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As considerações apresentadas são referentes à condução das ferramentas do Método BPI – Técnica de Dança, Técnica dos Sentidos, Laboratórios Dirigidos e Registro – e das estratégias utilizadas nestes encontros com as crianças. Os dados revelam que a prática do Método Bailarino-Pesquisador-Intérprete com este grupo obteve resultados positivos para o desenvolvimento corporal destas crianças nos aspectos artístico e pessoal.

Durante a atividade com as crianças, foram levantados dados importantes sobre o grupo, tais como:

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2. Imaginário atrofiado: capacidade enfraquecida de representar com caráter imaginativo as percepções corporais.

3. Descuido com o próprio corpo e com o corpo dos outros; 4. Capacidade de relacionar-se corporalmente enfraquecida.

Estes dados sugerem travas no corpo das crianças. Percebemos que o trabalho com a Técnica dos Sentidos encontrava este obstáculo, assim como a liberação de um corpo expressivo e original em movimentos. Os estudos sobre desenvolvimento humano destacam a capacidade da criança em se expressar via movimento e pelo brincar despreocupado. A capacidade da criança de se expressar pelo brincar tem início no momento em que ela ainda é um bebê.

O bebê50 ao nascer é um corpo de pura comunicação expressiva e é isto que o mantém vivo. A relação bebê/mãe51 é a fonte primordial da inserção da criança no mundo enquanto socialização. O choro do bebê e as investidas contra o seio da mãe são formas de ele revelar o seu interior, comunicar suas necessidades básicas de sobrevivência, suas fantasias primárias e sentimentos mais arcaicos. O bebê experimenta diversas formas de frustração52. Neste percurso, ele encontra meios de lidar com esta frustração por meio do brincar e da substituição simbólica. Winnicott (1975 p. 63) enfatiza que “pelo brincar, a criança apresenta as ideias que ocupam sua vida” e, na medida em que a infância avança com saúde53, a criança pequena54 apropria-se cada vez mais do brincar como meio de comunicação.

50 Até 2 anos.

51 Ou qualquer outra pessoa que exerça a figura materna.

52 Algumas frustrações do bebê: desmame, distância da mãe, dificuldade na mamada.

53 Winnicott (1990) considera saúde psíquica e saúde física separadamente, sendo que ambos podem

afetar o desenvolvimento da criança gerando doenças que ele divide em somáticas e da psique.

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Melanie Klein55 percebeu que o brincar é uma forma de a criança “estar no mundo, ocupando boa parte da vida infantil por meio da qual a criança representa simbolicamente suas fantasias e ansiedades” (BUSCHINELLI e NETO, 1999, p. 4). Por meio do desenho, da brincadeira, da ação e da gestualidade a criança comunica sua experiência emocional. “O corpo fala e os olhos ouvem, muito antes de a boca aprender a articular palavras” (GAIARSA, 1984, p. 19).

A criança se utiliza da linguagem do brincar para apreender novas situações, elaborando psiquicamente vivências de seu cotidiano e possíveis conflitos internos. Dessa forma o brincar facilita o acesso à atividade simbólica, já que através dos jogos simbólicos a realidade externa pode ser assimilada à realidade interna, Podemos dizer que a criança se apropria de experiências dolorosas através do brincar, esse espaço de ilusão situado entre o real e a fantasia. (JUNQUEIRA, 1999, s/p, online)

Com o desenvolvimento natural da condição humana, o brincar vai tomando outras características e qualidades. Na teoria freudiana (D’ANDREA, 2012), na época da “fase de latência”, a criança já apresenta um superego incorporado a sua vida psíquica, o Complexo de Édipo está em declínio e a criança busca o convívio social e grupal. Apresenta sentimentos de pudor, repugnância, rejeição e aspirações morais e estéticas, sabe distinguir realidade da ficção. Observa-se que o brincar despreocupado dá lugar para os jogos em grupos, atividades esportivas e artísticas, entre outros.

Entretanto, consideramos que esta nova configuração do brincar e a distinção entre ficção e realidade conquistada pela criança não se equivalem à perda da capacidade de imaginar e criar, pois nas crianças “a criatividade se manifesta em todo seu fazer solto, difuso, espontâneo, imaginativo, no brincar, no sonhar, no associar, no simbolizar, no fingir da realidade e que no fundo não é senão o real” (OSTROWER, 1987, p. 127).

