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FERRAMENTA: Técnica de Dança

PARTES SUPERIORES

A firme base estruturada nas raízes do mastro possibilita que as partes superiores da coluna, tronco e membros gerem uma oposição quanto à direção de sua expansão e integrem as distintas partes do corpo, evidenciando o corpo- mastro com sua bandeira. (RODRIGUES, 1997, p. 51)

Coluna: toda a extensão da coluna foi contemplada por meio do trabalho das

posturas do corpo e por meio do movimento de torção, enfatizados em oito encontros.

Posturas: foi apresentada a gama de mobilidade que a coluna proporciona por meio da realização de posturas distintas: vertical, perpendicular, abaulada, horizontal e inclinada para trás. Em dois encontros, foi explorado o dinamismo destas posturas. As posturas mais utilizadas durante toda a atividade foram a vertical e a horizontal.

Postura de boi: refere-se à postura que os foliões de boi mantêm ao investir-se da carcaça nas festividades. Neste trabalho, a postura foi estabelecida mantendo o quadril flexionado para frente num ângulo de 90°; uma mescla da postura horizontal com um leve abaulado.

Torção: o trabalho da torção da coluna foi conduzido com o auxílio da boneca para enfatizar a oposição do corpo nesta qualidade de movimento: a boneca estando na mão direita, próxima ao osso do esterno, seguindo na direção frente-diagonal-esquerda, retornando ao peito, provocando um princípio de torção. O mesmo foi realizado com a boneca estando na mão esquerda e seguindo para a direção frente-diagonal-direita. Para aumentar o grau de torção, foram acrescentadas as partes inferiores em oposição à cintura escapular. A integração da boneca com o movimento surgiu quando ocorreu a ocupação da ação no espaço e, com isso, foi proposto às crianças que mostrassem as paisagens do caminho para ela (como se a boneca pudesse ver o que elas imaginavam). É importante ressaltar que o trabalho de torção é próprio do Método BPI, mas que a utilização da boneca para auxiliar a condução do trabalho foi elaborada especificamente neste projeto.

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Cintura escapular: foi trabalhada em sete encontros com ênfase nos seguintes

movimento e estratégia:

Pulso do esterno: pulso pendular frente-trás do esterno característico da matriz de movimento realizada pelos índios e pajés em algumas manifestações de boi do Maranhão.

Tecido-Bandeira: o mastro, servindo como provocador do imaginário, traz embutido em sua forma o sentido simbólico da polaridade “terra e céu”, com uma base firme e aterrada e um cume assentando o sagrado. As bandeiras, por sua vez, carregando as imagens de santos de devoção, tanto no cume dos mastros quanto nos estandartes à frente dos cortejos, trazem o sentido de proteção. Para reforçar a incorporação destes elementos, foi utilizado um tecido, além do tecido-rabo, que seria mantido à frente do corpo, na altura do esterno, nomeado neste trabalho de “tecido- bandeira”.

Braços e mãos: neste trabalho, as mãos e os braços tiveram a função de

auxiliar no desenvolvimento de outros conteúdos das Técnicas de Dança e dos Sentidos, exercendo as seguintes atividades:

. Manipulação de objetos; . Manipulação da argila;

. Auxílio na compreensão da ventosa no corpo;

. Auxílio na incorporação dos chifres e no movimento da cabeça e do pescoço.

Cabeça e pescoço: a ação da cabeça com o movimento do infinito na articulação do pescoço foi o principal agente na incorporação do corpo com chifres do boi.

