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CORRELAÇÕES ANÁTOMO-FISIOLÓGICAS

No documento Lições de anatomia: manual de esplancnologia (páginas 119-124)

CONTROLE DO FLUXO SANGUÍNEO

CORRELAÇÕES ANÁTOMO-FISIOLÓGICAS

A função de qualquer vaso é conduzir o sangue para um determinado setor do corpo humano de um modo rápido, intenso, contínuo e seguro. Essas características de transporte são fortemente influenciadas pelas seguintes pe- culiaridades morfológicas: forma tubular, superfície interna lisa, percurso

retilíneo, situação profunda, consistência flexível e presença de divisões e anastomoses vasculares.

Forma tubular. Um tubo é um cilindro oco com extremidades abertas, constituindo a forma ideal para condução de um fluido com fluxo célere, de perfil laminar, de eficiência mecânica máxima.

Superfície interna lisa. O endotélio forma um revestimento liso para a superfície luminal dos vasos, permitindo que o sangue deslize com pouca fricção, o que propicia um fluxo hemal com deslizamento facilitado.

A função antitrombótica dos endoteliócitos ocasiona a presença de um sangue intravascular sempre fluido, com capacidade de coagular ocasional e localmente, apenas sobre feridas endoteliais.

Percurso retilíneo. Os vasos têm um trajeto tendente à reta, apresentando um reduzido número de curvaturas; como uma reta é a menor distância entre dois pontos, o fluxo se dá ao longo de um circuito com exíguo comprimento e resistência, proporcionando rápida circulação de sangue.

Às vezes, a presença de curvaturas é mais vantajosa do que o trajeto retilíneo. A artéria facial e as labiais, por exemplo, são extremamente tortuosas, adap- tando-se aos movimentos destas regiões; as artérias uterinas são também enro- ladas, adequando-se ao aumento de tamanho que o útero sofre na gestação.

Situação profunda. Os vasos mais calibrosos e de maior fluxo, como os cardíacos e os segmentares, geralmente estão profundamente situados, ocu- pando posições mais protegidas e menos expostas (1) dentro de comparti- mentos miofasciais, contidos em feixes neurovasculares, nos membros, (2) ao longo de superfícies de flexão de articulações, também nos membros, ou (3) envolvidos pelos robustos arcabouços esqueléticos do crânio, caixa torácica e pelve.

Consistência. As túnicas dos vasos são flexíveis porque não possuem com- ponentes rígidos em sua intimidade, como ossos ou cartilagens. Isso permite que as paredes vasculares possam se dobrar, sem ruptura, acompanhando os movimentos da parte de corpo onde transitam.

Os vasos também são elásticos, o que confere às artérias capacidade de absorção de excessos de energia cinética das pulsações cardíacas, preservando os órgãos de lesões vibratórias. Isso é verdade principalmente em relação ao encéfalo, uma massa semilíquida de tecido altamente dilacerável.

A elasticidade torna as veias muito distensíveis, transformando-as em efici- entes reservatórios sanguíneos. Graças a essa reserva, um ocasional retorno venoso excessivo não é passado ao coração, que assim trabalha sem sobrecarga volêmica. As veias são capazes de contrair e dilatar, pela presença de fibras elásticas e musculares em suas paredes, de modo a armazenar grandes quanti- dades de sangue, bem como tornar disponível este sangue armazenado quan- do requerido pelo restante da circulação. Aproximadamente 60% de todo o sangue, cerca de 3 litros, estão acumulados nas veias.

Sistema Vascular

Divisões. Ramos e tributárias. Um vaso tomado como referência conduz sangue do seu território através de prolongamentos de diâmetro menor, cha- mados de ramos, nas artérias, e de tributárias, nas veias. Essas divisões podem ser classificadas como primárias (ramo primário/tributária primária) caso se originem diretamente de um determinado vaso, ou secundárias, caso se origi- nem de uma divisão primária, e assim sequencialmente, até a chegada aos capilares.

