• Nenhum resultado encontrado

casal de aventureiros, e não receberam um arranhão na luta. Sig, em uma bravata ostensiva,

7

A balada de Izzy e

Sig Olho Negro

77

A Balada de Izzy e Sig Olho Negro

fi zera questão de golpear Vallen com o punho de seu sabre, produzindo alguns hematomas doloridos, mas nenhum dano permanente. O maior ferimento de Vallen Allond era em seu orgulho. E ele suspeitava que, por mais que Ellisa dissesse que desprezava as glórias guerreiras, daquela vez tinha um real desejo de desforra.

Mas o mais impressionante fora a rapidez e silêncio com que tudo fora feito. Quatro membros do grupo haviam sido pegos de surpresa, ainda em suas camas. Rufus, que estava nauseado desde que o barco zarpara, foi rendido com uma adaga no peito ao acordar. Gregor, Ashlen e Nichaela, mesmo acordados, foram emboscados com bestas. E Gregor morrera.

Eles sabem muito sobre nós, pensou Vallen, preso no convés, observando os marujos limparem

a bagunça da luta — incluindo os corpos dos companheiros de tripulação. Sabem até demais. Olho Negro sabia que Gregor Vahn era um paladino de Th yatis e, assim, virtualmente imortal. Citara até mesmo um pedaço da conversa deles (“tome aqui sua perna de pau”) na anônima taverna onde tinham conhecido Balthazaar.

— Balthazaar — Vallen rosnou para si mesmo. Contudo, o capitão ouviu, e, com uma risada:

— Balthazaar! De fato! — abrindo uma porta que levava ao porão: — Junte-se a nós, Balthazaar.

O velho foi arrastado do porão por dois marujos e uma dose azeda de respeito. Caminhava em passos de criança, olhando para o chão. Evitou os olhares de juramento amargo e, com um repuxão brusco, recebeu um abraço agressivo de Olho Negro. Tinha os ombros encolhidos e os braços juntos na frente do corpo, e mastigava com insistência o lábio inferior.

— Balthazaar foi nosso salvador aqui! — Sig exibiu os grandes dentes brancos em um de seus sorrisos enormes. — Nosso enviado dos deuses, nosso avatar, nosso paladino defensor.

O pirata virou Balthazaar de frente para si, pegou-o pelos dois braços e olhou-o no rosto, afetando comoção.

— Que morra o Grande Oceano, Balthazaar. Você é o meu deus agora — e, de novo, uma de suas risadas escandalosas. Balthazaar ainda olhava o chão do convés, o mar, as amuradas, tudo menos qualquer um daqueles rostos.

Izzy perdera o interesse em ameaçar o pescoço de Ellisa, e ocupara-se em berrar com os marujos que trabalhavam.

— Há uma recompensa por nós? — Vallen cuspiu uma saliva grossa com sangue. — Quem está lhe pagando por isso?

Sig Olho Negro lançou um meio riso de escárnio.

— Não se valorize tanto, meu caro Vallen Allond. Só me interessam seus tesouros. E Vallen tentou evitar que seu queixo despencasse.

— Vocês são verdadeiros faróis! Espadas, arcos, fl echas, armaduras, escudos. Todos encantados!

— Nosso amigo Balthazaar é capaz de ver auras mágicas, sabia? — havia tanto triunfo na voz dele que o estômago de Vallen se revirou. — É bastante equipamento mágico, mesmo para um bando de mercenários.

— Não somos — começou Vallen.

— Por favor! — Olho Negro bufou — Não me venham dizer que são heróis ou, a pior de todas, aventureiros. Quem mata por dinheiro é mercenário, ou assassino.

Vallen ia responder, mas percebeu que estava preso, no meio da noite, em um barco cheio de inimigos, com dois companheiros mortos e um espancado até a inconsciência. Trocar insultos com o capitão pirata não iria ajudá-lo, e para os demônios com seu orgulho. Estava entregue.

E não houve escapada miraculosa nem ideia brilhante. Sig Olho Negro pretendia deixá- los em uma ilhota qualquer para apodrecer. Ficaria com todos os itens encantados do grupo, em troca de uma pequena quantia para Balthazaar, e de tirá-lo de Collen. Mas os aventureiros não fi caram sabendo de nada disso, pois o capitão não lhes contou seu plano, não fez mais bravatas nem lhes subestimou para provar a própria superioridade. Apenas trancou-lhes no porão, e só abriu a porta dois dias depois.

