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Como se Fabrica um Rei

na mão um copo cheio de líquido translúcido. Seguindo o exemplo dos outros, entornou o líquido dentro da boca, engoliu e sentiu as entranhas queimarem.

— Gostaria de nos dizer novamente por que veio à nossa cidade? — sorriu a mulher que os outros chamavam de Fiona.

O albino fi cou calado por um longo tempo, destroçando o forro da poltrona com suas unhas longas e sujas, tentando ameaçar os vários pares de olhos que se detinham nele.

— Disseram que aqui estão fazendo um rei.

E mais uma gargalhada coletiva. Fiona, uma mulher gorda e empolada, metida em um vestido amarelo caro e horroroso, abanou-se com um leque. Ela tinha um cabelo falso que se projetava, armado, rumo ao teto. Sorria melífl ua, com dentes meio podres e uma verruga peluda e indecente.

— De fato, nesta cidade se faz um rei, meu jovem. E por que isso lhe interessa?

O albino permaneceu inquieto e silencioso, depois estendeu bruscamente o copo vazio na direção de um dos velhos. Sorrindo surpresa, o senhor chamou um servo, que reabasteceu o copo. O albino secou a bebida de um gole, mais uma vez sentindo fogo no ventre.

— Não entendo — respondeu. — Não entendo como se faz um rei na barriga de uma fêmea.

Mais uma vez, um riso geral de afetação.

— Gracioso — Fiona torceu o rosto num sorriso medonho.

O albino estava incerto do que fazer. De certo, aquilo fazia parte da missão: nunca havia estado em uma construção tão grande. Sabia que as pedras não se moldavam naquelas formas retas por si só — eram as criaturas que as esculpiam. E quem vivia nos maiores caixotes de pedra eram as pessoas mais ricas — que tinham mais metal. Embora ver o interior da estrutura e ouvir o tagarelar incessante daquela gente fosse parte da missão, ele havia aprendido a não confi ar naqueles seres. Eram inferiores em tudo, mas sempre traíam, com motivos indecifráveis e lealdades bizarras. Bastava ver que todos respeitavam e obedeciam a tal Fiona, que era, por qualquer interpretação, um lamentável erro da natureza — feia, fraca e débil.

— Posso lhe dizer como se faz um rei dentro de uma mulher, meu caro — miou Fiona. — Em troca de um favor.

Os homens do salão se entreolharam, murmurando jocosidades.

Com um meneio de cabeça, o albino assentiu. Fiona retorceu de novo os lábios úmidos e pintados, e estalou os dedos.

Vieram quatro moças. Duas eram humanas — o albino já havia aprendido a diferenciar os tipos de pessoas —, uma era uma elfa (orelhas pontudas, olhos amendoados, cheiro de bicho e disposição derrotada) e a outra, ele não reconhecia. Era pequena como uma criança, mas cheirava a mulher. Uma das humanas mancava, pois era aquela que ele havia jogado no chão. Aproximaram-se, exalando medo.

— Sim, as prostitutas de Mergath, nós sabemos — sibilou Fiona. — Estudou-as com afi nco, devo dizer. Mas isto não é estudo. Apenas boa vontade.

Algo no corpo do albino ressoava com os corpos daquelas fêmeas. Ele não sabia precisar o quê, mas não se sentiu ameaçado quando elas lhe tocaram. Deixou que as mãos pequenas (que tremiam violentamente) viajassem por seu corpo.

As quatro mulheres levaram-lhe para um quarto, ante murmúrios de aprovação dos velhos ao redor. Fiona se abanava.

Muito depois, o albino emergiu do quarto, nu e ofegante. Matara apenas duas mulheres, e uma fora por acidente. Ainda não entendia direito o que havia acontecido, mas aqueles rituais sem sentido que havia realizado com as mulheres eram um bom exemplo do que era aquele povo. Ele passara horas em atividades que não tinham propósito religioso ou militar. Também não se sentira mais forte. Era apenas prazer — que coisa imbecil.

Fiona ainda estava lá, metida no vestido amarelo empapado de suor. A maior parte dos cavalheiros havia se retirado há muito.

— O que foi aquilo? — disse o albino.

— Aquilo, meu amigo — Fiona mostrou os dentes apodrecidos, manchados da tinta vermelha forte com que pintava os lábios — é como se faz um rei.