Modos de divisão. A divisão vascular assume três formas mais frequentes:

(1) divisão simples: o vaso dá origem a sucessivos ramos laterais sem caracte- rísticas morfológicas distintivas; é o que ocorre na maioria dos vasos do corpo, especialmente nos membros, na cabeça e no pescoço; (2) tronco: é um vaso curto e grosso que se divide em diversos ramos menores, por exem- plo, o tronco celíaco e o tireocervical; (3) divisão dicotômica: resulta da bifur- cação de um vaso-mãe, o conjunto assumindo a forma de um estilingue. Embora cada ramo seja menor do que seu tronco-mãe, a área de secção combinada dos dois vasos dicotômicos é maior do que àquela do tronco; esses fatos são básicos para um fluxo hemodinâmico melhorado. Como exem- plo de divisão dicotômica, podemos citar a bifurcação da VCI e a da aorta

abdominal, ambas na altura de L5.

Vasos perfurantes. Um tipo importante de ramo ou tributária são os

vasos perfurantes, os quais transitam perpendicularmente à superfície corpórea

que nutrem. A partir de sua origem em um vaso-mãe profundo, os vasos perfurantes atravessam “furando” e suprindo sucessivamente uma série de camadas tissulares, terminando geralmente no tegumento ou logo abaixo dele. Os vasos perfurantes proporcionam aos seus canais de origem, de flu- xo mais caudaloso e importante, uma localização resguardada, na profundi- dade do corpo (figura 20).

Os vasos cardíacos têm estreita relação com os ossos do esqueleto axial. Seus ramos acompanham os tecidos conjuntivos intermusculares, onde se di- videm para irrigar músculos, ossos, tendões, nervos e depósitos profundos de gordura, seguindo o arcabouço de tecido conjuntivo daquela estrutura até o nível celular. Os vasos perfurantes cutâneos exibem o mesmo padrão. Em geral, originam-se de um vaso segmentar ou de um de seus ramos musculares, e acompanham os tecidos conjuntivos intermusculares ou intramusculares na fáscia profunda, sob a forma de vasos perfurantes cutâneos diretos e indiretos, respectivamente, até penetrarem a camada mais externa da fáscia profunda. A seguir, os vasos perfurantes cutâneos acompanham o arcabouço de tecido con-

juntivo da fáscia superficial até finalmente atigirem uma outra estrutura de tecido conjuntivo – a derme.

Figura 20 - Vascularização cutânea.

Os vasos perfurantes diretos, também chamados de vasos septocutâneos, pas- sam entre os músculos, são mais comuns nos membros e geralmente são calibrosos e bem espaçados. Os vasos perfurantes indiretos, por sua vez, têm trajeto por dentro dos músculos antes de perfurar a fáscia profunda, predomi- nam no tórax e geralmente são pequenos e numerosos.

Os vasos perfurantes são mais frequentes em locais em que a pele é fixa. Essas localizações são observadas nas linhas de dobras cutâneas, sobre septos intermusculares, próximo às linhas médias dorsal e ventral do corpo, em tor- no da base do crânio e próximo a inserções fixas de músculos nos ossos.

Estima-se que o corpo humano possua cerca de 300 artérias perfurantes cutâneas. As mais calibrosas delas são as três artérias perfurantes da coxa, ramos da artéria femural, que perfuram a inserção do músculo adutor magno para alcançar a face posterior da coxa.

ANASTOMOSES

Os ramos arteriais em várias partes do corpo unem-se a ramos de outras artérias de calibre semelhante, constituindo o que se chama de anastomose, em

vaso-mãe pele vasos perfurantes ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Sistema Vascular

vez de terminarem unicamente em capilares. As anastomoses podem ocorrer entre grandes artérias sob a forma de arcos, tais como os da palma das mãos, das arcadas intestinais ou do polígono de Willis; podem também ocorrer en- tre grandes veias em um padrão similar ao das artérias.

