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Senomar, o bardo

115 Senomar, o Bardo

Nichaela os havia abençoado, pois sabia que os piores tipos de enfermidades pairavam em lugares como aquele. Graças ao conhecimento da Ordem de Tanna-Toh e à devoção da Ordem de Lena, muitos em Arton já sabiam que os dejetos traziam mais perigo do que monstros ou aço afi ado. Segundo a meio-elfa, Lena os protegeria contra os inimigos invisíveis.

Já há muitas horas eles caminhavam pelas câmaras do esgoto. Às vezes pareciam nem mais sentir os cheiros horrendos, outras sentiam-nos de tal modo que seus narizes queimavam, e eles achavam que não conseguiriam respirar. Mas, como sempre, seguiam.

Já no começo da longa caminhada, Kodai e Nichaela estavam completamente perdidos. Não só não conseguiriam ir a lugar nenhum pelo labirinto de túneis; nem mesmo poderiam tomar o caminho de volta sozinhos. Mas Artorius seguia sem hesitar, como se conhecesse há muito o complexo. No entanto, nunca havia estado por lá.

— Como sabe que não estamos perdidos? — disse Kodai. Ele adoraria ter, no mínimo, um mapa.

— Eu sei — trovejou Artorius, breve. — Qualquer minotauro saberia — havia uma sugestão de arrogância naquela afi rmação, um traço da raça de Artorius que ele, por mais que tentasse, não conseguia suprimir.

E, de fato, era verdade. A maioria dos minotauros não teria qualquer difi culdade em achar o caminho certo no mais diabólico dos labirintos. Uma vez que tivesse uma boa ideia da direção na qual seguir, Artorius podia vencer os túneis sem preocupações. Com efeito, em Tapista, o Reino dos Minotauros, as ruas e construções eram tão complexas como qualquer labirinto.

— Não estamos longe do palácio — completou Artorius.

As correntes de água imunda começaram a correr mais fortes, e o nível da água, lentamente, começou a subir. Começava a chover lá fora.

Por mais algum tempo eles dobraram em vários pontos, cruzaram câmaras amplas e prosseguiram cegos, à exceção do lampião de Nichaela e dos instintos de Artorius.

Até que ouviram algo.

Ambos os homens se colocaram, instintivamente, de modo protetor dos dois lados de Nichaela. Naquele momento, os dois pareciam companheiros de longa data. E a clériga não percebeu, mas Kodai já a protegia com o mesmo fervor de Artorius. Não, não o mesmo fervor: a mesma intensidade. Era um fervor diferente.

Aproximaram-se com vagar da fonte do barulho. A corrente, que agora já era forte como deveria ser a chuva, chiava e encobria seus passos molhados. Fizeram uma curva e enxergaram uma luz, longe, adiante num dos túneis cilíndricos. E, com mais clareza ouviram: eram vozes, várias e humanas. Entreolharam-se. As vozes aumentaram para virar gritos, ouve uma correria encharcada pelo piso inundado, e o sibilar inconfundível de aço contra bainha. Armas estavam sendo sacadas.

Mais uma vez os dois guerreiros agiram como um: decidiram ao mesmo tempo que aquilo valia ser investigado, e jogaram a cautela ao inferno enquanto corriam, água quase até os joelhos, na direção da luz e do ruído.

— Fique aqui, irmãzinha — disse Artorius. Nichaela, é claro, não obedeceu.

Artorius e Kodai chegaram rapidamente à cena que lhes havia atraído: eram cinco homens, todos com os uniformes pomposos da milícia de Th artann. Trajavam máscaras idênticas, brancas e sorridentes. Um deles, mais à frente, segurava um jovem vestido todo de negro. Ameaçava-o com uma espada. Todos os guardas tinham espadas.

O jovem não usava máscara. Era alto e magro. Via-se um pouco de sua face ossuda por trás dos cabelos, que eram uma massa negra e longa, ondulada e com alguns nós. Não parecia ter muito mais de vinte anos, e não carregava nenhuma arma.

— O que fazem com ele? — Kodai elevou sua voz límpida.

Os cinco guardas fi caram estáticos por um momento. Os dois guerreiros viram que, mais atrás, havia um saco grande, contendo alguns objetos de ângulos retos que forçavam o tecido. O que quer que o saco contivesse, os guardas haviam tido o cuidado de pousá-lo de um modo que não se molhasse. Havia também dois lampiões repousando sobre uma parte seca.

Os guardas fi caram estáticos por um momento, mas só um momento. Não houve tempo para negociações, pois o líder disse:

— Não são humanos. Ataquem!

Artorius e Kodai urraram ao mesmo tempo, erguendo suas armas. Artorius soltou um rugido bestial, gritando em júbilo guerreiro vários dias de frustrações. Kodai, rasgando sua garganta em uma palavra nativa, encheu-se de força e vontade. Os guardas avançaram.

O primeiro atacou Artorius com sua espada, mas o machado do minotauro desceu em velocidade extrema para encontrar a lâmina mais fraca, que se partiu e voou, rodopiando para longe. No mesmo movimento, Artorius rasgou profundamente o tronco do guarda, que caiu no mesmo instante. Kodai correu para encontrar os guardas no meio de seu ataque. Antes que os homens houvessem preparado direito suas armas, Kodai desferiu um corte, rápido como um relâmpago, no guarda que estava mais à frente. E antes que ele percebesse o que acontecera, Kodai girou e se voltou para outro, fazendo um arco extenso com a espada curva. A cabeça do guarda caiu. O primeiro, que Kodai havia golpeado antes, fi nalmente viu o que acontecera: o sangue, enfi m, brotou em profusão de seu estômago, por um corte fi níssimo. Tombou, morto.

O líder dos guardas segurava o jovem magro como refém, sua espada encostada no proeminente pomo de adão do rapaz. O guarda restante recuou, fi cando próximo ao seu líder, a espada pronta mas tremendo. As faces brancas e artifi ciais dos guardas miravam os dois aventureiros.

Kodai e Artorius trocaram o menor dos olhares. Kodai correu em dois passos, chegando ao guarda, e abriu sua garganta em um esguicho forte de sangue. No mesmo momento, Artorius arremessou o machado na direção do líder. A maior parte do corpo do homem estava coberto pelo refém. No entanto, o imenso machado fez uma trajetória de precisão inacreditável,

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