O albino comia com voracidade — outra das necessidades incompreensíveis daquele corpo patético. Bebia litros do líquido de fogo que lhe ardia por dentro. À mesa, Fiona (agora de vestido rosado, cheio de voltas, laços e camadas de tecido) e alguns cavalheiros.

— Podemos lhe ensinar qualquer coisa, meu caro — Fiona colocou um minúsculo pedaço de carne na boca. — Apenas pedimos que vá ver o rei que está sendo feito.

O albino observou silencioso por um tempo. Cuspiu um bocado de comida semimastigada para poder falar melhor.

— Ia fazer isso de qualquer forma. — Então está ótimo.

Ele estranhava os costumes daquela gente — tinha certeza de que tentavam enganá-lo. A fabricação de um rei deveria ser um ritual complexo e poderoso, que envolvesse os deuses e as principais forças do mundo. No entanto, parecia que apenas duas pessoas bastavam para fazê-lo. Estranho. Também era bizarro que o rei atual tomasse parte em fabricar o rei novo — por que ajudar alguém que viria a tomar o seu lugar? De qualquer forma, o albino não conhecia nada naquele mundo que fosse capaz de matá-lo, e por isso estava confi ante. Mesmo que tudo aquilo fosse uma mentira, e ele estivesse sendo levado para uma armadilha, era o ser mais poderoso que já havia encontrado. O verdadeiro poder era este: ter a capacidade de matar, e não ser morto.

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— Apenas queremos que entre no palácio — continuou Fiona, entre dentadas comedidas. — Entre no palácio, vá até o quarto da rainha e puxe o novo rei, para que possa conhecê-lo.

Ele podia fazer isto.

— Depois disso, iremos lhe tirar daqui, meu caro, para que não enfrente quaisquer problemas. Deseja ir a algum lugar?

O albino desenterrou a palavra. Naquele mundo havia uma palavra para cada coisa, o que era muito estranho. Ele já havia aprendido a falar razoavelmente bem, mas ainda era difícil lembrar todas as palavras.

— Tyrondir.

— Fabuloso — Fiona apertou os olhos e os lábios no que julgava ser um sorriso encantador. — Irá para o reino de Tyrondir.

O albino voltou a comer. Depois, iria vomitar, para poder comer mais.

— Ele foi mesmo um achado — disse Fiona Rigaud. — Meus parabéns, Lorde Fester. Fester Schwolld, um dos cavalheiros que se sentava numa poltrona no salão da família Rigaud, levantou seu copo em agradecimento.

— Mas o mérito foi de meu sobrinho. Ele ouviu falar do estranho procurando pelo rei. Houve uma risada.

Ali estavam os principais membros das três famílias nobres de Ahlen — Rigaud, Schwolld e Vorlat. Fora da mansão Rigaud, era um dia glorioso de sol vibrante, mas os nobres permaneciam encerrados dentro de suas paredes cheias de afrescos e tetos com iluminação artifi cial. Aquelas mansões e palácios eram um verdadeiro universo; tinham seus sóis e suas estrelas, tinham cadeias de vida e morte que rivalizavam em complexidade com aquelas criadas por Allihanna, a Deusa da Natureza. Os predadores dos salões usavam peles artifi ciais — de cores berrantes, com pedrarias e rendas — para se disfarçar em meio àquela selva.

— De onde acha que ele veio, tia? — perguntou Pietrus Rigaud, um sobrinho distante de Fiona.

— Quem se importa? — disse a dona do salão. — Existem muitas coisas estranhas neste mundo, e eu não quero saber nada sobre elas. Não me surpreende que haja um homem como aquele. Até onde me importa, ele só é muito conveniente.

Os outros concordaram.

Ali estavam os principais membros das três famílias nobres de Ahlen — planejando morte. Aqueles que se reuniam no salão de Fiona Rigaud tinham três traços em comum: desprezo pelo regente Th orngald Vorlat; sede de poder sufi ciente para se aliar às famílias rivais, e coragem para levar o plano a cabo. Alguns tinham coragem (ou desespero) de verdade, como Drasdes Vorlat, um primo do regente, que seria executado com certeza caso o esquema

fosse descoberto. Outros apenas incitavam os mais fracos a tomarem os riscos, e não corriam risco nenhum por si mesmos. Era o caso de Fiona Rigaud, uma viúva que tinha álibis, favores e chantagens para protegê-la de qualquer eventualidade.