Mais frequentemente, as anastomoses ocorrem entre pequenas artérias, de calibre menor que 1 mm. Essas são numerosas próximo às articulações e entre os ramos terminais de troncos arteriais que irrigam áreas vizinhas do corpo. As anastomoses formam um padrão definido de ligações cruzadas entre artéri- as ou entre veias, mais ou menos desenvolvidas de acordo com a região consi- derada.

Artérias terminais. Com as artérias terminais, as anastomoses são muito limitadas. Quando uma destas é bloqueada por uma trombose, embolia ou ligadura cirúrgica, o território irrigado fica isquêmico, isto é, privado de fluxo sanguíneo pleno, o que pode causar necrose ou infarto após um período críti- co de resistência tecidual. Felizmente, as artérias terminais são raras no orga- nismo; dentre elas, podemos citar as artérias renais, apendicular, peniana, cen-

trais das retinas, digitais e hepáticas próprias. Se uma veia terminal for obstruída,

o sangue não será escoado, causando tumefação violácea do território não drenado (edema venoso).

Um tipo singular de circulação terminal é a que ocorre no interior do cérebro e do miocárdio. Na espécie humana não existem artérias terminais no sentido anatômico exato, isto é, inexistem artérias sem ligações com vasos vizinhos. Porém, a falta de anastomoses intracerebrais e intramiocárdicas sufi- cientemente grandes e numerosas, juntamente com a grande vulnerabilidade daqueles tecidos em casos de falta de oxigênio por oclusão arterial, reduzem grandemente as probabilidades de que uma circulação colateral eficiente se abra em tempo de evitar um infarto. Assim, as artérias cerebrais e as cardíacas podem ser consideradas terminais funcionais, embora anatomicamente elas não o sejam de modo estrito.

Circulação colateral. A circulação colateral é um neocircuito tortuoso que surge ou se abre forçado pelo entupimento de um vaso não-terminal, através da abertura de suas anastomoses previamente quiescentes. A circulação colateral, assim, assume papel indispensável para garantir um fluxo ininterrupto em artérias ou veias, mesmo que haja obstrução total de seus trajetos principais.

O desenvolvimento de vasos colaterais ocorre em (1) uma fase inicial agu- da, rápida, através de uma vasodilatação neurogênica, e (2) uma fase mais

tardia crônica, em longo prazo, no decorrer de semanas a meses, na qual ocorrem modificações hemodinâmicas consequentes à queda da resistência periférica, presença de anóxia, acúmulo de metabólitos vasodilatadores e au- mento do tamanho dos vasos.

Em condições de repouso, o fluxo sanguíneo reestabelecido pela abertura aguda e crônica da circulação colateral habitualmetne retorna ao normal. Entretanto, os novos canais raramente se tornam grandes o suficiente para suprir o fluxo sanguíneo necessário durante atividade intensa do tecido.

Veias diploicas e emissárias. Estas veias são vasos anastomóticos encontra- dos na cabeça, que garantem uma drenagem venosa contínua para o encéfalo. As veias emissárias atravessam foramínulas na calota craniana e estabelecem anastomoses entre os seios durais e as veias extracranianas.

As veias diploicas são calibrosos canais na díploe dos ossos cranianos e são destituídas de válvulas. Suas paredes são finas, com dilatações em intervalos irregulares, e formadas de endotélio que se apóia em uma camada de tecido elástico envolto por trabéculas ósseas. As veias diploicas comunicam-se com as veias meníngeas, com os seios da dura-máter e com as veias pericranianas.

Clinicamente, as veias diploicas e emissárias, devido as suas mútiplas interconexões, são importantes na difusão de infecções provenientes de focos extracranianos para os seios venosos.

No documento Lições de anatomia: manual de esplancnologia (páginas 119-124)