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Fatores Essenciais da Linguagem

Os sentidos no corpo, o pulso, os atos de impulsionar e pontuar até a aquisição do dínamo caracterizam uma abordagem presente em distintas manifestações da cultura popular. (RODRIGUES, 1997, p. 75)

Tônus: foi trabalhado em dois encontros, com auxílio da manipulação de argila

para ativar a musculatura dos braços e sensibilizar as mãos, trazendo o referencial destes dois elementos trabalhados (intensidade de força e sensibilidade) para todo o corpo. Os exercícios trabalhados com o grupo foram: Modulação do tônus: distribuí dois pedaços de argila para cada criança. A indicação foi para que, com as mãos, elas amassassem e dedilhassem a massa. Em seguida, pedi que apertassem a massa com o máximo de força que conseguissem, usando a força não só das mãos e dos braços, mas atuando com o corpo todo. Depois, pedi que, lentamente, fossem diminuindo a força até o ponto de quase caírem no chão.

Torções das extremidades do corpo: com dois pedaços de argila as crianças deveriam iniciar a ação de torcer com os braços e com as pernas para dentro (en dedans) e para fora (en dehors), utilizando o apoio das bordas internas e externas do pé.

Pulso: o pulso pendular frente-trás do esterno foi trabalhado em dois encontros.

Este pulso dialoga com a temática das Folias de Boi, pois caracteriza a matriz de movimento realizada pelos índios e pajés em alguns sotaques desta festividade. Foi conduzido da seguinte forma: “em duplas, a indicação foi para que elas se aproximassem e dessem um abraço, sendo que as bonecas de cada criança ficariam espremidas entre seus corpos, na região do esterno. A partir disso, o movimento do tórax, iniciado pelo esterno, seria de comprimir, simultaneamente, e neutralizar a pressão, mantendo o abraço e alternando as intensidades. Indiquei que acelerassem o movimento e, logo em seguida, pedi que elas fossem soltando o abraço, mantendo o ritmo, o movimento e o pulso frente-trás,

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segurando a boneca e, por fim, transferindo a relação e o movimento para esta”. (Trecho retirado do Relatório de Atividade com as crianças).

Atos de pontuar, impelir e fluir: essas qualidades de movimento, que trazem o

dínamo quando integradas, foram trabalhadas em quatro encontros. Tiveram como base as seguintes indicações:

Dinâmica em roda: iniciei a atividade indicando “que batêssemos os pés num ritmo cadenciado com palmas. Integrando a ação de todo o corpo por meio do peso, foi criada uma dinâmica que se aproximava da matriz de movimento do Batuque37. Além das batidas, intercalei a cada repetição da frase rítmica o movimento de puxada do rabo em direção ao solo, provocando a descida da bacia, que quase se encostava ao chão, e retornando, em seguida, à postura vertical com o impulso dos ísquios para cima”. (Trecho retirado do Relatório de Atividade com as crianças)

Trajetória com o pé: consistiu em explorar e pontuar os apoios dos pés com ajuda das mãos no chão, intercalando com o impulso do corpo para fazer ora Aú38 e ora rolamentos do corpo no chão, retomando, com prontidão, o nível baixo e a ação dos pés, numa trajetória reta pelo espaço (de um canto ao outro da sala).

Elementos Confluentes do Percurso Interno

O trabalho com esses elementos teve como foco apresentar as possibilidades de mobilização do corpo com sentido. Após o contato com estes elementos, busquei perceber o impulso do grupo em utilizá-los como apoio para o fluxo do trabalho emoção-sensação-movimento-imagem, que diz respeito à Técnica dos Sentidos, uma das ferramentas do BPI.

37 No Batuque os pés sapateiam, deixando no solo a força concentrada no movimento. (RODRIGUES,

1997, p. 48)

38 Aú: movimento de deslocamento da Capoeira também conhecido como "estrela". É utilizado como

esquiva contra golpes de rasteira e também para mudar a direção espacial e dar mais dinamismo ao jogo corporal.

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Tocar e Cantar: esses elementos foram apresentados ao grupo em quatro

encontros.

Canto do boi: o grupo estava preparado para iniciar um exercício de deslocamento que envolvia o “pé de boi” e a “postura de boi”. Pedi que as crianças aguardassem e ensinei uma canção a elas:

“Lá vai meu boi levantando poeira. Lá vai meu boi levantando poeira.”