Dentro do ninho de cobras que era Ahlen — e em especial a capital Th artann — era uma situação extrema a que trazia membros das três famílias para o mesmo salão. Vorlat, Rigaud e Schwolld eram rivais desde a fundação de Ahlen, e os nobres nunca haviam hesitado em incriminar, ameaçar ou assassinar uns aos outros em sua escalada eterna ao poder.

No entanto, agora não havia nenhuma situação assim tão extrema. Th orngald Vorlat era um regente tão corrupto e cruel quanto os seus predecessores, e não fi zera nada para incitar mais inimizades do que seria natural. A única razão pela qual as três famílias se uniam naquele momento era porque Fiona Rigaud havia dedicado uma década de ócio tedioso (desde a morte de seu marido, Xerxes Rigaud) a tecer as delicadas teias de desconfi ança, cobiça e débitos que por fi m haviam juntado os antigos rivais. Cada um naquele salão fora atraído por uma vantagem, e planejava trair todos os outros assim que ela fosse obtida. Drasdes Vorlat planejava, através de um casamento, fi car mais próximo na sucessão do trono assim que o herdeiro de seu primo morresse. Fester Schwolld tramava acusar a família Rigaud pelo crime e colocar sua própria família no comando do reino. Pietrus Rigaud tentava agradar sua tia para conseguir uma esposa rica longe de Ahlen — e depois usar o dinheiro dela para matar os parentes de quem podia receber herança. E assim por diante em diversos rostos, diversas vidas de tramoia, diversas histórias sórdidas de cada um dos conspiradores naquele salão elegante. Era tudo um jogo muito complicado, e só Fiona Rigaud conhecia todas as peças.

A família Rigaud governara Ahlen por séculos. Na fundação do reino, havia sido estabelecido um acordo mediante o qual as três famílias nobres iriam dividir o trono. No entanto, Rickard Rigaud fora ligeiro em assassinar os demais regentes — na primeira Noite das Máscaras — e tomar o poder para si mesmo. Através de uma duvidosa lei aprovada por Deheon, o Reino Capital, o trono de Ahlen passou a ser uma dinastia, que fi cou nas mãos da família Rigaud até há pouco.

Fiona Rigaud apenas desejava o que era de sua família por direito. Não tinha fi lhos, nem seria ela própria a usar a coroa — isto era óbvio. Mas o regente deveria ser um Rigaud. E a falta de herdeiros era o primeiro passo para que os Vorlat perdessem sua coroa recente.

Os conspiradores brindaram uns aos outros, cada um temendo os demais. O albino era uma dádiva dos deuses: um homem feroz e sem identidade, que, mesmo que fosse pego, não teria como lhes incriminar. Na verdade, caso fosse pego, o albino com certeza seria considerado um louco solitário. Fiona podia sentir a vitória sobre sua língua áspera.

— E ele não pode se voltar contra nós? — sugeriu um velho Schwolld.

— Por quê? — desfez Fiona Rigaud. — Ele não quer nada, entende? Nem ouro, nem mulheres, nada. Apenas faz muitas perguntas, e quer ver como se faz um rei — mais uma vez, um risinho afetado. — Th orngald não tem nada para lhe oferecer.

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— Ele pode ser enganado — insistiu o velho. — Nós estamos seguros.

Com isto, Fiona olhou signifi cativamente para Quincy Vorlat, um homem magro e pastoso que se encolhia em uma poltrona imensa. Quincy Vorlat não havia sido um nobre sempre — era um comerciante, e apenas já adulto conseguiu provar ser o fi lho bastardo de um Vorlat dado a amantes. Chantageou o pai até espremer o direito de usar o nome, e conspirava com Fiona e os outros por pura vingança contra todos os Vorlat.

— Nosso amigo Quincy tem serpentes que nos protegem — riu Fiona.

Todos fi caram em silêncio com suas bebidas. Serpentes — a sugestão de clérigos de Sszzaas, o Deus da Traição, morto mas ainda muito temido. O culto a Sszzaas era proibido em todo o Reinado, mas existiam muitos Szaazitas escondidos, e Ahlen era um terreno especialmente fértil para eles. Não se sabia por que os clérigos de um deus morto ainda recebiam seus poderes divinos — muitos diziam que szaazitas atualmente eram apenas um mito.

