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4 BASHÔ O JAPÃO EM MIM

4.7 UM POUCO ZEN, UM POUCO KOAN

O capítulo seguinte, fuyú (inverno), inicia-se com uma epígrafe de um poema de Bashô51 e centra sua análise em um ponto específico, “a força determinante na vida de Matsuó

(sua forma)”, que segundo Leminski era “uma coisa chamada zen.” (LEMINSKI, 2014b, p. 125). Indo ao encontro da percepção de Domingos Pellegrini, de que a lágrima do peixe se apresenta menos como uma biografia de Bashô e mais como um ensaio sobre o zen e o haicai, nas seis páginas deste capítulo o nome do biografado é citado apenas seis vezes (incluindo a epígrafe), sendo quatro delas ainda na primeira página, quando o biógrafo introduz o tema do zen.

51 “do orvalho / nunca esqueça / o branco gosto solitário”. (BASHÔ apud LEMINSKI, 2014b, p. 125).

O zen é um assunto importante para Leminski. Segundo Toninho Vaz, é provável que ele tenha tomado contato pela primeira vez com o zen-budismo quando tinha cerca de 13 anos, dentro do mosteiro de São Bento, na cidade de São Paulo. Foi D. João Mehlmann, um especialista na Sagrada Escritura e bastante dado aos estudos de originais gregos, quem apresentou a Leminski a biblioteca do mosteiro e o introduziu no estudo de outras religiões e filosofias.

É provável, também, que Leminski tenha estabelecido nesta mesma época os primeiros contatos com os fundamentos filosóficos de outras religiões, notadamente o budismo e o zen-budismo. De qualquer forma, sabe-se que através de D. João Mehlmann ele ficaria conhecendo o “outro lado” da religião, as chamadas “filosofias orientais”. Dizia-se atraído por um pensamento que pudesse estabelecer uma unidade harmônica entre o indivíduo e o Universo, “sem intermediários”. Seguindo o pensamento de Santo Agostinho, porém sem as amarras da ortodoxia. No futuro, estas descobertas e influências seriam marcantes em sua vida intelectual — e devidamente utilizadas como temática de alguns ensaios e inspiração para muitos poemas. (VAZ, Toninho, 2009, p. 41, 42)

Além dos ensaios e poemas52 (e da biografia de Bashô), Leminski também escreveu

sobre a cultura oriental numa edição especial do jornal Anexo, de abril de 1977, que tinha como tema geral da publicação Zen e as artes marciais japonesas. Seu ensaio, cujo título era Zen: o fruto de um silêncio de Buda, apresentava aos leitores oito koans – que ele traduz como “anedotas para abrir sua cuca”. (LEMINSKI apud VAZ, 2009, p. 203, 204). É justamente o tema dos koans que Leminski tratará no próximo capítulo de a lágrima do peixe, mas ainda neste terceiro capítulo, do qual estamos tratando agora, há similitudes com o artigo precursor em questão, bem como com o primeiro poema-ensaio de uma série publicada em Ensaios e Anseios Crípticos e intitulada Variações para silêncio e iluminação. Isso fica evidente nessa frase escrita no fim de um parágrafo do capítulo em questão da biografia de Bashô: “O cristianismo nasceu das palavras de Jesus, o zen brotou de um silêncio de Buda.” (LEMINSKI, 2014b, p. 126). Além da semelhança com o título do ensaio publicado no Anexo, Leminski empresta um trecho do próprio poema, o silêncio de buda, e o transforma em parte de uma frase que compõe o texto de a lágrima do peixe: assim, agrupamos mais um elemento de colagem, de reutilização de textos antigos em textos novos, uma reciclagem que

52 Segundo Toninho Vaz, inclusive o título de Distraídos Venceremos é uma influência do zen. Leminski queria encurtar a lonjura entre expressão e realização a fim de desenvolver um pensamento síntese de seus estudos sobre o zen, e assim encontrar uma forma de verbalizar seu contraponto contra o popular slogan “unidos venceremos”, tão comum no movimento sindical da época: foi dessa formulação que surgiu o título