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Ostrower56 (1987) considera que o homem é um ser consciente-sensível-cultural. Para a autora, todo o ser humano nasce com um potencial de sensibilidade, consciente de sua existência individual e social, agindo culturalmente - apoiado na cultura e dentro de uma cultura. A autora trata o realismo pela adoção dos padrões expressivos vigentes em determinado contexto cultural, sob influência direta das normas culturais e dos valores do mundo adulto. Para a autora, essa forma de ver o mundo e de se expressar a partir dos padrões culturais torna-se evidente na criança na fase que antecede a puberdade. A autora também enfatiza que a criatividade na criança pode ser estimulada e que esta depende do modo como é incentivado este potencial e dos comportamentos desejáveis para a criança.

Com base nesses autores, consideramos que a criança nasce com um potencial criativo, observado no seu brincar. Ao considerar que o brincar é a forma que a criança pequena encontra para comunicar seu mundo interior, podemos concluir que ela cria para se expressar. Para instaurar um processo criativo – brincante – é preciso imaginar.

Entretanto podemos ponderar pelos estudos que, conforme a criança se desenvolve, seu modo de expressar altera-se de acordo com os valores estéticos e com o modo de representação realista dos adultos que convivem com ela. Desta forma, sua capacidade imaginativa e criativa é afetada, interferindo na sua forma de brincar, na sua expressão. Ao nos voltarmos para as crianças participantes desta pesquisa, defrontamos com um grupo com dificuldades de desfrutar seu potencial imaginativo, algo que interferia, consideravelmente, na sua criatividade e expressividade. Levando em conta que os participantes tinham idades entre 7-8 anos, agregam-se as diversas nuances da inserção nos grupos e na afirmação dos padrões e valores culturais de cada criança.

Como no Método BPI, o trabalho com a imaginação é parte integrante do trabalho corporal da Técnica de Dança e dos Sentidos e de todo processo criativo, foi

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necessário o resgate do ato de imaginar. Encontramos no brincar o caminho primário nesta busca pelo imaginário.

Winnicott (1975) diz que o brincar envolve o corpo e seus movimentos. Schilder (1999) diz que a percepção está ligada às ações do corpo. E, conforme Achterberg (1996, p.9 APUD RODRIGUES, 2003, p. 81), a imaginação é “o mecanismo de comunicação entre a percepção, emoção e mudança corporal”. No processo BPI, a integração de corpo, movimento, emoção e percepção é a liberação do processo criativo. Consideramos que o brincar da criança envolve todos estes aspectos do trabalho, algo que nos leva a destacar a importância do resgate do brincar, no sentido pleno de sua concepção.

O fluxo dos sentidos do Método BPI foi exercitado através da atitude criativa instaurada pela brincadeira. Desta forma, observamos que o brincar revelou-se um aspecto indissociável da prática corporal do Método BPI para crianças, pois desperta as condições de imaginação, criatividade e expressão em seus corpos.

O brincar é essencial às crianças e nos revela, de diversas formas, que tem poder terapêutico natural, além de constituir auxílio na boa formação infantil, nas esferas emocional, intelectiva, social, volitiva e física. Esquecer-se do brincar é também se esquecer de viver com qualidade de vida, e, ao oferecermos às crianças a possibilidade de brincar, oferecemos muito mais do que um ato em si mesmo, visível aos olhos, estendemos uma perspectiva de vida melhor, um desenvolvimento mais natural e eficiente, uma socialização decorrente de tão-somente brincar, e ainda mais, a possibilidade de se reconhecer como ser, na terapia constante do expressar e concretizar criativamente os recursos internos que dispomos. (SIQUEIRA NETO, 2002, p. 18)

A utilização do brincar com as crianças junto às ferramentas do Método BPI - Técnica de Dança, Técnica dos Sentidos, Laboratórios Dirigidos e Registros - possibilitou que resultados corporais positivos para o desenvolvimento artístico e pessoal deste grupo fossem alcançados.