— Um brinde ao estranho, meus senhores! — Fiona quebrou o silêncio com sua voz torta e estridente. — Um brinde ao albino!

E os copos tilintaram.

Havia um tapete de cadáveres pelos corredores do palácio. O intruso, o estranho, o albino chegara.

— Vão pegá-lo! — berrou um capitão, vestido em uniforme impecável, para um grupo de soldados jovens.

Os homens hesitavam, tremiam. Tinham visto o desconhecido matar dúzias de seus companheiros, tinham-no visto ser perfurado por fl echas, cortado por alabardas, queimado por óleo e tochas, e continuava sempre. Os soldados estavam brancos como cal, e o suor de pavor escorria abundante de suas faces e pescoços. Dois deles tentavam em vão controlar as lágrimas. Seguravam sem força as armas. Naquele estado, não seriam capazes de matar um cervo.

— Ele vai nos matar, senhor — gemeu um dos soldados.

— Que seja, então! — o capitão gritou de novo. — Soterrem-no com seus corpos, façam uma barragem de cadáveres para que ele não possa entrar nos aposentos do regente! Deem sua vida pelo reino!

Mas nenhum deles sentia que estava dando a vida pelo reino. Estariam, eles tinham certeza, morrendo por nada. Permaneciam imóveis, exceto pela tremedeira.

Na passagem no fi nal do corredor, o intruso ainda podia ser visto. Ele estava nu, mas tinha uma roupa macabra feita de camadas sobre camadas de sangue coagulado. Muito do sangue era dele mesmo — arrancado pelos inúmeros talhos que cobriam seu corpo numa textura agonizante —, mas a maior parte era dos soldados mortos. E, mesmo que em alguns

pontos os cortes fossem tão profundos que o branco dos ossos aparecesse, o estranho não parecia debilitado. Pelo contrário, mal ofegava. Também não tinha a expressão de deleite selvagem que muitas vezes acompanhava um guerreiro no meio da matança. Era apenas um olhar inócuo em suas íris vermelhas, um olhar indecifrável que não traía emoção. Também não era de distanciamento frio, era algo diferente, que assustava os soldados quase tanto quanto a matança em si. O estranho apenas olhava daquele jeito horrendo, e apoiava as enormes mãos nos joelhos, arqueando de leve o corpanzil comprido.

— Covardes! — berrava o capitão. — Traidores medrosos!

— Filhos de prostitutas!

Um dos soldados não suportou mais e, com um grito patético, irrompeu do grupo compacto, brandindo sua lança e correndo na direção do estranho. Olhos esbugalhados de humilhação e medo.

O albino catou a lança antes que chegasse ao seu peito, e quebrou o cabo facilmente, com uma mão. Tomou a lâmina com um pedaço de cabo partido, enquanto, com a outra mão, segurou a haste inútil de madeira. Enfi ou a ponta da lança de um golpe só na garganta do jovem soldado. O corpo gorgolejou sangue e bolhas, e tombou.

O capitão tentava repreendê-los, mas avaliava se não seria melhor ter aqueles soldados como proteção caso ele mesmo fosse fugir. Foi tirado de suas dúvidas por um grupo de passos decididos, que ecoava no corredor largo atrás deles.

Eram dez homens. Cinco deles trajavam mantos escuros com bordados complexos, e os outros cinco vestiam robes negros impecáveis por cima de armaduras pesadas. O capitão suspirou aliviado — eram magos e clérigos de Tenebra, a Deusa das Trevas.

— Saiam do caminho — disse um dos clérigos. O grupo de soldados se abriu imediatamente, e os dez homens passaram.

O albino procurou em sua mente por um momento, e logo se lembrou de algo semelhante no início de sua incursão naquele mundo. Eram homens que utilizavam o poder dos deuses, e outros que usavam de alguma energia estranha que ele não conhecia.

Desta vez, o albino sorriu.

— Em nome de Tenebra e do reino de Ahlen, ordeno que se retire! — proclamou um dos sacerdotes.

