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Os pesquisadores que enfrentaram os textos de Leminski, e com maior relevo aqueles que investigaram Vida, se depararam com este mesmo cenário caleidoscópico, com essa mescla de gêneros que caracteriza o estilo do autor. Por conta disso, para muitos deles, os livros se aproximam mais de ensaios do que propriamente de biografias, ainda que sejam ensaios biográficos, ou com tom biográfico. Entre eles está Sandra Novaes11 em sua tese O

reverso do verso – Paulo Leminski: a biografia de uma obra, apresentada em 2003 na Pós- graduação em História na Universidade Federal do Paraná. Sua proposta é traçar o percurso de construção do conjunto de textos de Leminski e entender como, paralelamente, se constrói também sua vida intelectual e consequentemente sua vida de autor. A respeito da tetralogia, Novaes a classifica como “ensaios biográficos”.

Penso que estes textos estariam melhor qualificados se chamados de "Ensaios biográficos". Essa nomeação se adequaria à sensação que emerge da leitura, a partir de um "contar" que acontece com leveza e sutileza. Nada do academicismo que frontalmente ele negava. Há dados históricos evidentemente, frutos de suas inúmeras leituras durante a vida, que circulam em movimentos acionados pela dicção da prosa leminskiana, extremamente pessoal, marcada pela afetividade, pelo envolvimento sempre urgente com a palavra, pela linguagem poética sempre presente em seus escritos. O que acontece com essas narrativas biográficas é o importante resgate das rasuras que marcam, não um homem mas a humanidade em diferentes momentos do

11 Sandra Novaes é doutora em História pela Universidade Federal do Paraná e mestre em Letras pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente é professora adjunta da UFPR atuando no campo da História Moderna e Contemporânea, especialmente nos temas autor, obra e biografia.

tempo, como Jesus e Trotski, e dois poetas muito especiais como Bashô e Cruz e Sousa. (NOVAES, Sandra, 2003, p. 204)

Novaes reconhece a possibilidade, avolumada e esclarecida por Toninho Vaz, de que a própria editora Brasiliense tenha estabelecido um “padrão” para suas coleções. “De qualquer forma Leminski coloca o seu tom pessoal.” (NOVAES, 2003, p. 205). Isso fica bastante claro, segundo Novaes, já nas “aberturas de impacto” das biografias, em que o poeta apresenta seus biografados. Há também um certo didatismo que percorre o texto e ganha contornos mais expressivos no final, quando elenca a bibliografia consultada, sugere leituras complementares e tece comentários sobre traduções feitas ao longo dos textos. Já nas primeiras páginas do livro sobre Cruz e Sousa, Novaes identifica o descolamento do texto em relação à tradição biográfica: “Como se percebe, o ensaio biográfico de Leminski foge ao padrão das narrativas do gênero. Essa é solta, fluente, não ‘colada’ a uma cronologia. O movimento é o de um ‘contador de histórias’". (Ibid., p. 206).

No mesmo sentido empregado por Noves, que sempre usa os termos “ensaio” ou “ensaio biográfico” para qualificar a tetralogia, o poeta e crítico Antonio Risério analisa panoramicamente a obra do poeta paranaense no artigo Breves toques para Leminski, publicado na revista Exu em 1989, e incluído no livro A linha que nunca termina – Pensando Paulo Leminski, Risério se refere às quatro biografias de Vida justamente como ensaios, todos produzidos por meio de uma linguagem telegráfica, tecida em frases rápidas.

Por essa pista, podemos atravessar um outro aspecto da produção de Leminski, a dimensão do ensaio, e aqui tenho em mente seu livrinho sobre Matsuó Bashô (Leminski escreveu outros no mesmo estilo sobre Cristo, Trótski e Cruz e Sousa, talvez o mais fraco do quarteto). É um trabalho tipicamente leminskiano. Leminski é um homem culto e escreve bem, características que já o colocam automaticamente acima da média literária brasileira. E faz parte do reduzido número de brasileiros (nikkeis fora, obviamente) que têm algo a dizer sobre o Japão e a cultura japonesa. A respeito de alguns aspectos dessa cultura, ele teria raros interlocutores entre nós, como os já mencionados Pedro Xisto e Haroldo de Campos. Mas, diferentemente de Haroldo, Leminski não tem densidade ensaística. Escreve por atalhos. Seus escritos são telegráficos, tecidos em frases rápidas, muitas vezes brilhantes, mas sugerindo, no geral, um aspecto de montagem aforismática. (RISÉRIO, Antonio. In: DICK, André; CALIXTO, Fabiano, 2005, p. 372)