Assim, elas teriam de cantar para quem realizava o exercício.

Toque das matracas: em roda, distribuí as matracas e expliquei sua finalidade e função dizendo que se tratava de um instrumento de percussão usado nas Festas de Boi do Nordeste do Brasil. Mostrei como segurar e tocar o instrumento. Junto ao toque, acrescentei o pulso frente/trás do esterno e o canto do boi. No meio da roda, coloquei um tecido florido e a máscara de boi da personagem Menina. Deixei livre para as crianças, uma por vez, entrarem na roda e dançarem usando ou não os objetos, enquanto as outras tocavam e cantavam.

Ritmo - Bater palmas: pedi que as crianças batessem os pés num ritmo cadenciado com palmas. Integrando, aos poucos, a ação de todo o corpo por meio do peso, foi gerado uma dinâmica que se aproxima da matriz de movimento do Batuque.

O ato de investir-se: por meio da utilização do tecido e da máscara, o corpo foi

ampliado e a sua imagem foi modificada. O “investir-se a fim de tornar-se outro” (Rodrigues, 1997) foi estimulado nas crianças com os seguintes elementos: Tecidos: tinham diferentes cores e texturas, possibilitando que cada criança buscasse o tecido que mais se aproximava de sua realidade corporal a cada encontro. Foram trabalhados de quatro formas diferentes:

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Tecido-rabo: além de ampliar a propriocepção da terceira base do corpo, tinha a função de incorporar o sentido e a imagem do boi ao corpo por meio desta investidura do “rabo-do-boi”;

Tecido-capa: serviu para trazer a referência da imagem do boi quando o corpo mantém a “postura-de-boi”; era a carcaça que cobre o boi para a festa;

Tecido-bandeira: os tecidos foram dobrados e segurados na frente do corpo, na altura do esterno, trazendo a imagem de proteção das bandeiras e dos estandartes;

Outros: utilização livre do tecido para criar novos objetos, adereços e adornos, podendo até interferir nas paisagens e cenários.

Máscara de Boi: além de ampliar a propriocepção do movimento da cabeça que possui chifres, foi utilizado para que a identidade das crianças fosse ocultada, possibilitando “que a mágica da investidura pudesse acontecer” (RODRIGUES, 1997, p. 95).

Construções de espaço-tempo: “o corpo unido ao espaço é fruto de um

caminho que conduz à sua própria inteireza” (RODRIGUES, 1997, p. 96).

Paisagens e Cenários da Personagem Menina: o espaço cenográfico da personagem possibilitou a estruturação de dinâmicas a fim de integrar imagens e sensações junto aos movimentos do corpo. As dinâmicas trabalhadas em seis encontros foram as seguintes:

. Liberação, pelo espaço, do movimento de uma parte do corpo trabalhada no encontro;

. Ação do corpo todo de dançar e explorar o espaço cênico; . Modificação dos caminhos e das travessias da personagem; . Construção de novos espaços e paisagens.

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Veio-me à mente a ideia de que seria interessante mostrar-lhes a diferença entre chutar as pedras, por não enxergá-las, e tirar as pedras do lugar, a fim de modificar o local . Assim, indiquei que elas poderiam modificar o espaço como quisessem. As crianças começaram a espalhar pedrinhas por todos os lados, criando mais caminhos, fazendo os buracos com pedras, entre outros. Em um determinado momento, pedi que me contassem o que tinham feito no espaço. Por fim, dei a elas um tempo para dançarem pelos caminhos modificados. (Trecho retirado do Relatório de Atividade com as crianças)

