• Nenhum resultado encontrado

O criticismo de Kant

No documento PERLA CAROLINA LEAL SILVA MÜLLER (páginas 47-50)

CAPÍTULO 1 O PENSAMENTO JURÍDICO DE HANS KELSEN

1.8 O criticismo de Kant

O criticismo que marcou a filosofia do final do século IX e foi fortemente retomado no início do século XX, pelos pensadores da chamada Escola de Marburgo, influenciou nitidamente a obra de Hans Kelsen, principalmente quanto à sua intenção de criar uma ciência estritamente jurídica, com seus métodos próprios de conhecimento do Direito Posto.

Nas palavras do jusfilósofo brasileiro Miguel Reale29

,

O criticismo, lato sensu, implica sempre um estudo metódico prévio do ato de conhecer e os modos de conhecimento, ou, por outras palavras, uma disposição metódica do espírito no sentido de situar, preliminarmente, o problema do conhecimento em função da correlação ‘sujeito-objeto’, indagando de todas as suas condições e pressupostos.

Não poucas vezes o termo criticismo nos remete, automaticamente, a Kant, sendo certo que, muitas vezes, criticismo e kantianismo aparecem como expressões sinônimas.

Isto porque a Filosofia, como crítica do saber, teve seu maior expoente em Kant, que indubitavelmente foi um dos maiores filósofos de todos os tempos e contribuiu decisivamente para a construção de uma sistematização metodológica de apuração do conhecimento, a qual iria influenciar não só Kelsen, como também muitos outros pensadores a partir de então.

O filósofo prussiano inicia uma tentativa de passar à prova todo conhecimento para que se pudesse obter a resposta de como se chegar, com uma validade científica, à verdade ou, pelo menos, a afirmações verdadeiras.

A preocupação de Kant em relação ao saber é responder a estas três indagações primordiais: o que eu sei; o que devo saber; o que devo esperar. Porém, a resposta às duas últimas perguntas depende da primeira, pois somente sabendo o que realmente conhecemos é que podemos apurar nosso dever e nosso destino.

Com a finalidade de encontrar o real conhecimento, Kant constrói seu pensamento filosófico com base em alguns conceitos aristotélicos de juízo, definindo que toda proposição ou juízo lógico consiste num sujeito do qual se diz algo, e um predicado, este último aquilo que se diz do sujeito.

Apoiado, ainda, em conceitos aristotélicos, Kant30 classifica os juízos em analíticos e sintéticos. Os primeiros são sempre verdadeiros, pois simplesmente revelam predicados que o

29

REALE, Miguel. Introdução à filosofia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 81. (grifo do autor). 30 IMMANUEL, Kant. Critica de la razón pura. México: Taurus, 2006.

próprio sujeito já contém. Tais juízos analíticos são sempre a priori, não passando de um simples processo de análise, que independe da confirmação pela experiência. Em tal proposição analítica o predicado está contido no sujeito, como na afirmação: “O cavalo branco é cavalo”. O juízo aqui é a priori, pois não será necessário recorrer à experiência para se saber que o cavalo é cavalo.

Por sua vez, os juízos sintéticos atribuem um predicado ao sujeito que não se pode apurar pela análise tão somente do próprio sujeito, posto que resultam da união (síntese) de um predicado ao conceito do sujeito, como na seguinte afirmação: “O cavalo é branco”. Segundo os aristotélicos tal juízo seria sempre a posteriori, pois somente após se recorrer à experiência é possível constatar que o cavalo é branco, porque a qualidade de ser branco não é obtida pela simples identificação do sujeito como sendo cavalo.

Todavia, em sua obra “Crítica da razão pura”, Kant31 identifica a possibilidade de juízos sintéticos a priori. Este, sem dúvida, foi o principal passo dado pelo filósofo prussiano para o avanço da filosofia de sua época, o que influenciou todo o pensamento moderno.

Kant aponta que os juízos sintéticos tomados como fundamentos do conhecimento científico, que se baseia na observação da experiência, transformam-se em juízos que pretendem ser verdadeiros a todo o momento. Ou seja, olhando para as revelações da experiência constroem-se juízos através da chamada intuição sensível, os quais, uma vez apurados, são tidos de forma a priori quando a razão é colocada novamente diante o objeto do conhecimento.

É, pois, esta intuição sensível, introduzida conceitualmente por Kant, que permite ao homem conhecer e construir, através da razão, proposições sintéticas a priori, atribuindo predicados lógicos a determinados sujeitos, ou melhor, aos objetos do conhecimento.

Tal inovação introduzida por Kant soluciona algumas contradições existentes na Filosofia pregada até então, que por um lado afirmava que todo o conhecimento emana de conceitos metafísicos, de origem divina ou racional, sendo tais conceitos sempre a priori, posto que revelados ao homem ou apurados diretamente pela razão humana, sem, contudo, explicar, como feito por Kant, como seria possível um juízo sobre todas as coisas sem qualquer apoio na experiência; por outro lado, contrapunha-se à filosofia positivista, de cunho puramente empírica, pela qual todo conhecimento somente é possível por meio da experiência, o que limitava a razão humana apenas ao campo da observação e apreensão dos sentidos.

Assim, os juízos sintéticos a priori idealizados por Kant, permitiam ao homem conhecer determinados objetos, atribuindo-lhes predicados racionalmente esperados, posto que decorrentes da dedução lógica de um prévio conhecimento já adquirido pelo homem, o que Kant chamava de um juízo de lógica-transcendental.

É justamente esta idéia de juízo de lógica-transcendental que permite a construção de um juízo sintético a priori sobre determinado objeto, que possibilitou a Kelsen formular sua premissa de validade do sistema jurídico, conhecida como norma hipotética fundamental.

Veja-se que este conceito criado por Kelsen se ampara em uma dedução lógica de que se determinada coletividade constitui um Estado para reger suas condutas, todos os indivíduos pertencentes a este mesmo Estado aceitam suas normas como válidas, conformando-se aos seus ditames.

Mas Kant não parou por aí. O grande filósofo inovou também o pensamento de sua época quando trouxe à Filosofia a força do método, criando suas categorias, ou juízos categóricos, através dos quais era possível conhecer profundamente o objeto, sintetizando os dados da experiência.

Certamente, esta idéia de apuração de conhecimento por métodos próprios também teve seu papel de destaque na formação do pensamento kelseniano sobre a necessidade de se identificar os parâmetros epistemológicos de uma ciência jurídica, através da realização de um corte metodológico sobre todo o conhecimento filosófico referente ao Direito.

No documento PERLA CAROLINA LEAL SILVA MÜLLER (páginas 47-50)