Distraídos Venceremos, síntese que ele usava para rebater os argumentos quando o papo cambaleava para a

o ajuda a construir seus argumentos em torno de assuntos sobre os quais escreve com frequência.

o silêncio de buda

o cristianismo nasceu das palavras de jesus o zen nasceu

de um silêncio de Buda um dia o iluminado em lugar do sermão apresentou aos discípulos uma flor

sem dizer palavra

um único discípulo entendeu mahakasyapa

primeiro patriarca do zen

a doutrina da meditação silenciosa da concentração descontraída da dança não dançada da voz sem voz da iluminação súbita da luz interior

de superação dialética dos contrários da vida diária (LEMINSKI, Paulo, 2012, p. 19, 20)

Um parêntese: na segunda página de fuyú (inverno), Leminski escreve que a história zen, seja em sua acepção hindu ou no chang chinês, é escrita por patriarcas, que transferem o poder ao longo das gerações.

Os moldes da sucessão do principado nos mosteiros zen, esta passagem de poder, de patriarca a patriarca, foi registrada numa obra chamada A transmissão da lâmpada, como se passassem, um ao outro, de mão em mão, a luz da flor do zen, essa flor de luz total. (LEMINSKI, Paulo, 2014b, p. 126)

Como vimos na introdução deste trabalho, a transmissão da lâmpada tem um sentido maior para Leminski: assim ele expressou literalmente em carta a Régis Bonvicino (quando ele, Leminski, sentiu que Décio Pignatari transmitia a lâmpada do concretismo a eles – Leminski, Antonio Riserio e Régis Bonvicino), fato em que Celia Pedrosa, em Paulo Leminski: sinais de vida e sobrevida, enxerga um vestígio claro da essência do hibridismo de Leminski, de sua definição como centauro, uma das características mais frequentes em seus textos biográficos.

Findados estes parênteses, voltemos para fuyú (inverno), particularmente suas duas últimas páginas, quando o biógrafo passa a traçar um paralelo ocidental para o zen, que seria o cinismo grego: “’A virtude está nos atos e não necessita de discursos nem ciências

numerosas’, este é o princípio de Antístenes, o pai dos cínicos.” (LEMINSKI, 2014b, p. 128). Segundo Leminski, o cinismo foi desenvolvido por Antístenes, Diógenes, Crates e Bion, mas descende diretamente de Sócrates e responde pelas tendências mais avançadas da cultura grega (os tempos da conquista macedônica): “cosmopolitismo, individualismo exacerbado, perda da fé nos deuses da Cidade, orientalização.” (Ibid., p. 128). O cinismo era, em outros termos, uma vanguarda.

Leminski faz questão de lembrar que “cínico”, em grego, é relativo a “canino, de cão”: Antístenes fala sobre um lugar chamado Cinosargo, que significa “cão brilhante”, e nomeava a si mesmo como Aplokyon, “cachorro manso”. “De qualquer modo, animal totêmico e emblemático dos cínicos, o cão era o modelo de Diógenes.” (Ibid., p. 129). O biógrafo ainda acrescenta que, quando perguntado sobre o que faria caso fosse chamado de cão, Diógenes respondia: “agrado aos que me dão, ladro aos que não dão e mordo os maus.” (DIÓGENES apud LEMINSKI, 2014b, p. 129). Em seu tempo, Leminski também respondeu ao chamado de uma vanguarda, foi influenciado por um forte orientalismo, e num de seus mais conhecidos poemas, chamou a si mesmo de “cachorro louco”.

o pauloleminski é um cachorro louco que deve ser morto a pau a pedra a fogo a pique senão é bem capaz o filhadaputa de fazer chover em nosso piquenique

(LEMINSKI, Paulo, 2014a, p. 102)