A mesma sensação tem o poeta e biógrafo Domingos Pellegrini. Ele dedica um capítulo inteiro de sua biografia Minhas Lembranças de Leminski, intitulado O Polivivente - “Escrevendo biografias posso viver outras vidas!”, para registrar suas memórias e a leitura

que empreendeu dos livros que formam a tetralogia. Sua percepção de Cruz e Sousa – o negro branco é reveladora e sintomática.

Lendo Vida, porém, Pé Vermelho se decepciona com a “biografia” de Cruz e Sousa, tão preciosamente brilhante em algumas passagens quanto “lacunante”. Leminski corta ou omite muito mais do que conta, inclusive apenas se referindo de passagem às mortes do poeta e sua família por penúria e tuberculose, num explícito desdém a esses “detalhes”, preferindo focar sua poesia. Acaba sendo mais um ensaio que uma biografia, mesmo para o padrão preciso/agudo de Leminski. (PELLEGRINI, Domingos, 2014, p. 124, 125)

Alguns aspectos textuais de fato reforçam a percepção de que a tetralogia é um conjunto de ensaios, como entenderam Novaes, Risério e Pellegrini. No entanto, não são raros os momentos que o texto biográfico de Leminski se assemelha a uma notícia de jornal12,

a um poema13, a um ensaio sobre tradução14 ou mesmo a uma biografia tradicional15, o que

matiza seu estilo dando peso à sensação de um texto híbrido, que se costura por colagens e fragmentos. Não é possível afirmar categoricamente que Vida é um conjunto de ensaios, tampouco um conjunto de biografias em seu sentido tradicional, mas a sensação é de um texto que se funda no perpassamento de inúmeros gêneros: ele é concebido, já a princípio, numa encruzilhada em que tais gêneros sugerem caminhos, e tais caminhos se cruzam inadvertidamente, seguem juntos em partes do trajeto do texto e, em outras, se distanciam.

Insta dizer, da mesma forma, que o que chamamos de biografia tradicional, ou tradição biográfica, e até mesmo padrão biográfico, é também resultado de um processo histórico de formação deste gênero, processo este que, apesar de ainda estar em construção, já possui delineamentos razoavelmente claros. A biografia, como gênero, não é exclusividade de apenas um campo do conhecimento, mas guarda interlocuções com quase todos os ramos das 12 Um exemplo, no capítulo o profeta em sua terra, de jesus a.c.,: “Jerusalém, urgente — Na tarde de ontem, alguém que atende pelo nome de Jesus invadiu as dependências do Templo, agredindo e expulsando toda a casta de vendedores que ali exercia seu ofício.” (LEMINSKI, 2014b, p. 160).

13 Como exemplo podemos citar um trecho inicial do capítulo cruz e sousa e sua orquestra, da biografia de Cruz e Sousa: “Com a imprensa, a letra de música emudeceu na página branca. / E virou poema. / Que sempre foi lido, como sentido. E não enquanto forma. Enquanto lindo. (Ibid., p. 63).

14 Há inúmeros momentos que Leminski não apenas trata do tema da tradução, mas efetivamente traduz passagens e poemas dos biografados, entre eles está a tradução, e a análise da tradução, de um dos haicais mais famosos de Bashô – velha lagoa / o sapo salta / o som da água – que o biógrafo analisa linha a linha no capítulo nátsu (verão): “o som da água / A terceira linha do haikai representa o resultado da interação entre a ordem imutável do cosmos e o evento. Resultado distinto da conclusão de um silogismo da lógica grega aristotélica, com o qual o haikai parece ter certa semelhança formal, baseada no esquema ternário ou triádico do desenvolvimento.” (Ibid., p. 112).