Doeram seus olhos quando, depois de dois dias de escuro, uma nesga de luz surgiu da porta entreaberta. Estavam famintos, e as gargantas queimavam de sede.

— Que ninguém diga que sou cruel — disse Sig Olho Negro, enquanto alguns marujos depositavam tigelas de água e pedaços de pão no assoalho à frente do grupo.

— Desamarre-nos para comermos — a voz de Vallen raspou a garganta seca. — Vocês têm bocas.

Abaixaram-se para lamber a água das vasilhas e catar os pedaços de pão duro. Apenas Masato e Artorius preferiam continuar sofrendo a se humilhar.

— Deixem de ser idiotas — disse Ellisa Th orn, erguendo o rosto de uma tigela. — Vamos precisar dos dois fortes para lutar mais tarde.

Artorius concordou, relutante. Masato permaneceu irredutível.

Durante dois dias, Ashlen lutara com as amarras, retorcendo os pulsos na tentativa de escapar. Tudo o que conseguiu foi deixá-los em carne viva, raspando contra a corda. Durante dois dias, Artorius forçara os músculos, mas tudo o que conseguiu foram feridas. Durante dois dias, todos foram acordados pelo mordiscar de ratos.

Sig Olho Negro observou-os comer e beber. Em nenhum momento seus homens deixaram seu lado. Foi o maior tempo que os aventureiros já o tinham visto fi car em silêncio. Quando acabaram, não havia uma migalha ou gota de água. Os marinheiros retiraram as tigelas.

— Não, senhores — Olho Negro voltou com sua arenga jocosa. — Que não digam que sou cruel. Na verdade — agachou-se próximo a Nichaela — posso ser muito carinhoso.

79

A Balada de Izzy e Sig Olho Negro

Sig, com uma mão, acariciou suavemente os cabelos de Nichaela. Jogou o outro braço em volta da meio-elfa, e aproximou sua respiração do rosto dela.

— Muito carinhoso.

Artorius soltou um urro que fez quatro marujos correrem ao porão, para checar. Os olhos do minotauro ardiam, cheios de pequenas veias vermelhas. Forçou os braços até as cordas morderem fundo, cortando seu couro, e os músculos queimarem até que ele sentiu que iriam romper.

Sig Olho Negro apenas ergueu uma sobrancelha, e deu um risinho divertido. Notou quem era o ponto fraco daquele grupo.

— Qual o problema? O Reinado não encoraja o tratamento misericordioso dos prisioneiros? — deu uma pequena lambida no rosto de Nichaela, virado em nojo do bafo de aguardente. Ela tinha os olhos arregalados de medo, mas não do pirata: temia o que Artorius acabaria fazendo consigo mesmo.

O minotauro desejava fazer as piores ameaças a Sig Olho Negro. Desejava jurar comer seu coração, esfolá-lo vivo e estrangulá-lo com as tripas. Desejava suplicar a Tauron por força e ódio, mas só conseguia gritar. Os aventureiros haviam visto poucas vezes Artorius assim, seu comportamento igual à sua aparência: fera. Não conseguia fazer sentido dos urros que emitia, apenas berrava até acabar a respiração. Mal foi ouvida a voz de Sig quando ele disse:

— Calem-no.

Enquanto o capitão se levantava e saía lentamente do porão, cinco homens bateram em Artorius até que ele rolasse nas tábuas do piso. E ainda assim, chutaram seu estômago até que vomitasse. No fi nal, havia alguns de seus dentes espalhados. As cordas que o prendiam foram substituídas por correntes fortes, e ele foi deixado estendido, com a grande cara voltada ao chão, para acordar apenas no dia seguinte, quando veio mais pão e água. Mas não para ele.

— Mau comportamento — disse Sig Olho Negro, entre goles volumosos de aguardente.

Já há quatro dias prisioneiros, quando mais uma vez o capitão veio lhes ver. — Um presente — disse com um fl oreio.

Jogou um monte embolado de tecido sobre Nichaela. Em seguida, dois marujos ajudaram- na a se levantar. Desamarraram seus pés e, desajeitada, ela conseguiu desfazer o bolo de panos, revelando que era um vestido.

— Para a mais bela das damas — Sig fez uma zombaria de pose galante. — Melhor do que este saco que veste, não acha?

Os robes clericais de Nichaela não eram pesados, mas caíam retos sobre o corpo, escondendo a fi gura da meio-elfa. O vestido que Sig lhe jogara era recatado (o vestido de uma jovem de boa estirpe), mas feito para exaltar as feminilidades.