Zen e cinismo grego ganham ainda um novo capítulo, diógenes e o zen, que complementa a discussão iniciada no capítulo anterior e se inicia com uma pergunta: seria o cinismo grego um modo de vida ou uma doutrina filosófica? “Isto é: palavras ou não palavras.” (LEMINSKI, 2014b, p. 130). Esta pergunta é, para Leminski, elementar: nela reside a mais importante convergência e tangência entre o cinismo grego e o que chamou de zen sino-nipônico: “a consciência atingida sem palavras.” (Ibid., p. 130). No caso do zen, seu treinamento é direcionado a um despertar, à iluminação (o satôri). Para atingi-la, os mestres zen usavam práticas que Leminski chamou de “aberrantes, para nossos conceitos ocidentais de pedagogia, centrados na palavra.” (Ibid., p. 130). Estas práticas envolviam pancadas, pedidos absurdos e principalmente atenção à contação de anedotas exemplares: elas eram atribuídas aos velhos mestres e chamadas, em japonês, de koans. Para o biógrafo, a prática anedótica une umbilicalmente o cinismo grego e o zen-budismo. No decorrer das próximas

duas páginas ele passa a narrar dois koans (duas dessas anedotas exemplares) e a explicar sua importância para a transmissão de conhecimento e a educação intelectual dos iniciados. Mas os koans, segundo Elizabeth Rocha Leite, são importantes também para outra coisa: a poesia de Leminski.

[...] a produção leminskiana de versos curtos e aforísticos tem afinidade com os koans. Essas formas de diálogo zen apresentam-se muitas vezes ao leitor ocidental como manifestações de uma lógica paradoxal que tem muitos pontos em comum com os conceitos da filosofia da diferença: paradoxo, síntese disjuntiva (Deleuze) e indecibilidade (Derrida). […] é possível constatar correspondências entre a escrita do autor e os mecanismos lógicos que fundamentam o pensamento e o humor zen, assim como seus princípios éticos e estéticos. (LEITE, Elizabeth Rocha, 2012, p.111, 112)

Um exemplo citado por Elizabeth Rocha Leite53 desta afinidade pode ser lida num

poema muito conhecido de Leminski, incenso fosse música.

isso de querer

ser exatamente aquilo que a gente é

ainda vai nos levar além

(LEMINSKI, Paulo, 2014a, p. 228)

Esse poema com ares de aforismo, argumenta Leite, tem pretensões existencialistas e pode ser, ao mesmo tempo, verdadeiro e falso: um paradoxo de significado. Assim, o poeta nos obriga a pensar filosoficamente e levantar questões como: por que querer ser, no futuro, algo que já somos no presente?; Por que isso ainda nos levará além? (LEITE, 2002, p. 117). A pesquisadora analisa ainda outros 11 poemas de Leminski sob o mesmo prisma: conectá-los ao koan. Entre os escolhidos está Motim de mim (1968-1988), publicado pela primeira vez no livro La vie em close.

xx anos de xis, xx anos de xerox, xx anos de xadrez, não busquei o sucesso, não busquei o fracasso, busquei o acaso,

esse deus que eu desfaço.

(LEMINSKI, Paulo, 2014a, p.257)

53 Elizabeth Rocha Leite também define o que, para ela, é um koan. Ele é a forma japonesa que descende do termo chinês kung-an, e trata-se de uma prática de contemplação e meditação que chegou ao Japão no final do século XII. Duas escolas principais foram formadas: Soto, mais tradicional; e Rinzai, mais inovadora. Em termos formais, koan é o diálogo entre um mestre e um discípulo e busca exercitar a percepção e aflorar ideias e insigths. (as “sacadas”) para que barreiras conceituais possam ser ultrapassadas e se atinja a iluminação. Os koans são formas de tentar vencer essas barreiras mentais. A pesquisadora cita as duas coleções clássicas de koans chineses: Blue Cliff Record (1125) e Gateless Gate (1228). (LEITE, 2012, p.111, 112).

