens integrados no público, como incentivo à participação dos espectadores.

Como refere o autor, existe uma

[...] oposição inegável entre um certo teatro «reaccionário» de recuperação moralizadora e um outro denunciador da verdade admitida pela cultura «burguesa». Antinomia ainda entre o realismo do didactismo e a poesia do maravilhoso e da imaginação. Fronteiras comuns porém entre a poética, o lúdico e o educativo, entre o moralizador e o relaxante, entre o instrutivo e o divertido. [...] (Deldime 1976: 19)

De acordo com o mesmo autor, a transmissão de um determinado conteúdo de acordo com os objectivos da mensagem a transmitir, vai reflectir-se na escolha de uma linguagem teatral, que segundo o mesmo autor, recorre aos seguintes processos de criação:

- O teatro de adaptação procura conjugar a escolha de uma história e a sua transposição teatral o que exige uma definição das linhas gerais da acção teatral, o cuidado posto no ritmo e na forma do espectáculo, na sua composição plástica, no tratamento dos personagens;

- O teatro de criação destina-se a um público infantil e é geralmente o resultado de um trabalho colectivo que se vai adaptando e aperfeiçoando com o decorrer das sessões, partindo de uma ideia mobilizadora ou tema central. Constrói-se um guião baseado na improvisação e na criatividade dos actores, que fazem posteriormente a ligação entre os vários elementos;

- O teatro de animação tem por base um trabalho aprofundado entre uma equipa de actores e um grupo crianças partindo destas as ideias para a criação e realização de um produto artístico, que resulta num processo global de animação teatral em que elas são os protagonistas;

- O teatro de improvisação faz um apelo directo à imaginação e participação das crianças durante as representações a partir de temas sugeridos pelos actores.

Para além das opções relativamente à linguagem teatral, importa ter em conta, de acordo com Deldime (1976), as condições de realização dos espectáculos, evitando-se os públicos numerosos e privilegiando-se as cenas em forma de «esfera», com a assistência distribuída à volta do palco, dado que o afastamento da cena influi na relação de empatia das crianças com os personagens.

Importa também ter em conta, segundo o mesmo autor, que as crianças preferem as representações que concentram a sua atenção em vez de despoletarem a sua excitação; que as intrigas complicadas dispersam a sua capacidade de assimilação; que a multiplicação das sequências influencia negativamente a compreensão geral; que o simbolismo dos personagens e a linguagem metafórica são frequentemente mal percebidos e que os efeitos secundários distraem muitas vezes a atenção dos aspectos essenciais.

Por outro lado, Deldime (1976) chama a atenção para determinados aspectos que influenciam positivamente as crianças no decorrer das representações, sabendo que:

- As cenas que mais as impressionam caracterizam-se pela sua carga afectiva; - A punição dos personagens negativos provoca uma libertação catártica; - As intervenções mágicas possibilitam a evasão;

- Existe uma identificação com os personagens positivos;

- Existe uma grande sensibilidade para as atitudes sociais positivas.

Outros aspectos, de acordo com o mesmo autor, reforçam a percepção das crianças relativamente às representações, como a figura do animador ou do contador de histórias, que dialogando com elas durante os espectáculos, lhes permite conhecer melhor os elementos da linguagem teatral, assim como, aqueles que beneficiam de uma preparação anterior, verbal e colectiva, assimilam melhor as mensagens destas práticas dramáticas.

A iniciação das crianças nestas actividades, como qualquer outra acção educativa, deve fazer-se de forma contínua e assimilada, dado que

[...] o problema fundamental do teatro para a infância consiste em poder traduzir em linguagem dramática a atmosfera de um texto, de um cenário, mesmo até de uma sinopse e de ter a prova (…) de ter sido compreendido pelas crianças-espectadores. [...] (Deldime 1976: 70)

Beauchamp (1991) defende que os programas de formação de professores devem contemplar uma prática teatral activa, com a participação directa dos alunos na produção de espectáculos, como um projecto artístico colectivo distribuído por várias tarefas, como actor, dramaturgo, encenador, funções técnicas na composição plástica e sonora do espectáculo.

Os seus estudos envolvendo professores e alunos do ensino secundário do Quebec, em 1989/1990, inscritos em cursos opcionais de arte dramática, mostraram que o desenvolvimento pessoal é o aspecto essencial desta formação, proporcionando o reforço da auto-confiança e do prazer na apresentação pública, apoiado na expressão das emoções, na exploração de múltiplas facetas da personalidade e na compreensão dos seus próprios comportamentos.

Por outro lado, existe um fortalecimento do colectivo unido em torno de um projecto, em que o teatro, exigindo uma escuta e respeito permanente pelo outro, serve de elemento unificador do próprio grupo. “É a colaboração que funda o êxito que todos desejam. Numa cena, todos dependem de cada um, e cada um depende de todos. Não existe jogo, nem improvisação sem escuta. Não existe jogo sem o olhar para o outro” (Beauchamp 1991: 41).