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Durante séculos, a dissecação fora perigosa. Atualmente, pode ser realizada com segurança graças aos recursos disponíveis de assepsia e preparo do cadá- ver. No século XX, a linha de investigação se fez no sentido de estudar no vivo em vez de no cadáver apenas.

Nikolai Ivanovich Pirogov (1810-1881) publicou em 1852 o seu Atlas de

topographical anatomy, o qual mostrava cortes de partes do corpo de cadáveres

congelados. Pela primeira vez, relacionamentos espaciais puderam ser preser- vados e ensinados no estudo anatômico. Os estudos de Pirogov serviram de base para o entendimento das informações obtidas a partir de modernos re- cursos de tomografia computadorizada (TC, introduzida em 1975) e resso- nância nuclear magnética (RNM, introduzida em 1977).

A dissecção continua sendo o método de estudo mais importante para a Anatomia. Portanto, estudos radiológicos constituem métodos auxiliares vali- osos, sobretudo no vivo. Através da radioscopia ou fluoroscopia é possível ob- servar os órgãos internos em movimento; já as radiografias simples fixam os aspectos mais variados das estruturas superficiais e profundas. Uma das contri- buições mais importantes dos estudos radiológicos é a demonstração, no ser vivo, do tamanho, forma, localização e função dos diversos órgãos. No passa- do, a Anatomia funcional baseava-se fundamentalmente no estudo das rela- ções de estruturas no cadáver e no exame da superfície corporal no ser vivo. As funções relativas da parede torácica e do diafragma na respiração, o meca- nismo da deglutição e a alteração do tamanho e da forma do coração durante

o ciclo cardíaco são todos problemas para cuja elucidação os raios-x têm con- tribuído.

A Anatomia macroscópica foi, de certo modo, relegada a um segundo plano durante os anos sessenta e setenta do século XX, e parecia ter mantido sua importância essencial apenas para as especialidades cirúrgicas. Entretanto, novas técnicas de diagnóstico por imagens tornaram-se clinicamente disponí- veis na segunda meta-de do século XX: endoscopia, TC, RMN e ultrassonografia. Estas técnicas abriram novas visões e permitiram identifica- ção mais detalhada de estruturas vivas. Entretanto, a interpretação de estrutu- ras normais e alteradas patologicamente em imagens inéditas do corpo huma- no, com todas essas técnicas, demanda conhecimento preciso de Anatomia. Em anos recentes, isso levou ao renascimento e a um considerável aumento na significância da macroscopia para a formação dos estudantes de todas as áreas de saúde. Um trabalho clínico bem sucedido, sem um conhecimento fundamentado em Anatomia topográfica e seccional, não é, assim, mais possí- vel. Essa é a razão por que se recomenda um estudo contínuo da Anatomia macroscópica humana.

Uma inovação que ganhou impulso no início do século XX foi a implementação da nomina anatomica, isto é, a simplificação e padronização da nomenclatura anatômica preexistente. Por causa da proliferação da litera- tura científica no final do século XIX, mais de trinta mil termos anatômicos estavam registrados, muitos dos quais referentes a uma mesma estrutura. Em 1895, em uma tentativa de reduzir a confusão, a Sociedade Anatômica Alemã compilou uma lista de cerca de 500 termos chamadade Basle Nomina

Anatomica. Os termos desta lista foram aprovados universalmente para uso

nas salas de aula e nas publicações.

Outras conferências sobre a nomenclatura foram realizadas ao longo dos séculos nos Congressos Internacionais de Anatomia. No Sétimo Congresso, na cidade de Nova York, em1960, resolveu-se eliminar todos os epônimos (estruturas com nomes de cientistas) e substituí-los por termos descritivos. Estruturas como o ducto de Stensen e o ducto de Wharton, por exemplo, são agora chamadas de ductos parotídeo e submandibular, respectivamente. Como os epônimos estão enraizados, porém, será extremamente difícil eliminar to- dos eles. Mas, pelo menos, há uma tendência para a simplificação.

O desenvolvimento de imagens de vídeo tem facilitado a visualização de informações dinâmicas. A despeito de essas tecnologias serem hoje ampla- mente disponíveis, elas estão ganhando espaço como meios de comunicar determinados tipos de informação. Diversas revistas médicas possuem websites que permitem a seus assinantes acessar imagens de vídeo.

Aspectos Históricos

A aquisição de computadores pessoais tem gerado programas de aprendiza- do interativo, onde o interessado pode testar seus níveis de conhecimento. Muito destes programas trazem estudos radiológicos e imagens digitais de es- pécimes de cadáveres. Faculdades de Medicina por todo o mundo têm usado

esses recursos como complemento ou substituto de dissecações.Atualmente já

está disponível uma versão digital em CD-ROM da obra original de Vesalius

De humani corporis fabrica.