Diante das opções dadas pelo establishment – o sucesso e o fracasso -, ainda segundo Elizabeth Rocha Leite, o poeta apresenta uma terceira via, o acaso. O acaso, como conceito, lembra a pesquisadora, era cultuado na década de 1970 pela contracultura, e certamente Leminski estava a par dessa informação. Além disso, no poema em questão, ele usa o “x”, que pode ser lido como uma variável qualquer, mas também pode ser entendido como uma variável aleatória do processo estocástico da teoria da probabilidade matemática conhecido como “cadeias de Markov” e sua sequência de X1, X2, X3 e etc. Leite acredita que Leminski conhecia bem o conceito, pois os concretistas já haviam abordado seu uso em trabalhos sobre teoria da informação (ou teoria matemática da comunicação). Além disso, o poeta citou as cadeias de Markov (que nomeou Markoff) no prefácio de Distraídos Venceremos.

Nas unidades de Distraídos venceremos (1983-1987), resultado do impacto da poesia de Caprichos & relaxos (1983) sobre a fina e grossa cútis da minha sensibilidade lírica, calmes blocs ici-bas chus d’un désastre obscur, cadeias de Markoff em direção a uma frase absoluta, arrisco crer ter atingido um horizonte longamente almejado: a abolição (não da realidade, evidentemente) da referência, através da rarefação.

Seria demais, certamente, supor que eu não precise mais da realidade. Seria de menos, todavia, suspeitar sequer que a realidade, essa velha senhora, possa ser a verdadeira mãe destes dizeres tão calares.

É quando a vida vase. É quando como quase.

Ou não, quem sabe. (LEMINSKI, Paulo, 2014a, p. 404)

Esse acaso que vence as probabilidades matemáticas de uma iluminação poética, um satôri lírico, a capacidade de descobrir fenômenos de forma acidental, ou de se criar coisas baseado em circunstâncias casuais, é chamada, em inglês, de serendipity. “No caso de Leminski, a prática zen e a sagacidade de observar o cotidiano com um olhar descondicionado foram essenciais para desenvolver sua ‘serendipidade’”. (LEITE, 2012, p. 124). Para a pesquisadora, em seus haicai livres, Leminski segue alguns preceitos estéticos wabi-sabi, que decorrem do conceito zen da imperfeição, impermanência e incompletude do mundo físico – características que vão ao encontro da serendipidade e do acaso, como conceito, sendo que ambos ressoam na ideia de koan como um mecanismo para ultrapassar barreiras mentais e se chegar a um momento de iluminação (mesmo que ela seja meramente poético). Para os primeiros autores de haicai, exemplifica Elizabeth Rocha Leite, tanto a simplicidade rústica, a solidão e a quietude da vida na natureza (wabi) quanto a beleza e a serenidade das coisas e objetos que sofreram a ação do uso e do tempo (sabi) são motivos de inspiração poética. (LEITE, 2012, p. 125).

Leminski escreveu sobre wabi e sabi (e também sobre fu, yugên, shibúmi, hosomi, miyabi, karúmi, mu-ga e mui) no ensaio Ventos ao vento, incluído em Ensaios e Anseios Crípticos. Para o poeta, Wabi é a simplicidade silenciosa, um dos conceitos centrais de qualquer arte, pois wabi, quando usado como substantivo, significa “gosto pelo simples e tranquilo.” Por isso, ele representa uma força estética poderosa que é conseguida com parcos recursos, com simplicidade e singeleza. A extrema síntese do haicai contém o wabi, “com seu horror ao grandiloquente e ao explícito, feito mais de vazios que de presenças, privilegiando o reles e o banal, o vulgar e o cotidiano, completo/incompleto em suas dezessete sílabas.” (LEMINSKI, 2012, p. 374). Na arte ocidental, segundo Leminski, a presença do wabi precisa ser buscada nas vertentes artísticas construtivistas, particularmente o geometrismo abstrato, o minimalismo e, claro, o concretismo. Mas há um porém: mesmo nessas vertentes, o esforço pela simplicidade é notável, mas o wabi exige astúcia, precisa de dissimulação e diluição no resultado final, que exibe um falso desleixo54. No que concerne ao sabi, Leminski foi mais

econômico e fez questão de o remeter a Bashô.