160 Observamos que as crianças:

 Despertaram seus corpos;

 Adquiriram noções de cuidado e respeito;

 Romperam com padrões de movimentos colocando-se em novas possibilidades de mover-se e de encarar o corpo;

Entraram em contato com aspectos do eixo Inventário no Corpo.

Os estudos de Seymour Fischer sobre Imagem Corporal demonstraram que “quando a pessoa se movimenta e adota novas posturas, as partes do seu corpo mudam de forma e magnitude” (RIBEIRO, 2009, p. 57). O trabalho corporal constante e direcionado para a percepção do corpo fortalece a sensação da superfície da pele, da musculatura e dos órgãos internos. Desta forma, a percepção que a pessoa tem de si é mais íntegra e acurada, o que modifica consideravelmente a forma como ela se vê, ou seja, a imagem que ela tem de si mesma.

Os desdobramentos da condução das ferramentas do Método Bailarino- Pesquisador-Intérprete pelo brincar auxiliaram na prática corporal com as crianças no que diz respeito ao desenvolvimento da imagem do corpo. Tavares (2003, p. 79) aponta que “desenvolver a imagem corporal” enfoca, dentre aspectos diversos, os seguintes pontos: aumentar a percepção de partes do corpo, reconhecer e valorizar as sensações corporais, reconhecer o corpo como ele realmente é; descobrir as possibilidades do corpo ampliando as possibilidades de ação, entre outros.

Estes pontos foram abordados ao longo deste capítulo a partir da resposta corporal deste grupo de crianças à prática de aspectos do Método BPI, o que inclui a percepção das partes e da totalidade corporal e a validação das sensações corporais. Estes pontos refletem diretamente no desenvolvimento da imagem corporal destas

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crianças, pois as sensações corporais são o eixo articulador das referências corporais, sejam elas culturais, afetivas, libidinais ou fisiológicas (TAVARES, 2003).

Tavares (2003, p. 81) diz que “toda sensação é individual, singular, pertinente a um sujeito determinado. O sujeito constrói sua identidade corporal baseada na vivência de suas sensações”. Desta forma, uma prática corporal que aborda o reconhecimento das referências corporais por meio das sensações corporais está em íntima relação com a construção e o fortalecimento da identidade corporal. A Prof.ª Graziela Rodrigues (2003, p. 94) diz:

O principal objetivo do trabalho corporal proposto é possibilitar uma geração de movimentos que considere as relações sociais e culturais, onde as sensações e percepções sejam assumidas pela pessoa que o realiza porque são conhecidas como verdades do corpo dela.

Desta forma, destacamos nesta investigação que o Método BPI para criança propõe uma prática que reconhece o brincar no sentido pleno de sua função, como ponte para o desenvolvimento corporal dos sujeitos participantes. Uma prática que toca no desenvolvimento da imagem corporal e na construção da identidade corporal ao propor um contato singular com as sensações e movimentos corporais.

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REVERBERAÇÕES

NO

CORPO

DA

BAILARINA-

PESQUISADORA

Neste capítulo, abordarei questões pertinentes ao meu desenvolvimento artístico e pessoal a partir do meu contato com este grupo de crianças. Destaco as reverberações desta experiência no meu processo corporal e minha aprendizagem no papel de diretora do Método BPI. O capítulo aborda desde os laboratórios anteriores à atividade com as crianças até os realizados no 1º semestre de 2014, tendo como foco o desenvolvimento da Personagem Menina e de suas modelagens corporais.

Acreditamos ser de suma importância relatar o desenvolvimento do meu processo corporal, pois no Método Bailarino-Pesquisador-Intérprete valoriza-se o lugar de encontro57: na metáfora de se encontrar ao estar em um lugar de achado consigo e com o outro, que promove uma confluência, um contato corpo a corpo, uma troca. Este encontro com o outro ocorre tanto com um mundo fora da sua realidade circundante, nas pesquisas de campo, como no contato com o diretor, que se dispõe a descortinar junto com o bailarino este lugar de encontro. Desta forma, relatamos que esta pesquisa proporcionou uma prática corporal que valoriza o espaço para encontro com as crianças, cabendo aqui o contato das crianças com seu corpo e da pesquisadora com as crianças. Estar atento ao próprio corpo, nas nuances que permeiam o contato e o que ressoa, é parte integral do trabalho no Método BPI.