— Experimente para mim — com essa frase, a maior parte do grupo tentou saltar, mesmo preso às cordas. Alguns caíram no chão.

— Faça isso e eu arranjo um jeito de matar você — rugiu Vallen.

— Por favor. Sou um cavalheiro — afetou Sig, colocando um lenço imundo próximo ao nariz, à maneira dos nobres. — Izzy! — ergueu a voz.

A jovem demorou instantes para surgir na porta. Caminhava orgulhosa, mão na cintura próxima ao sabre pendurado, mas parou, chocada, por um instante, ao ver o capitão e a clériga que estava de pé.

— Acompanhe a senhorita para provar seu vestido novo — riu Olho Negro, com um tapa desleixado no traseiro de Izzy. — Estes bárbaros estavam sugerindo que ela se trocasse aqui, na frente de todos, acredita?

Vallen apenas observou, e sua respiração era pesada de raiva. As duas mulheres, sem uma palavra, caminharam até atrás de alguns caixotes, onde Nichaela foi desamarrada e, ante a ponta da lâmina, trocou os robes pelo vestido.

— Você não precisa disso — disse a meio-elfa, movendo a cabeça em direção ao sabre. — Sou proibida de lutar.

Izzy não falou nada. O vestido era um tanto pequeno demais, mas bonito e bem-feito. Revelou um corpo que, inequivocamente, era de mulher e não de menina.

— Ora, ora, ora, Nichaela, que surpresa! — era Sig Olho Negro, quando as duas voltaram à sua vista. — Dê uma voltinha.

Nichaela corou sem querer. Foi colocar no chão os robes, que carregava dobrados nos braços. — Izzy, apanhe o saco que ela vestia.

A jovem tomou os robes, e Nichaela, lentamente, girou o corpo sob o escrutínio do pirata. — Bom — Sig bateu palmas, meneando a cabeça em aprovação. — Muito bom.

Por fi m, depois de observar com cuidado os seios da clériga, o capitão julgou que era sufi ciente, e ordenou que ela fosse novamente amarrada.

— Fique com o vestido — disse. — É um presente. — e depois, com um beliscão jocoso na barriga de Izzy: — Não se importa em dá-lo à nossa convidada, não é, meu amor?

O capitão se virou, caminhando relaxado em direção à porta. Izzy seguiu atrás dele, e, depois de checarem as amarras dos prisioneiros, os marujos também.

— Já não o usa há anos...

Antes de fechar a porta, Izzy olhou para trás. E, neste olhar, Nichaela viu algo. A porta foi trancada, e mais um dia de escuro.

— Hoje, só água — a voz de Sig Olho Negro começava a doer mais do que as feridas e o queimado das cordas.

81

A Balada de Izzy e Sig Olho Negro

Obedientemente, os aventureiros bebiam como cachorros. Masato não conseguira manter a dignidade por muito tempo e, já há alguns dias, fora obrigado a se curvar e lamber a água como todos. Rufus Domat, a cada dia, era amordaçado com fi rmeza, para que não fosse capaz de usar nenhum tipo de feitiço. Com nada além de algumas roupas, nenhum dos aventureiros tinha condições de tentar uma fuga. Não que não insistissem mesmo assim. Agora, contudo, já estavam no limite de suas forças.

O capitão provocou Vallen um pouco, mas este já estava exaurido para jurar vingança. — Vocês são tão enfadonhos — suspirou Olho Negro.

Nichaela, como todos os outros, se curvava para beber da tigela quando o capitão a interrompeu:

— Não, pelos deuses, não! — com seus marujos mantendo os outros sob a ponta das espadas, aproximou-se a ajudou a clériga a se levantar. — Para uma princesa como você, minha Nichaela, apenas o melhor.

E, depois de desatar-lhe os pés, uma mesura elaborada: — Um banquete na minha cabine.

— Toque nela e eu te mato — Artorius falou com difi culdade, através das gengivas e lábios inchados.

— Não fi que de mau humor; amanhã lhe trarei algum capim para pastar — disse Sig, com um gesto de desdém, enquanto seus marujos riam como crianças.

Nichaela, enfi ada no vestido que pertencera a Izzy, acompanhou o pirata até sua cabine, onde, de fato, dois pratos estavam dispostos em lados opostos de uma mesa. No centro, uma bandeja com comida variada. Num canto, Izzy de braços cruzados.

