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O ato de aplicação e criação do direito como juízo de valor ético

No documento PERLA CAROLINA LEAL SILVA MÜLLER (páginas 80-82)

CAPÍTULO 3 O PAPEL DA ÉTICA E DA MORAL NO PENSAMENTO DE

3.4 O ato de aplicação e criação do direito como juízo de valor ético

Entendendo a Teoria Pura do Direito como a teoria de uma ciência jurídica pura, através da qual se procura identificar o que é o direito, ou melhor, o que é jurídico e válido dentro do espectro normativo do direito positivo, é possível constatar que a Ética e a Moral não irão ter, por razões lógicas de incidência do próprio princípio da pureza, qualquer influência sobre as proposições descritivas desta ciência jurídica.

Isto porque, a ciência jurídica pura, na forma como idealizada por Kelsen, não quer conhecer nada além do que seja revelado pelo próprio direito positivo, enquanto sistema ordenado de normas postas e vigentes em dado espaço e tempo.

A proposta da ciência do direito, para o professor de Berkeley, é de estabelecer, além dos princípios que norteiam o sistema jurídico, seus métodos próprios de descrição e classificação, seus pressupostos de validade e as regras de direito possíveis dentro do ordenamento jurídico, ou seja, as molduras normativas que se podem extrair do direito posto.

Não cabe ao cientista indagar além das possibilidades jurídicas de solução que o caso concreto apresenta, ponderando qual seja a forma mais justa ou ética dentre as possíveis.

Isto porque indagações deste viés filosófico, no âmbito da ciência do direito, por seu relativismo próprio, não permitiriam uma descrição científica confiável, com respeito ao que é jurídico ou não, podendo-se chegar a toda sorte de proposições descritivas, dado o caráter subjetivo que tais temas filosóficos carregam.

Todavia, se na ciência jurídica que se queira pura não é possível indagar sobre questões metajurídicas, como ética e moral, Kelsen não nega que tais questionamentos possam ser feitos em outro momento, qual seja, o de criação das normas jurídicas.

O ato de criação de normas jurídicas, seja pelo legislador ou pelo aplicador do direito, como visto anteriormente, é um ato de vontade, sujeito às influências filosóficas, políticas e culturais, que estão presentes no intelecto da autoridade legitimada pelo direito para inserir normas jurídicas no sistema.

Portanto, neste momento de criação de normas jurídicas, tanto o legislador quanto o aplicador do direito realizam verdadeira axiologia, exercem um juízo de valor quanto ao conteúdo da norma jurídica.

Al aplicar la norma, la autoridad legal escoge uno de estos significados y le atribuye la furerza del Derecho. [...] La elección entre los significados de una norma legal por parte de la autoridad legal en su función aplicadora del Derecho es un acto creador de Derecho. Esta elección es una función política en la medida en que no está determinada por una norma superior legal.

Si la elección entre los distintos significados de una norma leal no viene determinada por una norma legal superior, está determinada por normas que no son legales, es decir, por normas políticas. Por tanto, puede decirse que la interpretación auténtica de la ley por parte de la autoridad legal es una interpretación política.

Por outra parte, la tarea de un científico del Derecho que interpreta un lenguaje legal consiste en mostrar los posibles significados y dejar que la autoridad legal competente escoja el que considere más apropiado según unos princípios políticos. Al mostrar las posibilidades que la ley que debe aplicarse ofrece a la autoridad legal, el científico del Derecho está sirviendo cientificametne a la función aplicadora del Derecho. Y, al revelar la abigüedad de los términos utilizados y, por tanto, la necesidad de mejorarlos, está sirviendo de modo científico a la función creadora del Derecho. 12

Este juízo de valor, fruto do ato de vontade emergente do processo de criação da norma, não ocorre no sentido de busca de uma razão pré-existente e absoluta – o que não é admitido por Kelsen como possível, já que tal juízo, na maioria das vezes é irrascível ao homem – tratando-se apenas de suposição impossível de confirmação científica, ou melhor,

de uma concepção subjetiva, que comporta um relativismo intrínseco, quase sempre sujeito à modificação de sentido em razão do tempo e do espaço.

Antes disto, este juízo de valor revela uma intuição a priori do que deve ser a norma jurídica, pela qual se direciona a vontade criadora do direito. Veja-se que falamos aqui em um ‘dever ser’ do próprio direito (qual o fim buscado pelo direito) e não um ‘dever ser’ referente à conduta humana, que, como vimos, é dado pela própria norma jurídica.

Dentro desta perspectiva, podemos dizer que a criação da norma jurídica pode se aproximar de um ideal de Justiça, de propostas morais e juízos éticos, ou, ao contrário, afastar-se de tais ideais. Estas constatações não são capazes de invalidar o direito, ou melhor, a norma jurídica criada, já que o plano de validade se perfaz com a conformação da norma jurídica ao sistema normativo vigente.

Todavia, é no consenso social que a norma jurídica encontra a confirmação de seu conteúdo. É a vontade da maioria que irá confirmar ou infirmar se a norma jurídica atingiu os objetivos que se supunha dela esperar.

Assim, Óscar Correa13 entende que, “[...] para no perder la especificidad del derecho, del sentido con que éste se dirige a los hombres, Kelsen ha defendido siempre la consideración de la normatividad como ‘validez’, aun cuando ésta esté condicionada por la ‘eficacia’” é dizer, de uma eficácia alcançada no meio social.

Desta forma, uma norma jurídica que se afaste por completo do mínimo de senso de justiça, poderá não encontrar, no meio social, sua aceitação e, por conseguinte, a paz social esperada. Tal norma jurídica, certamente, mais cedo ou mais tarde, será repelida do sistema jurídico pelos próprios meios dispostos pelo direito.

No documento PERLA CAROLINA LEAL SILVA MÜLLER (páginas 80-82)