A Internet tem causado acesso quase ilimitado a qualquer tipo de informa- ção. Sua influência tem sido comparada a da invenção da imprensa na difusão do conhecimento. Um website notável no campo da morfologia é o Visible

Human Project, o qual proporciona a visualização de imagens tridimensionais

de todo o corpo. Criada em 1986 pela National Library of Medicine, o site disponibiliza imagens de TC, RMN e de secções de 0,3 a 1 mm de cadáveres de ambos os sexos.

Nos últimos vinte anos, o uso de informações morfológicas no entendi- mento de anomalias tem tornado a

Anatomia menos descritiva e mais clínica. O entendimento das causas, manifestações e tratamentos de múltiplas patologias depende de conhecimen- tos de estruturas que podem estar envolvidas. Os sinais e sintomas resultam não apenas de alterações no órgão afetado, mas também dos efeitos e da disse- minação de doenças sobre estruturas adjacentes. É por isso que o estudante da área de saúde precisa saber algo sobre a organização do corpo. Os detalhes podem ser aprendidos. Mas isso tem pelo menos duas desvantagens. Em pri- meiro lugar, é extremamente monótono e, depois, pode-se induzir a uma sensação de falsa segurança: há grande variação entre as pessoas, assim como na mesma pessoa, do nascimento à morte. É necessário, então, fazer uma escolha: reconhecer que algumas informações são importantes e outras não, traçando-se uma linha entre o que é necessário conhecer e o que é bom conhe-

cer; “isso interessa ao profissional iniciante que trabalha em hospital?” ou “isso

ajuda a compreender um assunto relevante?”, devem ser perguntas respondi- das por todo o autor que se propõe a escrever sobre Anatomia; se a resposta a essas perguntas for não, o tópico pode ser omitido. Nesse contexto, os volu- mosos tratados de Anatomia não têm perdido o seu valor, mas assumido no- vas funções, servindo como fonte constante de consulta quando dados mais minuciosos forem necessários para o entendimento de processos mórbidos. Assim, fica claro que o estudante não precisa se preocupar excessivamente com detalhes. Esse processo simplificado de aplicação das ciências morfológicas facilita a aprendizagem por ser um grande estímulo ao estudante.

O FUTURO

Novos avanços continuarão a mudar o modo como anatomistas visualizam o corpo humano. Tomografia por emissão de positrons representa uma promis- sora modalidade onde radiações emitidas pelo encéfalo são transformadas em imagens em tempo real; essa tecnologia auxilia o estudo de processos quími- cos do cérebro normal ou doente de um modo previamente impossível: em indivíduos vivos e acordados. Projeções holográficas, que usam deflexões de raios laser para produzir imagens tridimensionais, podem no futuro ser úteis no estudo mais acurado de relações espaciais de estruturas corpóreas adjacen- tes; atualmente, têm sido usadas para estudo da dinâmica dos batimentos car- díacos. MRI angiográfica é um estudo que proporciona imagens detalhadas de vasos sanguíneos sem a necessidade de manobras cirúrgicas; no momento tem sido usado para estudo inicial de malformações vasculares de artérias intracranianas; no futuro poderá ser útil para o estudo em tempo real de pequenos vasos sanguíneos.

Na história da Anatomia, sempre foi um esforço desidratar o cadáver. As- sim, o corpo tem sido avaliado observando-se estruturas rígidas, que correspondem a menos de 30% de sua massa real. Isso conduz a erro grave de estudar uma estrutura seca e encolhida como se fosse normal. O fato é que os conhecimentos anatômicos convencionais não diferem grandemente da des- crição de uma múmia. Se um dia for possível fixar a água no corpo, se iniciará o estudo de um cadáver fresco e aromático, onde se pode visualizar o todo, mais próximo do real, com órgãos, tecidos e células saturadas de seu principal componente, a água.

Tem se considerado difícil a revitalização da Anatomia como um saber que aborda o corpo como um conjunto interativo. Ela tem se fragmentado em subdivisões: Geral, Neuroanatomia, Histologia e Embriologia. Com a ênfase no estudo da micro e ultra estruturas a partir da década de 1950, houve inten- sificação desta especialização. Assim, a Anatomia hoje está enfraquecida e ameaçada em sua existência, pois tem se resumido a mero ajuntamento de conhecimentos estanques; parece estar se desintegrando em uma tendência praticamente irreversível.

C O R A Ç Ã O

Mestre, qual o grande mandamento da Lei? Respondeu-lhe Jesus: amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu CORAÇÃO, de toda tua alma e de todo teu entendimento [...] e amarás o teu próximo como a ti mesmo [...].

(São Mateus, 22:36-40)

O coração é um órgão torácico composto de músculo estriado involuntário. Por se situar aproximadamente no meio do corpo e ser responsável pelo impulsionamento do sangue para todo o organismo, é considerado o núcleo topográfico e funcional do sistema circulatório. A chave para o entendimento da natureza do órgão pode ser conseguida comparando-o a um propulsor hidráulico, formado de um par de bombas musculares valvuladas, arrumadas em série. Sua principal ação é impulsionar sangue de modo contínuo e unidirecional, ofertando oxigênio e nutrientes e removendo produtos finais do metabolismo acumulados nos tecidos.

