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IN HONORE ORDINIS SANCTI BENEDICT

5.1 O REVOLUCIONÁRIO

Jesus seria, dessa forma, uma figura subversiva e revolucionária que propôs uma ruptura no modo de viver e de enfrentar o sistema, oferecendo ao mundo sua própria utopia. Da mesma forma como procedemos nos demais biografados, traçamos aqui um paralelo com os inconformados de Raymond Williams, detalhado em Individuals and Societies e incluído como um capítulo no livro The Long Revolution. Como vimos, os inconformados (aqueles que não aceitam a ordem vigente e contra ela se rebelam) podem ser rebeldes, exilados e vagabundos, cada qual com suas próprias variações internas: o revolucionário é uma das variações do rebelde. É importante lembrar que, para Williams, críticos e reformistas do sistema não estão entre os inconformados, mas entre os conformados: para o autor, um desejo sincero de mudar um ou outro aspecto da forma geral do sistema não é suficiente para incluí- los entre aqueles que se rebelam, pois críticos e reformistas comungam um sentimento de pertencimento para com o sistema e apenas desejam ajustá-lo.

The revolutionary, by contrast, lacks that sense of membership of a particular society which makes it possible for the reformer and critic to suppose that their own ends can in fact be achieved within the society's existing forms. The revolutionary's relationship with his society is one of declared opposition and struggle, but it is characteristic of him that he opposes the society in terms of the struggle for a different society. This is obvious in the case of political revolutionaries, but the same pattern is evident in rebels of other kinds, in art, morality, religion. (WILLIAMS, Raymond, 1965, p. 107)

A relação do revolucionário com a sociedade é de oposição declarada e luta permanente contra os princípios e modos de vida, contra o “way of life” da sociedade, pois,

para ele, este modo de vida é errado: “[...] in art, morality and religion, as moreobviously in politics, the new reality he proposes is more than personal; he is offering it as a new way of life.” (WILLIAMS, 1965, p. 107). Era exatamente o que Jesus estava propondo: uma nova forma de vida, em óbvio contraste com a política da época, e para isso ele lutou permanentemente, opondo-se ao imperador e ao politeísmo, o que lhe custou a própria vida. E essa luta era notoriamente declarada (como fica evidente nas passagens da Bíblia pinçadas por Leminski, que exibiremos na sequência deste capítulo) e se dava em confronto direto contra o sistema romano e também contra aqueles que tentavam deturpar a palavra de Deus. É nesse sentido que o revolucionário de Williams e o Jesus de Leminski se encontram. O biógrafo buscava este Jesus rebelde, este homem revolucionário, esta figura anterior ao santo, ao sinônimo de bondade e paz, um dos símbolos máximos de uma nova ordem social cristã. Como escreveu na carta de intenções, ele deseja biografar o signo-Jesus, aquele que mesmo morto há muitos anos foi capaz, através das palavras (ditas, porém não escritas por ele), de subverter a ordem vigente do maior império do planeta. Ele quer, finalmente, extrair da história de seu biografado signos de radicalidade.

É claro que, como já apontamos neste trabalho, uma coisa é formular propósitos e outra é cumpri-los. Temos, de qualquer forma, um alerta evidente de que não estamos diante de uma biografia tradicional, afinal o próprio biógrafo indica que seus esforços de pesquisa não vão nesse sentido, mas que estão direcionados para a figura de Jesus antes da santificação, para o Jesus humano e não o Jesus santo, para o signo-Jesus e finalmente para uma leitura lírica de suas passagens. Gostaria de ressaltar esta palavra usada por Leminski: leitura. Indo ao encontro das palavras de Tonon, o biógrafo pretende ler Jesus, ou seja, sua matéria-prima biográfica são textos, palavras, escrituras – este é caminho para desvendar seu signo, sua humanidade e sua radicalidade. Porém, no capítulo sobre jesus, uma espécie de bibliografia comentada, Leminski elenca apenas duas fontes: textos evangélicos que traduziu diretamente do original grego, na versão latina de Jerônimo; e Les Manuscrits du desert de Juda, de Geza Vermès. Diante de uma bibliografia tão rarefeita é de se imaginar que a leitura que Leminski faz das passagens da Bíblia, dos textos evangélicos, são, na verdade, suas próprias versões, traduzidas e interpretadas a partir de referências muito particulares das passagens, devidamente selecionadas, possivelmente no sentido de construir a imagem “de um subversor da ordem vigente, negador do elenco dos valores de sua época e proponente de uma utopia.” (LEMINSKI, 2014b, p. 159).

Como veremos ao longo deste capítulo, Leminski se esforça para encontrar a perspectiva lírica que se propõe destacar em seu biografado (especialmente através da análise

de parábolas). A visão de Jesus como signo (especialmente um signo de radicalidade) é realçada durante todo o livro, pois o biógrafo foca boa parte de seus esforços na lida de encontrar significados para as traduções da Bíblia e particularmente para as palavras que adjetivavam o biografado, como “profeta” - é uma busca por vestígios biográficos que apontem para sua rebeldia, para sua luta sincera contra o sistema vigente. Seu propósito maior, posto que está explicitado na carta de intenções e no título da obra – buscar o Jesus antes de Cristo, seu lado humano – é possivelmente a tarefa mais árdua da biografia: as traduções e análises de passagens da Bíblia escamoteiam constantemente uma referência falha, móvel, até mesmo banal, algo que denote a humanidade de Jesus. Apontar com segurança se Leminski logrou ou não cumprir seus propósitos não é objetivo deste trabalho, mas sim analisar o esforço biográfico feito por ele neste sentido, ao mesmo tempo em que enlaçamos, nesta mesma análise, seus fragmentos autobiográficos. Buscar num Jesus humano a marca da radicalidade, que como apontou Tonon é também marca de seu trabalho e uma busca pessoal, é um destes fragmentos.