— Você por aqui, vejam só — disse o capitão para Izzy, numa voz suave e cantada, enquanto puxava a cadeira para Nichaela com um fl oreio exagerado.

— Para que ela não tente nenhum truque — disse a jovem, seca.

Sig foi até sua amante, murmurando obrigados, e beijou-lhe o pescoço, esfregando-se lascivo. Nichaela viu mais uma vez o rosto de Izzy, olhando para longe enquanto o capitão estava entretido mordiscando-lhe a orelha, e soube de novo o que já havia notado antes. Respirou fundo, reunindo coragem para o que faria.

— Desculpe a interrupção — Olho Negro sorriu cheio de dentes, sentando-se à frente da clériga. Desamarrou-lhe as mãos, e os dois puseram-se a comer.

Nichaela se sentia culpada por isso, mas sua boca salivava apenas com a visão daquela comida. Sig não mentira: aquilo era o mais próximo de um banquete que poderia haver no “Cação Cego”. Havia peixe assado, batatas e verduras. Havia três ânforas de vinho, que a clériga bebericou e o pirata engoliu como água. Ela pensava em seus companheiros só a pão, e nem aquilo aquele dia, mas repetia em sua cabeça: viver. E o desejo de viver era voraz nela; feroz, guloso, ávido.

Durante o almoço, ela escondeu alguns bocados nas dobras do vestido. Como previra, Izzy percebeu mas não disse nada. Contudo, desapontou-se ao ver que Sig parecia não notar.

— Por que não nos solta? — disse, após um longo tempo de silêncio e olhares carregados de malícia.

— Você é uma criminosa — falou Olho Negro, empurrando uma boca cheia de peixe com uma golada farta de vinho.

Ante a dúvida da clériga:

— Roubou meu coração — e gargalhou, inclinando a cadeira para trás e segurando os lados do estômago.

Sig Olho Negro atormentou-a com comentários do tipo, e ela roubando comida. Até que, a bandeja quase vazia, ele limpou os lábios, arrotou e afetou desculpas, e disse que ela poderia voltar ao porão.

Não deu certo, Nichaela sentiu as entranhas gelarem.

— Mas antes vamos examinar o que você surrupiou, safadinha.

Nichaela negou, mas não muito, e o pirata insistiu, mas não foi preciso muito. — Vamos ter de revistá-la.

E ordenou que Nichaela tirasse a roupa.

Ela afetou um pouco mais de vergonha do que realmente sentia, mas seu corpo todo estava corado de verdade. À medida que foi retirando o vestido, apareceram os petiscos escondidos. Mesmo depois que tudo estava de volta à mesa, ele a fez continuar se despindo, e ela estava nua ante o capitão. Izzy dura, franzindo o cenho.

Ele a olhou um pouco, rindo com a língua espiando entre os lábios, e por fi m ordenou que se vestisse. Dois marujos retiraram-na, enquanto ele se voltava para Izzy, agarrando-a e já lhe desabotoando a blusa.

Naquela noite, todos dormiam um sono de exaustão, menos Nichaela e Masato Kodai. Ela chorava com as lembranças do que havia feito. Com difi culdade, ele se arrastou até ela.

— Você tem que continuar — disse o samurai, com seu sotaque esquisito.

Ela se assustou. Perdida no seu mundo, era como se Kodai tivesse brotado do chão. — Não entendo — ela gaguejou.

— Não fi nja — ele sussurrava para não acordar os outros. — Eu vi o que você está fazendo. E você tem que continuar.

Ela deu um suspiro fundo. Por fi m, cedeu em dividir o plano. — Eu não vou contar aos outros — disse Masato.

E, realmente, seus companheiros não podiam saber. Pois, se soubessem, iriam proibi- la. Nichaela fora escolhida como vítima porque, e isso era evidente, todos a protegiam. Sig Olho Negro parecia se divertir particularmente com isto, arrastando a clériga para minutos intermináveis onde eles não sabiam o que ele poderia estar fazendo.

83

A Balada de Izzy e Sig Olho Negro

Nichaela estava tentando usar isso a seu favor. A sedução não era um jogo que ela dominasse, mas, por sorte, não precisaria usá-la muito, e o capitão não era o seu alvo.

