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C APACITAÇÃO EM C RIAÇÃO DE C ONHECIMENTO O RGANIZACIONAL

O passo inicial da criação de conhecimento parte dos compromissos individuais, pois os indivíduos estão continuamente envolvidos na recriação do mundo de acordo com suas próprias perspectivas. Assim, o compromisso é um dos mais importantes componentes para promover a formação do novo conhecimento na organização, como revela Polanyi citado por Nonaka (1994).

Como Polanyi observou, "compromisso" é subjacente às atividades criadoras de conhecimento humano. Assim, o compromisso é um dos mais importantes componentes para promover a formação de novo conhecimento dentro de uma organização. Há três fatores básicos que induzem o compromisso individual em um ambiente organizacional: "intenção" e "autonomia", e um certo nível de "flutuação" ambiental. (NONAKA, 1994, p. 17)

Segundo Senge (2009), os gerentes norte-americanos, estimulados por histórias de empresas estrangeiras com trabalhadores comprometidos, voltaram-se para abordagens gerenciais baseadas no comprometimento. Contudo, continua o autor, o verdadeiro comprometimento ainda é raro nas organizações de hoje, em grande maioria o que se tem por comprometimento é na verdade aceitação que, por sua vez, também é confundida com participação.

Ainda segundo Senge (2009), quando as pessoas estão comprometidas com a “causa”, elas farão o que for necessário para transformar a visão em realidade. Uma pessoa verdadeiramente comprometida cumpre o compromisso, independentemente de regras ou leis.

Os fatores básicos que induzem ao compromisso e promovem as condições para a criação de conhecimento organizacional são: intenção, autonomia, algum nível de flutuação ambiental, redundância e variedade (NONAKA, 1994; NONAKA e TAKEUCHI, 1997; 2008).

A intenção está relacionada com o modo com que as pessoas veem o mundo e tentam dar significado ao ambiente. É um conceito direcionado para a ação, não é um estado de espírito, tampouco consciência, pois a consciência não existe per se (NONAKA, 1994). Segundo esse autor, que ecoa Husserl, a consciência é despertada, persiste e desaparece com o compromisso do sujeito com o objeto. A intenção torna-se aparente em relação às atividades de conhecer e de entender. Sem intenção será impossível julgar o valor da informação ou o conhecimento percebido ou criado.

Nonaka e Takeuchi (2008) apresenta “intenção” em nível organizacional, sendo ela a aspiração da organização em relação as suas metas, que geralmente tomam a forma de estratégia corporativa. Assim, do ponto de vista do conhecimento organizacional, essa estratégia está relacionada ao desenvolvimento da capacidade organizacional, por aquisição, criação e acumulação e exploração de conhecimento. A criticidade na formulação da estratégia está na conceituação da visão sobre o conhecimento a ser adquirido/criado e sua aplicação, como revelam Nonaka e Takeuchi (2008).

A intenção organizacional proporciona os critérios mais importantes para o julgamento da veracidade de uma determinada porção de conhecimento. Se não fosse a intenção, seria impossível julgar o valor da informação ou do conhecimento percebido ou criado. No nível organizacional, a intenção é frequentemente expressa pelos padrões ou visões organizacionais, que podem ser usados para avaliar e justificar o conhecimento criado. Ela é necessariamente carregada de valor. (NONAKA e TAKEUCHI, 2008, p. 72)

A autonomia pode se referir ao nível do indivíduo, de grupo ou organizacional. Os membros na organização são indivíduos com personalidade, intenções e experiências próprias. Permitindo que indivíduos ajam autonomamente, pode-se aumentar a possibilidade de introdução de oportunidades inesperadas. Para a criação de conhecimento, a autonomia propicia maior flexibilidade para adquirir, relatar e interpretar informações. A autonomia também pode induzir os indivíduos a se automotivarem (NONAKA, 1994), pois indivíduos não podem ser motivados de forma direta, mecanicamente (GODOI, 2009; LOCKE e LATHAM, 2004). Embora a influência de fatores extrínsecos seja importante, a exemplo dos sistemas de incentivos/benefícios, a motivação intrínseca é a mais relevante para a criação de conhecimento, como afirma Amabile (1998).

Uma paixão interna para resolver o problema em questão leva a soluções muito mais criativas do que as recompensas externas, tais como dinheiro. Essa componente chamada motivação intrínseca é aquela que pode ser mais imediatamente influenciada pelo ambiente de trabalho. (AMABILE, 1998, p. 78)

Para Nonaka e Takeuchi (2008, p. 73) o “sistema autopoiético” de Maturana e Varela, descreve a organização que assegura a autonomia, criadora de conhecimento. A analogia refere-se às relações que existem entre os sistemas e órgãos, e entre órgãos e células, dos sistemas orgânicos vivos. Essas relações nem são de superior-subordinado, nem são de inteiro-fração. Cada unidade controla as mudanças que ocorrem continuamente dentro de si mesma, além de determinar seus limites mediante autoreprodução.

Assim, de forma similar ao sistema autopoiético, segundo Nonaka e Takeuchi (2008), nas organizações de criação de conhecimento os indivíduos e grupos autônomos são capazes de estabelecerem por conta própria os limites de suas tarefas na busca do objetivo final da organização.