SABI

(a cor do tempo)

“Sabi” é pátina, a marca do tempo nos artefatos de metal, a presença da passagem dos dias e anos nos objetos do mundo.

Numa sociedade como a japonesa, onde sempre houve harmonia entre passado e presente, “sabi” é uma qualidade positiva, atribuída pelos especialistas aos haikais de Bashô.

É o sépia das fotografias antigas, recuperado positivamente. (LEMINSKI, Paulo, 2012, p. 378, 379)

É possível identificar, como sugeriu Leite, os elementos de wabi-sabi não só na poesia, mas também nos ensaios e textos biográficos de Leminski (e mais notável ainda é o fato deles serem ainda mais perceptíveis se tomarmos como base as definições de wabi e sabi do próprio Leminski, o que demonstra consciência dos objetivos textuais): o falso desleixo, a busca pela síntese e a tentativa de dissimulação do esforço intelectual em criá-la (como se cada poema viesse de uma “sacada” rápida que não exigisse depuração), os paradoxos e jogos entre passado e presente (como as inúmeras menções e referências a músicos, poetas, pensadores e pintores em cruz e sousa – o negro branco) e etc.

Na sequência de diógenes e o zen, Leminski passa a abordar os “caminhos” para acessar o zen, ou seja, as práticas criadas por mestres experimentados: os dôs – vias de acesso à experiência zen, formas onde o zen pode manifestar-se concretamente.

Bashô praticou vários deles.

Os principais: ken-dô (o caminho da espada), kyu-dô (o caminho do arco e flecha), chá-dô (o caminho do chá), chu-dô (o caminho da caligrafia), ka-dô (ikebana, o caminho das cores). E — claro — o haiku (o caminho do haikai), a partir de Bashô, um dô.

Ele transformou a prática frívola do haikai em caminho espiritual para a experiência zen. Assim como Jigorô Kano, duzentos anos depois, transformou as técnicas de luta corpo a corpo do Japão feudal numa arte chamada judô, hoje esporte olímpico.

(LEMINSKI, Paulo, 2014b, p.136)

O biógrafo dedica cerca de uma página para cada dô e no final acrescenta um quinto elemento, o zen, em que resume em poucas palavras o que já havia escrito durante toda a biografia, com poucos acréscimos: “existe uma relação muito direta entre o zen e a poesia. Entre zen e arte. O zen parece ser uma ‘religião’ de artistas e poetas.” (LEMINSKI, 2014b, p. 142). Ele usa aspas na palavra “religião”, pois a toma num sentido epistemológico, re-ligar: Bashô não tinha exclusividade religiosa, era ao mesmo tempo budista, xintoísta e confucionista. E foi com Bashô, segundo o biógrafo, que o zen conheceu sua definição em poesia: o haicai, que quando extravasou do oriente para o ocidente através de gravuras japonesas que influenciaram os impressionistas europeus, deixou marcas profundas na arte moderna. Ele identifica resquícios no imagismo inglês de Ezra Pound, no mexicano Tabada, sente “os odores nipônicos” em García Lorca e na brevidade aforística do espanhol Antonio Machado. No Brasil, nos anos que cercam a Semana de Arte Moderna, o haicai mostra seus vestígios em Afrânio Peixoto, Ronald de Carvalho e principalmente em Guilherme de Almeida, “que bolou para o haikai uma forma brasileira, chumbada numa estrutura fixa de rimas, como se fosse um microssoneto parnasiano.” (LEMINSKI, 2014b, p. 144).

É impossível não notar a similaridade entre o fim deste capítulo e o ensaio Bonsai – Niponização e miniaturização da poesia brasileira, também incluído em Ensaios e Anseios Crípticos: o percurso final de ambos é idêntico. No ensaio, Leminski também inicia o trecho final falando de Guilherme de Almeida, que “nos anos 1920, fez os primeiros haicais”, mas que introduziu um “artifício e maneirista sistema de rimas, que não existem em japonês (o superego parnasiano do soneto era muito forte...)”. (LEMINSKI, 2012, p. 320). Logo em seguida, afirma: “Oswald de Andrade, amigo e parceiro de Guilherme, deve ter tirado do haicai a ideia para seus ‘poemas-minuto’, milionários segundos de ultrainformação.” (Ibid., p. 320). Da mesma forma, no fim de diógenes e o zen, logo após escrever sobre Guilherme de Almeida, ele pontua: “Difícil não desconfiar, de resto, que os poemas-minuto de Oswald de Andrade, micromomentos de superinformação, não tenham inspiração no haikai”. (LEMINSKI, 2014b, p. 144).