— Eu não sei mais o que fazer — ela falou, num sussurro lamentoso. — Não sou boa nisso. Masato conhecia, é claro, inúmeras histórias de sua terra onde as mulheres usavam de seus dotes para escapar da morte. Em Tamu-ra, isso não era visto como desonra, como poderia sê- lo no continente. Havia lendas nas quais mulheres exibiam sua nudez para os demônios azuis, e matavam os monstros de excitação. Além disso, as mulheres muitas vezes sabiam mais do que os homens sobre os jogos da política, já que havia aquelas que entretinham os poderosos e serviam-lhes como confi dentes. Não eram prostitutas, como alguns bárbaros podiam julgar: eram parte de uma tradição cheia de protocolo, etiqueta e honra.

Masato sabia, enfi m, que, enquanto os homens lutavam com suas armas, as mulheres tinham as suas próprias.

— Isto vai ajudar — disse o samurai, investindo para a frente com a boca, a única parte de seu corpo que estava livre, e rasgando com os dentes um botão do decote do vestido. A clériga abafou um gritinho. A visão agora era bem mais generosa.

— Diga que foi acidente — completou Masato Kodai, antes de se arrastar de volta para tentar dormir. Nichaela assentiu.

E se preparou para o próximo movimento daquela dança complexa.

No outro dia, com a certeza do nascer do sol, Sig Olho Negro acompanhando os marujos que lhes traziam pão bichado e água em tigelas. Naquele dia, escolheu apenas alguns para beber e outros para comer. Ria com vontade das maneiras novas que inventava para atormentar seus prisioneiros. Mas, naquele dia, Izzy vinha atrás. E, com a certeza do sol que se põe, o capitão desamarrou os pés de Nichaela e fez com que se levantasse, conduzindo-a pelo braço até o lado de fora.

— Leve a mim! — disse Ellisa, em desespero.

— Você é feia — e os marujos, mais uma vez, rugiram em gargalhadas.

Como sempre, Artorius e Vallen juraram ameaças enfraquecidas, e como sempre Sig foi pródigo e criativo em despejar-lhes insultos.

— Estamos quase chegando a Proinsias, nosso destino — disse Sig em tom de conversa, enquanto passeava com Nichaela pelo convés. Izzy logo atrás.

Pouco tempo, pensou a clériga. Tem de ser logo.

— Seus amigos vão ser vendidos como escravos, eu acho — continuou o pirata, displicente. O sol brilhava com força. — Mas acho que vou manter você como minha amante, o que acha? — riu.

— Acho que vou deixá-la para os meus homens! — gargalhou Sig. E ninguém viu, mas o coração de Izzy disparou.

Aquela noite foi diferente, porque a porta se abriu e eles acordaram, assustados, apesar dos passos de gato de quem quer que entrasse no porão. Era Izzy. Desamarrou-lhes os pés. A maioria mal conseguia fi car ereta.

— O que está fazendo? — disse Vallen, fraco.

— Cale a boca — e conduziu-os, em muito silêncio, até um lado deserto do navio. Havia um bote amarrado, com remos e um farnel com comida.

— Vão embora — falou Izzy. — Depressa. Dúvida. Menos Nichaela e Masato.

— O que impede que a matemos agora, meretriz? — Artorius conseguiu rosnar. Ela bufou, como se estivesse lidando com um idiota.

— Dezenas de marujos viriam e vocês todos iriam morrer — disse com enfado. — Inclusive ela — apontando para Nichaela.

E eles não disseram mais nada, apenas entraram no bote. — Minhas espadas! — lembrou Vallen.

— E as minhas! — disse Masato.

Com uma praga, Izzy deixou-os e, em instantes, voltou com as quatro lâminas e suas bainhas.

— Aqui. Vão embora!

Cortou-lhes as cordas das mãos, desceu o barco, e os aventureiros estavam na água negra. — Existe terra naquela direção — ainda falou em um sussurro alto, apontando para um lado que, para qualquer um deles, não tinha nada de especial.

E remaram, desenferrujando os braços lentamente.

Izolda Tarante contava treze verões quando foi levada de Fortuna, sua terra natal, para Collen, onde conheceria o futuro marido. Em Fortuna, fora criada dentro de um convento de clérigas de Lena, pois sua parteira havia profetizado que aquele era o caminho para sua felicidade. Os pais de Izolda, como quase todos em Fortuna, davam muita importância aos presságios que o dia a dia carregava. Segundo as tradições, o primeiro augúrio de uma parteira sobre as crianças que trazia ao mundo era sempre acurado. Segundo as tradições, as meninas