Para facilitar o estudo do sistema cardiovascular, as células podem ser conside- radas unidades de composição e estrutura análogas aos elementos de um sistema de engenharia. O coração é representado como uma bomba aspirante-premente, as artérias são tubos elásticos semelhantes a mangueiras de borracha, uma analogia que se aplica às arteríolas, vênulas, capilares e anastomoses arteríolo-venulares.

D E S E N V O L V I M E N T O

Ortodoxamente, as teorias darwinianas afirmam que os mamíferos se origina- ram dos répteis. Mas isso não tem sido ratificado à luz da evidência atual. Não

existem dados paleontológicos diretos que indiquem uma evolução do coração saindo de formas iniciais mais simples, e a comparação dos arranjos no grupo dos vertebrados é a única fonte de informação. A anatomia comparada tem revelado que a morfologia do coração deriva de seu próprio crescimento intra-uterino, a partir do desenvolvimento da forma inicial básica de um tubo dobrado.

O coração fetal é um tubo que precocemente desenvolve sulcos que de- marcam, de trás para frente, (1) um seio venoso coletor para as veias principais, (2) um átrio pulsátil de paredes finas, (3) um ventrículo muscular de paredes grossas e (5) um bulbo do coração muscular e elástico, a partir do qual come- çam as artérias cardíacas. À medida que aumenta, o tubo se torna maior que seu envolvimento pericárdico, desenvolvendo uma dobra sinuosa, de modo que sua extremidade caudal, recebendo sangue venoso, fica atrás de sua extre- midade cefálica com suas artérias emergentes. O seio venoso é posteriormente absorvido no átrio e o bulbo se torna incorporado no ventrículo como o

infundíbulo, de modo que no coração completamente desenvolvido, os átrios

e as grandes veias se situam posterior aos ventrículos e às raízes das grandes artérias (figuras 7 e 8).

O tecido limitante entre a única cavidade atrial primitiva e o único ventrículo cresce como um coxim endocárdico dorsal e outro ventral que se fundem na linha mediana, dividindo assim o óstio atrioventricular comum em óstio di-

reito ou tricúspide e esquerdo ou mitral.

Figuras 7 e 8 - Dobramento do tubo primitivo para sua forma definitiva.

ventrículo seio venoso bulbo do coração tronco arterioso ventrículo átrio

átrio tronco arterioso

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Coração

Divisão atrial. A divisão do átrio primitivo em dois começa com o cresci- mento de um septo, o septum primum, para baixo a partir da parede superior do átrio primitivo comum, para se unir com os coxins endocárdicos. Entre- tanto, antes que a fusão se complete, aparece um orifício na parte superior desse septo denominado foramen secundum.

Uma segunda membrana, o septum secundum, se desenvolve à direita do

septum primum, mas aquele nunca se completa. O septum secundum possui

uma margem inferior livre que, entretanto, se estende para baixo o suficiente para se sobrepor ao foramen secundum e, por essa razão, fechá-lo.

Os dois defeitos de sobreposição no septo formam o forame oval, seme- lhante a uma válvula que desvia o sangue do lado direito do coração para o esquerdo no feto. Após o nascimento, este forame se fecha deixando apenas a

fossa oval como resquício.

O seio venoso primitivo é absorvido no átrio direito de modo que as veias cavas drenam para o seio e se abrem separadamente neste átrio. A parte com parede lisa do átrio adulto representa a contribuição do seio venoso, e a parte pectinada representa a porção derivada do átrio primitivo. Similarmente, o átrio esquerdo adulto tem uma origem dupla. O tronco venoso pulmonar simples original que entra no átrio esquerdo torna-se assimilado por ele e doa a parte com parede lisa desta câmara para as veias pulmonares que entram com quatro orifícios separados. A parte trabeculada do átrio esquerdo defini- tivo é o restante da parede do átrio original.

Divisão ventricular. A divisão ventricular é iniciada por crescimento de um septo interventricular carnudo a partir do ápice do coração em direção aos coxins endocárdicos. O septo pára antes do ventrículo se dividir completa- mente e, assim, ele tem uma margem superior livre, formando um forame

interventricular temporário. Ao mesmo tempo, o tronco arterioso simples é

dividido em aorta e tronco pulmonar por um septo espiral (por essa razão a relação espiral entre estes dois vasos), que cresce caudalmente, em direção ao ventrículo e se funde precisamente com a margem superior do septo interventricular. Este contribui com uma pequena parte membranácea do septo, que completa a separação do ventrículo de tal modo que o sangue do lado esquerdo do septo flui para a aorta e no lado direito para o tronco pul- monar.

A N A T O M I A