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CAPÍTULO II QUADRO TEÓRICO

2.2. Modelos de intervenção das práticas dramáticas na educação

As actividades dramáticas fazem hoje parte integrante do sistema educativo de vários países, incluindo o nosso, influenciadas em grande parte pelos estudos desenvolvidos em França e no Canadá, com particular ênfase no Quebec, sendo vulgar a utilização das designações de «expressão dramática», «jogo dramático», «arte dramática» ou «teatro» nos países de língua francesa enquanto nos países anglo-saxónicos os termos «drama», «developmental drama», «creative drama» ou «creative dramatics» fazem parte da designação mais generalizada de «educational drama» identificando-se todas elas com a pedagogia do jogo e a aprendizagem pela acção, como refere Barret (1984a).

As actividades dramáticas são então uma expressão pela acção, caracterizada pela relação com o vivido, variando entre a pessoa e a personagem, entre a realidade e a sua fabulação, como “uma actividade de ficção, um «como se» que coloca em jogo a pessoa e a sua percepção do real” (Saint-Jacques 1986a: 7).

As práticas dramáticas adoptam um conjunto de designações de acordo com as suas influências e que podem ser visualizadas com clareza no quadro proposto por Barret (1986a: 89):

Conceitos básicos de actividades dramáticas

Figura 1

A arte e a terapia ocupam os extremos, oscilando a expressão dramática entre um e outro, conforme as acentuações quer para o termo dramático, relacionado com o teatral, quer para a expressão, relacionada com as formas, as técnicas e as práticas de expressão.

Maréchal (1989) considera que relativamente ao campo específico da formação de professores, se deve promover o contacto com diferentes modelos de práticas dramáticas, tendo em consideração as especificidades de cada uma e de acordo com os seus objectivos. Propõe deste modo três grandes modelos de práticas: a «expressão-acção» (mise en action), a «dramatização» e a «teatralização».

Modelos de práticas dramáticas

O eixo do fictício está relacionado com o exercício da aptidão criativa que se manifesta num produto de uma actividade dramática, onde predomina a relação entre fábula e personagem, enquanto o eixo do lúdico se refere à atitude criativa da pessoa e da sua implicação na experiência, de acordo com Saint-Jacques (1986a).

A «expressão-acção» é constituída por um grupo de práticas que acentuam a

[...] implicação do participante (individual e colectiva), desenvolve-se numa atmosfera lúdica/expressiva integrando o participante no jogo enquanto «sujeito» e coloca a «pessoa» em evidência neste tipo de formação. O objectivo central é o de favorecer a implicação da «pessoa» enquanto «sujeito», do jogador como «ser presente» no mundo, acentuando-se nestas práticas a relação com a corporalidade. [...] (Maréchal 1989: 83)

Destacam-se neste modelo, de acordo com o autor, as noções de confiança, de competência, de empatia e de experiência entre professor e alunos, com uma presença directa na acção, que se desenrola em ateliê, seguida de um tempo de retroacção. As práticas associadas a este modelo foram desenvolvidas sobretudo por especialistas como Barret e Grotowski.

A «dramatização» é um modelo que se refere às actividades dramáticas onde “a intenção central baseia-se na utilização da palavra (…) nas práticas de improvisação baseadas na invenção de uma ficção ou ainda num discurso inscrito sobre o plano do social” (Maréchal 1989: 84). As práticas, individuais ou colectivas, desenvolvem uma “interacção entre o jogo, a escuta, o olhar (…). A acentuação é assim colocada na criação de um objecto que pode tomar a forma de um projecto espontâneo, imediato, ou de um discurso desenvolvido no interior do grupo” (Ibidem: 84), como teremos oportunidade de verificar no trabalho desenvolvido por Boal, Ryngaert e Monod.

As práticas relativas à «teatralização» desenvolvem-se

[...] na dinâmica ficção/concretização (realização) e apresentam-se em função de diferentes contextos de representação. O quadro de formação é aqui definido em função de condições materiais de produção, de escolhas de encenação e da relação dos mecanismos entre representação e difusão (…) A acentuação está colocada na constituição de um espectáculo, embora este possa ser apresentado ou sob a forma de demonstração (exercício pedagógico) ou como acontecimento artístico autónomo. [...] (Maréchal 1989: 85)

Sendo as práticas, a este nível, numerosas entre encenadores e formadores, o autor acrescenta que devem criar-se condições para que os participantes possam experimentar os vários modelos conhecendo diversas perspectivas de abordagem das actividades dramáticas.