15 A biografia de Trótski é que mais possui semelhanças com uma biografia tradicional, como por exemplo neste trecho do capítulo o poder: “Em 10 de outubro de 1917, numa casa nos subúrbios de Petrogrado, o Comitê Central do Partido Bolchevique decidiu-se a favor da revolta armada. Dos doze membros presentes, dez votaram a favor da insurreição imediata, entre eles, Lênin, Trótski, Stálin, Alexandra Kollontai e Dzerjinski, o conde polonês, que, depois, viria a ser o chefe de polícia do governo bolchevique. Zinóviev e Kamenev, cunhado de Trótski, votaram contra.” (Ibid., p. 303).

Ciências Humanas. Sandra Novaes, na já referida tese, divide a história do fazer biográfico em dois momentos: a biografia tradicional e a moderna. Valendo-se das ideias do romancista e ensaísta francês André Maurois, em sua obra Aspects de la biographie, Novaes explica que a biografia tradicional, também chamada vitoriana, emerge no século XIX, é bastante documental e focada nos principais feitos do biografado e nas lendas que deles derivam. “A ideia de virtude e de exemplo moral norteavam essas narrativas biográficas que eram bastante reservadas. Há também uma intenção pedagógica, uma preocupação com a formação do leitor.” (NOVAES, 2003, p. 52). A característica mais apreciada pelos biógrafos vitorianos era a conveniência, posto que a vida privada, as fraquezas, erros, loucuras, deveriam passar desapercebidos ou, no mínimo, ter pouca relevância na narrativa. Os biógrafos, dessa forma, se convertiam em testamenteiros, tendo em vista a discrição com que narravam os pormenores de seus personagens.

O começo do século XX, contudo, torna-se um marco para o gênero biográfico, pois escancara o homem moderno, mais inquieto e carente de encontrar pares para dividir sua inquietude.

A psicanálise de Freud vai dar novos subsídios à técnica biográfica. O homem moderno passa a ser visto e contado como alguém que não só possui virtudes mas também vícios, passa a ser analisado como um ser complexo, inquieto. A figura do herói desaparece para dar lugar a um sujeito humanizado, que vive a cotidianeidade e seus conflitos. Com Freud, diz Richard Elmann, outro estudioso da biografia, a "certeza de que, dentro de nós, há uma vida secreta ativa, apenas parcialmente sob nosso controle". Os leitores da época vivenciam e partilham destes sentimentos e buscam nas biografias um reconhecimento para suas próprias angústias. (NOVAES, Sandra, 2003, p. 53)

Freud ajuda a complexificar a psiquê humana e, dessa forma, introduz novos dilemas ao fazer biográfico. A partir dele o interesse pelas ideias, pelo seu interior e aquilo que transita ao seu redor, ganha importância, ultrapassando inclusive o interesse por seus feitos. Nasce a recusa de que o sujeito biografado só existe a partir dos olhos do outro, dos documentos deixados, dos testemunhos mais próximos. O biógrafo se vê, então, neste ínterim: “o biógrafo disso está consciente na mesma medida em que, se reconhecendo no outro, reconhece-o em si mesmo. Este é um dos limites da biografia.” (NOVAES, 2003, p. 54). É neste momento de surgimento da biografia moderna que as noções do público e do privado se transformam em elementos constituidores do gênero biográfico. A vida cotidiana, antes descartada, passa a integrar o relato. Além dela, o fazer biográfico se traduz não mais apenas como um problema histórico, mas ético e estético.

Na realidade, a biografia só vai ser pensada como possibilidade de uma história individual de sujeitos comuns e não mais de heróis em meados do século XIX, isto é, na modernidade, quando o indivíduo comum, tornando-se objeto do relato biográfico, torna-se um herói diferente do herói de outrora que, para exercer esse papel, deveria ter praticado um "ato heróico".