Mas o trajeto de ambos continua no mesmo passo. Em diógenes e o zen, Leminski passa de Oswald para Drummond: “Nos anos 1930, até a celebérrima pedra no caminho de Drummond traz consigo um certo perfume zen, que acusa, lá atrás, o haikai de Bashô.” (Ibid., p. 144). O mesmo percurso é feito em Bonsai: “O ideal de brevidade advindo do haicai não morreu com 22. Encontramo-lo no Drummond em cujo caminho havia uma pedra... Ou no Drummond que se perguntava: ‘Stop. A vida parou. Ou foi o automóvel?’”. (LEMINSKI, 2012, p. 320). Esse mesmo poema de Drummond será citado integralmente em a lágrima peixe no capítulo seguinte.

Mas, por hora, sigamos. Na sequência de Bonsai, Leminski cita Murilo Mendes e Mario Quintana, como poetas em que é possível detectar a influência do haicai, enquanto na geração de 1945 ele é ignorado. Logo em seguida ele aporta em Millôr Fernandes: “Nos anos 1950, a palavra ‘haikai’ é incorporada ao vocabulário brasileiro, através do humorista Millôr Fernandes, que popularizou a palavra entre nós. Millôr é autor de inúmeros haicai notáveis.” (Ibid., p. 320). Já em diógenes e o zen ele é mais alongado.

Poucos criadores brasileiros, porém, prestaram tantos serviços à forma cultivada por Bashô quanto Millôr Fernandes. Não contente em popularizar a palavra “haikai”,

Millôr ainda produziu alguns dos melhores espécimes no gênero, entre nós. Via Millôr, o haikai é uma das formas do humor brasileiro de hoje, ao lado do cartum, do “picles” e da frase de efeito.

Em Millôr e seus discípulos, prevalece, é claro, o elemento humorístico sobre o lírico. Mas esses dois elementos não são tão distantes assim.

(LEMINSKI, Paulo, 2014b, p. 144)

Logo em seguida, em Bonsai, Leminski escreve que na mesma década de 1950, em São Paulo, a poesia concreta exaltou a excelência do pensamento ideogrâmico como método de composição poética: “E começou a praticar uma poesia breve, sintética, antidiscursiva, verdadeiros haicais industriais.” (LEMINSKI, 2012, p. 320). Já em a lágrima do peixe, no capítulo em questão, ele escreve: “Nos anos 1950, o haikai encontrou-se com a poesia de vanguarda: no concretismo paulista. De comum entre eles, a ênfase na síntese, na brevidade, na inventividade da linguagem.” (LEMINSKI, 2014b, p. 144).

Por fim, o poeta fecha Bonsai citando “a garotada da poesia marginal ou alternativa, crescida com manchetes de jornal, frases de ‘outdoor’ e graffitis nas paredes das cidades que inchavam, começou a fazer ‘haicais’, até sem querer.” (LEMINSKI, 2012, p. 320). Já em diógenes e o zen: “Na poesia brasileira escrita nos anos 1960, por sobre as diferenças, a grande semelhança: a preferência pela expressão breve, aforismática, afim ao grafite, ao título de propaganda, ao slogan.” (LEMINSKI, 2014b, p. 144). É notável que Leminski percorreu o

mesmo caminho em ambos trabalhos – tomou como base os mesmos autores e ideias, reformulando frases e usando sinônimos para diferenciar levemente um texto do outro – novamente a ideia de valer-se de um texto anterior para compor o texto biográfico e assim,