Encontrando também na diversidade e complementaridade dos diferentes modelos de práticas dramáticas a resposta mais adequada em termos de formação, Monod (1984a) propôs a sua integração no sistema de ensino de acordo com as seguintes modalidades:

- Enquanto modalidade de expressão/comunicação, num grupo de aprendizagem; - Enquanto área artística autónoma ou agrupada com outras áreas artísticas;

- Enquanto parceiro do sistema educativo, exterior aos estabelecimentos de ensino, através da acção cultural e da abertura da escola ao meio.

Entre a primeira modalidade e a última encontramos particularidades que as diferenciam nomeadamente em relação à visibilidade destas actividades no interior ou no exterior da comunidade escolar.

Salientando a importância do desenvolvimento das relações entre a escola e o meio onde se inserem, Nóvoa (1989) referiu que as modalidades de intervenção das práticas dramáticas formam um conjunto que se completa entre si, criando um espaço privilegiado entre o universo escolar e a comunidade, sendo o teatro um elemento fundamental para esta aproximação.

Segundo o mesmo autor, apesar de existir uma separação entre uma pedagogia da expressão artística e uma intervenção artística criadora, ambas se completam na acção educativa e são fundamentais, destacando “a importância educativa da expressão dramática na sala de aula, enquanto abordagem adequada a uma pedagogia da situação e do processo, enquanto instrumento pedagógico strictu senso” (Nóvoa 1989: 13) e a “importância cultural do teatro na escola, enquanto actividade coerente com a vida organizacional da escola, enquanto instrumento pedagógico lacto senso” (Ibidem: 13).

A questão sensível na abordagem à integração das actividades dramáticas na educação está relacionada com a perspectiva que diferentes práticas têm do processo ou do produto. Barret (1979) considera o processo como uma opção dinâmica, caracterizada

principalmente pelo movimento e pela energia, enquanto o produto é um resultado, uma consequência, um final que fixa o que o precede e onde se situa o que lhe deu origem.

Ryngaert (1985) defende, referindo-se ao jogo dramático, que as funções de jogador e espectador escapam à distinção tradicional de representação, sugerindo que no quadro da formação estas funções sejam ocupadas por todos os participantes, insistindo na reflexão sobre a capacidade de jogo como forma de considerar as complexas relações existentes entre processo e produto.

Uma das possibilidades será a de encontrar formas de apresentação que variem segundo as propostas dos grupos considerando “a abertura a um público como uma possibilidade, não como alvo a atingir a qualquer preço, nomeadamente em detrimento dos indivíduos” (Ryngaert 1985: l4).

A questão coloca-se sobretudo na relação com o olhar exterior, como refere Barret (1979), quando ao examinar os mesmos sinais lhes dá um significado único que os transforma em obra de arte com consequências para aqueles que se exprimem, negando a sua expressão em favor da produção de uma obra.

Por esse motivo, a mesma autora defende uma prática na qual todos os elementos do grupo joguem simultaneamente em actividade, não divididos entre observadores e observados.

Investigações realizadas a este propósito mostram que

[...] logo que a pessoa em actividade dramática reage à situação com o sentimento de ser julgada por outra, com o medo de ser, ou julgando-se ridícula, ela afasta-se do seu centro interno de avaliação. Ela não está mais em contacto com o sentimento de ser uma actualização das suas potencialidades. Ela está submetida ao olhar do outro. [...] (Saint- Jacques 1986: 15)

A autora conclui que em relação à questão do impacto do olhar do outro, a expressão dramática, segundo o modelo desenvolvido por Barret (1976), é a intervenção mais apropriada para a aprendizagem da linguagem dramática, o que é favorecido pela atitude não directiva do professor, através de uma pedagogia do indirecto e do colectivo, o que cria condições para a emergência de uma atitude lúdica no participante.

É necessário precisar que isto não significa que o olhar esteja completamente ausente em expressão dramática. O que não é privilegiado é o olhar do espectador, o olhar objectivo, examinador, que julga e avalia, segundo Barret (1986b).

Parece-nos, com base na experiência tida ao longo dos anos, quer como professor, quer como participante em diferentes práticas dramáticas, que esta questão pode e deve ser gerida no interior do grupo de formação.

A relação com o olhar exterior depende de vários factores, entre eles, o nível de formação, o tempo de formação, a natureza do grupo de trabalho, a implicação dos participantes. Em qualquer das situações a sua abordagem deve ser progressiva e diversificada nas propostas de trabalho.