[…] E compreender as suas implicações morais, sociais, políticas. E ter em mente o sujeito, objeto do contar, se dar conta das diferentes razões pelas quais ele é contado, dos diferentes olhares que lhe são voltados, dos diferentes modos de contar. A biografia possui, indubitavelmente, um caráter transgressivo. O jogo entre o público e o privado é, sem dúvida, um dos fatores que mais desperta o interesse dos leitores por esse gênero de texto ou narrativa. (NOVAES, Sandra, 2003, p. 49, 50)

A biografia moderna, portanto, tenta encontrar o lugar do biografado no mundo exterior e também em seu próprio mundo interior, relatando suas relações sociais e afetivas ao mesmo tempo em que evidencia como eles viveram suas vidas, como foram impactados por seu momento histórico, como se relacionaram com os bens simbólicos, com suas leituras e escritos, e de que forma eles podem ser reconhecidos em sua jornada. Novaes pontua que alguns eventos históricos também influenciaram a forma de se pensar e escrever uma biografia, a exemplo das duas grandes guerras mundiais. É neste momento que Virgina Woolf escreve dois artigos muito importantes: The new biography (1927) e The art of biography (1932). O segundo deles, em particular, inclui um questionamento novo: poderia a biografia ser também uma arte?

The art of biography, we say —-but at once go on to ask, is biography an art? The question is foolish perhaps, and ungenerous certainly, considering the keen pleasure that biographers have given us. But the question asks itself so often that there must be something behind it. There it is, whenever a new biography is opened, casting its shadow on the page; and there would seem to be something deadly in that shadow, for after all, of the multitude of lives that are written, how few survive! (WOOLF, Virgina, 2015, n.p.)

É possível dizer, argumenta Virgina Woolf, que a biografia, comparada com outras artes escritas como a prosa e a poesia, é uma arte jovem. Caso se pense nos biógrafos vitorianos, o cenário se altera, posto que eles obedeciam, quase sem questionamentos, o que lhes era pedido, registravam, sem pestanejar, o que lhes era dito: “The biographer obeyed. And thus the majority of Victorian biographies are like the wax figures now preserved in Westminster Abbey [...]”. (WOOLF, 2015, n.p.). Com a biografia moderna, prossegue Woolf, especialmente na pena de Lytton Strachey e seus livros Eminent Victorians, e especialmente Queen Victoria, Elizabeth and Essex, a biografia ganha novos ares e contornos artísticos. “To a writer like himself, who had wished to write poetry or plays but was doubtful of his creative power, biography seemed to offer a promising alternative.” (Ibid., n.p.). Strachey

testou as liberdades da biografia e triunfou, provou seu talento e jogou luz sobre a perspectiva da biografia como uma arte. Porém, como explicar que Victoria tenha sido um grande sucesso enquanto Elizabeth avultou inúmeras falhas? “But it seems too, as we compare them, that it was not Lytton Strachey who failed; it was the art of biography. In the Victoria he treated biography as a craft; he submitted to its limitations. In the Elizabeth he treated biography as an art; he flouted its limitations.” (Ibid., n.p.).

Para Woolf, o labor biográfico a se levar a cabo em ambas biografias eram distintas, daí decorre a diferença. Sobre Victoria havia farto material, ampla documentação e conhecimento comum sobre sua vida – o biógrafo poderia, portanto, escolher aqueles mais interessantes para o enredo, verificá-los, e costurar sua linha narrativa.

There was Queen Victoria, solid, real, palpable. But undoubtedly she was limited. Could not biography produce something of the intensity of poetry, something of the excitement of drama, and yet keep also the peculiar virtue that belongs to fact — its suggestive reality, its own proper creativeness? (WOOLF, Virgina, 2015, n.p.)

Já sobre a rainha Elizabeth pouco se sabia: a sociedade em que vivia era tão remota que seus hábitos, motivações e mesmo as ações estavam envoltas em obscuridade. Ainda assim, lendas e causos a seu respeito cruzaram os tempos, o que daria ao biógrafo, hipoteticamente, a chance de mesclar biografia e literatura, transformando o ofício indubitavelmente em arte.

Nevertheless, the combination proved unworkable; fact and fiction refused to mix. Elizabeth never became real in the sense that Queen Victoria had been real, yet she never became fictitious in the sense that Cleopatra or Falstaff is fictitious. The reason would seem to be that very little was known — he was urged to invent; yet something was known — his invention was checked. The Queen thus moves in an ambiguous world, between fact and fiction, neither embodied nor disembodied. There is a sense of vacancy and effort, of a tragedy that has no crisis, of characters that meet but do not clash. (WOOLF, Virgina, 2015, n.p.)