Tenebra, embora fosse considerada maligna por boa parte das pessoas de Arton, não o era, exatamente. Tenebra era a Senhora da Noite, e protegia as criaturas noturnas, os que viajavam sob a escuridão e aqueles que preferiam seu frescor e sombra ao calor e luz sufocantes de Azgher, o Deus Sol. Tenebra era uma boa deusa para o reino de Ahlen. Aqueles clérigos tinham o símbolo de Tenebra — uma estrela negra de cinco pontas — bordado sobre o tecido já negro de seus robes, criando um efeito de vácuo, que dava a impressão de que a estrela era ainda mais negra que o negro, mais escura que a noite. O albino atacava à noite, pois o sol

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feria seus olhos. Os clérigos tinham força à noite, quando não se escondiam sob capuzes, mas surgiam em toda a sua glória, com armaduras requintadas.

O sacerdote repetiu seu desafi o. O albino apenas rugiu, com um esgar enlouquecido de riso.

E então, uma cacofonia de preces e palavras mágicas preencheu o corredor. Os clérigos eram envolvidos por sombras divinas, enquanto sua deusa lhes concedia bênçãos. Os magos, apontando dedos ossudos para o albino, disparavam energias bizarras.

O estranho não se mexia.

Fogo, gelo, água que queimava e pura energia arcana voaram num instante na direção do albino. O corredor foi tomado por fumaça e estrondos. Fez-se silêncio, enquanto o primeiro ataque mágico se desvanecia. Por trás, surgiu o albino, o estranho, o intruso. Não sofrera um arranhão. Com uma conjuração gritada, um dos magos disparou uma nova bateria de projéteis esverdeados na direção do inimigo. As energias mágicas dançaram e serpentearam, indo certeiras para o peito vasto do estranho. A um palmo de distância, se desvaneceram, como nada. Houve um engasgo.

Os clérigos atacaram. Uma coluna de chamas negras envolveu o intruso, e desta vez ele demonstrou sentir dor. Lanças foram arremessadas (sob as bênçãos de Tenebra), maldições foram rogadas, e todo o poder odioso daquela deusa foi derramado sobre o estranho. Ele, envolto pelas chamas que sugavam luz, gemia um trovão baixo, até que foi capaz de se concentrar por tempo sufi ciente. Retesou alguns músculos, fez alguns gestos curtos e de seu corpo houve diversos estalares. De repente, o poder de Tenebra desapareceu. O albino sorriu.

Os clérigos suplicavam à deusa, mas estavam impotentes. Por alguma razão, Tenebra não atendia às suas preces.

Os soldados fugiram. Os magos também tentaram, mas acabaram fi cando para trás. Os clérigos fi caram, e foram trucidados.

O intruso prosseguiu.

A imensa e pesada porta de carvalho, reforçada com o melhor aço, se abriu com um estrondo. A fechadura estava destroçada, rasgada como se fosse pano. Revelou-se um quarto suntuoso, cheio de detalhes multicoloridos e brilhantes, e repleto de frivolidades de mármore e ouro. No fundo do quarto, havia uma cama de madeira sólida, onde uma bela mulher de cabelos louros se encolhia. À frente dela, um homem alto, de rosto chupado e branco, cabelos muito negros e curtos, com trinta e poucos invernos. Trajava uma armadura de batalha completa, segurava um escudo e uma espada, e um elmo em uma das mãos.

— Desista! Volte! — disse Th orngald Vorlat, de dentro da sua armadura. — É sua última chance.

O intruso deu um passo à frente, as mãos crispadas em garras sujas. O homem de armadura fedia a medo.

Th orngald Vorlat estremecia. Fora ensinado a usar uma espada, claro — e fazia questão de se exibir para plebeus e nobres em sua esplêndida armadura e armas, todas encantadas por magos antigos. Mas aquilo não era algo que apreciasse fazer. Os reis bárbaros lutavam — ele era o regente de Ahlen, e seu campo de batalha era outro. Vestiu o elmo, fi cando totalmente coberto de metal. Um homem comum, mesmo um guerreiro experiente, sempre hesitava ante a visão de um inimigo oculto por aço. Não poder ver as feições do oponente de alguma forma gelava o sangue da maioria, dava a impressão de que o guerreiro de armadura não era uma pessoa, mas algo que só servia para matar, e não tinha pele, carne, ossos.

Essa era a esperança de Vorlat: amedrontar o intruso. Porque ele sabia que não seria