Cercado do Boi: foi utilizado como estratégia para estabelecer limites espaciais e na incorporação dos sentidos no corpo da figura do boi. Foi realizado em um encontro da seguinte forma: “Iniciei o encontro delimitando um espaço imaginário para o nosso trabalho, pois era necessário estabelecer limites para as crianças não mexerem em objetos, como as cadeiras do auditório, ou invadirem espaços impróprios (uma vez que nosso trabalho acontecia dentro de um auditório). Mostrei o entorno, que seria a margem da sala, nomeando e adjetivando-o como o “cercado do boi”. A área fora do cercado foi designada como uma floresta perigosa, lugar de morada de bichos que gostavam de pegar boizinhos, sendo nossa ida lá proibida”. (Trecho retirado do Relatório de Atividade com as crianças)

Roda e Mastro: foram utilizados como estratégia para a incorporação dos sentidos de cuidado e proteção para com a boneca e como uma estrutura imagética e sensível para o trabalho corporal. O trabalho com esses instrumentos foi realizado da seguinte forma e em apenas um encontro:

Cuidado e proteção: antes de iniciar o primeiro movimento, pedi às crianças que pegassem uma boneca e escolhessem um lugar no corpo para guardá-la39 a fim de protegê-la. Também pedi que imaginassem um mastro no centro da sala que teria a função de proteger a todos.

Estrutura imagética: os exercícios corporais iniciariam com o fincar de um mastro de proteção, que daria passagem para um cortejo com caminhos e

39 Esta indicação tem como referência a personagem Menina, que guarda sua boneca por baixo da roupa

na região do peitoral. O conteúdo emocional da personagem gira em torno do cuidado e da proteção do seu objeto.

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travessias intensas, finalizado num espaço (o dojo), onde aconteceria uma festa de boi.

Relações:

Relação com os objetos: durante as práticas corporais, foram trabalhadas a manipulação e a exploração de objetos. Três práticas foram realizadas com as crianças para estabelecer a conexão entre corpo e objeto: “1. Antes de dar abertura para o fluxo de imagens e ações com a Boneca, foi proposto um exercício de sintonia. Juntando as partes do corpo da criança com as partes do corpo da boneca – isto é, rosto da criança com rosto da boneca, braço da criança com braço da boneca, mão da criança com mão da boneca e assim por diante – pretendia-se construir a imagem da boneca vinculada à imagem do corpo da criança, visando estabelecer uma sintonia afetiva entre elas 2. Pedi às crianças que pegassem uma boneca e escolhessem um lugar no corpo para guardá-la40 a fim de protegê-la. 3. Iniciamos a sequência de movimentos primeiramente em duplas e, depois, cada criança executou a sequência com sua boneca. Assim, as crianças revezavam-se no trabalho ora em dupla, ora com a boneca, sucessivamente”. (Trecho retirado do Relatório de Atividade com as crianças)

Relação interpessoal: durante a prática, tivemos dinâmicas que evolveram o contato e a relação entre o grupo.

Vaqueiro-boi: em duplas, as crianças teriam de revezar-se nessa relação a partir das seguintes indicações: 1º Uma criança sendo vaqueira e a outra sendo boi; o vaqueiro tinha de estar atento para cuidar do boi, guiando-o por caminhos (imaginários); 2ª Uma criança sendo vaqueira e a outra sendo boi; o vaqueiro tinha de controlar o boi que se esquivava de seu cuidado.

40 É importante dizer que este exercício é constantemente realizado pela pesquisadora durante suas

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Dinâmicas em grupo: “a partir de um trabalho em duplas, com a boneca no meio dos corpos das participantes e do pulso frente-trás do esterno, indiquei que elas acelerassem o ritmo, movimento e o pulso frente-trás, segurando a boneca e, por fim, transferindo a relação que estava com a parceira para a boneca. Ao liberar o fluxo de movimento pelo espaço, percebi que as crianças, além de estabelecerem a relação com a boneca, interagiram entre si e, por isso, propus que elas enfatizassem esta relação e que também alternassem as duplas durante a movimentação. Desta forma, pude perceber a integração das relações criança-boneca, criança-criança e boneca-boneca”. (Trecho retirado do Relatório de Atividade com as crianças)