Para Woolf, ainda que o biógrafo se queixe que esteja amarrado aos fatos, declarações e documentos, estas são limitações necessárias. Não é possível mesclar deliberadamente ficção no ofício biográfico. “No one, the conclusion seems to be, can make the best of both worlds; you must choose, and you must abide by your choice.” (WOOLF, 2015, n.p.).

By telling us the true facts, by sifting the little from the big, and shaping the whole so that we perceive the outline, the biographer does more to stimulate the imagination than any poet or novelist save the very greatest. For few poets and novelists are capable of that high degree of tension which gives us reality. But almost any biographer, if he respects facts, can give us much more than another fact to add to our collection. He can give us the creative fact; the fertile fact; the fact that suggests and engenders. Of this, too, there

is certain proof. For how often, when a biography is read and tossed aside, some scene remains bright, some figure lives on in the depths of the mind, and causes us, when we read a poem or a novel, to feel a start of recognition, as if we remembered something that we had known before. (WOOLF, Virgina, 2015, n.p.)

Atualizando a discussão sobre o estado da arte da biografia, sua relação com a literatura, apontada acima por Woolf, bem como a importância da escrita criativa para o processo de criação, e atando tal discussão ao nosso objeto, Vida, traremos ao debate um autor de importância singular, Pierre Bourdieu, e seu já citado artigo A ilusão biográfica. Não repetiremos aqui o que já foi tratado neste trabalho, mas reforçaremos a importância dele para a conformação do gênero biográfico, pois sua crítica atingiu um ponto crucial: a linearidade que se esperava de uma narrativa biográfica. A ilusão biográfica, dessa forma, é pressupor que a vida de alguém possa ser contada numa sequência linear de fatos, com começo, meio e fim. Como vimos, essa ideia de quebra de linearidade acompanha uma tendência advinda do romance moderno, ou “nouveau roman”. Com o advento de novas técnicas narrativas na prosa, a biografia também internalizaria a percepção da descontinuidade do tempo, da realidade apresentando-se de maneira intermitente e mesmo aleatória, abrindo-se para imprevisibilidade. Para Novaes, a perspectiva de Bourdieu abre um espaço de liberdade fundamental para se trabalhar o relato biográfico sem a ortodoxia cronológica que marca a produção anterior. Além disso, ao abandonar a ilusão biográfica, o biógrafo se permite um enfrentamento consigo mesmo e se vê livre de um peso histórico enorme: o de contar a “verdade” de uma vida. “O que se pode fazer é produzir um discurso que revele justamente a multiplicidade de sentidos de que uma vida se constrói.” (NOVAES, 2003, p. 56).

É importante mencionar, e assim também o faz Novaes, que Bourdieu retoma, em seu artigo, uma noção anterior desenvolvida por Hippolyte Taine, a da multiplicidade. Para Taine, o ser humano é alguém fragmentado e sua vida cotidiana é extremamente relevante quando se deseja contar sua história de vida remontando, de alguma forma, estes fragmentos. Trata-se de um rompimento com o conceito de herói, cuja vida é um empilhamento de grandes feitos, e volta os olhos para as pessoas comuns, para as vidas “normais”, para os detalhes que nos congregam como humanos pertencentes a uma determinada cultura, geografia, história e sociedade. Ele permite, dessa forma, que a biografia se torne uma maneira interessante de entender como uma pessoa vive, age, pensa, como ela se relaciona com suas paixões, costumes, como constrói seus hábitos e nuances. Mais recentemente, contudo, a narrativa biográfica recebeu um novo ingrediente. Citando o historiador Benito Schmidt, Novaes sublinha-o.

Quanto ao espaço do campo narrativo da biografia, nas últimas décadas do século XX, ele se abre para outras áreas como vimos, mas e "sobretudo para os jornalistas que, com suas pesquisas minuciosas e seu estilo envolvente, conquistaram o público e a crítica". Esse comentário é pertinente porque o dueto historiador/jornalista é um traço marcante no ressurgimento da tarefa biográfica, não apenas no Brasil mas no mundo. Ambos desenvolvem seu