O contexto de flutuação envolve algum grau de caos e desordem no ambiente. A criação de conhecimento em nível individual envolve a interação contínua com o mundo a sua volta. Neste contexto, o caos ou descontinuidade pode gerar novos padrões de interação entre os indivíduos e seu meio ambiente. Os indivíduos recriam seus próprios sistemas de conhecimento para tomar conta da ambiguidade, redundância, ruído, ou aleatoriedade gerada a partir da organização e seu ambiente. Estas flutuações diferem de completa desordem e se caracterizam pela ordem sem recursividade, o que representa uma ordem onde o padrão é difícil de prever no início (NONAKA, 1994).

Sobre a desordem, Morin (2007) afirma que quanto mais complexa é uma organização, mais desordem tolera, o que lhe dá vitalidade por desenvolver aptidão nos indivíduos em resolver problemas sem passar pela hierarquia central. Contudo, enfatiza Morin, o excesso de liberdade pode levar à desintegração a menos da existência de algum vínculo profundo entre seus membros. Para ele, esse vínculo é a verdadeira solidariedade, espontâneas, não apenas impostas pela lei, como a única coisa que permite o aumento da complexidade.

Segundo Nonaka e Takeuchi (2008, p.77), com frequência as empresas japonesas recorrem intencionalmente ao uso da ambiguidade e do “caos criativo” e visões ambíguas criam, de maneira proposital, uma flutuação na organização. Mas, segundo esses autores, o caos criativo só gera benefícios quando os membros da organização são capazes de refletir sobre suas ações. Sem reflexão, a flutuação tende a desaguar no caos destrutivo.

Os “desarranjos” (breakdowns) periódicos na percepção humana são enfatizados por permitir ao ser humano sair de sua “região de conforto”, levantar seus pressupostos. Quando esses desarranjos, ou colapsos, ocorrem, os indivíduos questionam seus hábitos e rotinas que podem levá-los ao realinhamento de seus compromissos. E a flutuação ambiental desencadeia esses breakdowns (NONAKA, 1994).

A quarta condição para que a espiral de conhecimento ocorra organizacionalmente é a redundância. Para gestores ocidentais, que se ocupam com a ideia de eficiência no processamento de informações ou com a redução de incertezas, o termo redundância pode ser interpretado como duplicação desnecessária e, por isso pernicioso. A redundância refere-se à

existência de informações além das necessidades operacionais imediatas dos membros da organização (NONAKA e TAKEUCHI, 2008).

Segundo Nonaka e Takeuchi (2008, p. 78) “o compartilhar de informação redundante promove a partilha do conhecimento tácito, pois os indivíduos podem sentir o que os outros tentam articular” permitindo o “‘aprendizado por intrusão’ na esfera de percepção de cada indivíduo”. Por isso pode acelerar o processo de criação de conhecimento. Para Nonaka (1994), a redundância de informação ajuda na promoção de profunda confiança mútua entre os criadores de conhecimento e, dessa forma, a organização pode controlar a criação do saber. Facilitando a interação entre os membros torna-se fácil compartilhar o conhecimento tácito entre eles. Ainda segundo Nonaka (1994), o compartilhamento de informações redundantes baseado em interações próximas/íntimas e na confiança mútua pode eliminar a fraude, ou problema do free rider entre membros da organização. Ecoando Arrow, Nonaka (1994, p. 29) cita que a “confiança é um lubrificante crítico em sistemas sociais” e sem a “confiança pode ser impossível formar a ‘sinergia’ necessária para criação de conhecimento”.

A rotação estratégica, especialmente entre diferentes áreas de tecnologia, é uma forma de construir a redundância. A rotação oferece oportunidades para os empregados entenderem o negócio a partir de perspectivas múltiplas, tornando o conhecimento organizacional mais disseminado (NONAKA, 1991). Segundo esse autor, em uma empresa fabricante de bens de consumo e líder no Japão, com frequência pesquisadores, em torno de 40 anos, deixam o departamento de P&D e assumem tarefas em outros departamentos, como os de marketing, vendas ou produção. Em cada período de dez anos os empregados devem ter feito parte de pelo menos três diferentes tarefas.

A rotação também é mencionada por Pagès et al.(1987) como sendo prática em organizações intensivas em conhecimento, as hipermodernas. Mediante mobilidade perpétua o indivíduo passa a conhecer todo mundo e serviços diferentes. Isso reduz a possibilidade do entrincheiramento profissional derivada da expertise individual.

Segundo Nonaka (1991, p. 102) “a redundância é importante porque encoraja a comunicação e o frequente diálogo. Isso ajuda criar uma ‘base cognitiva comum’ entre os empregados e assim facilitando a transferência de conhecimento tácito”.

A “variedade de requisitos” (NONAKA e TAKEUCHI, 1997, p. 94) ou o “requisito variedade” (NONAKA e TAKEUCHI, 2008, p. 80) é o quinto fator para a expansão da espiral de conhecimento SECI. Esse requisito está relacionado com a assimetria/simetria de

informações entre os membros da organização, pois “quando existirem diferenciais de informação dentro da organização, os membros não poderão interagir nos mesmos termos, o que atrapalha a busca de diferentes interpretações para as novas informações” (NONAKA e TAKEUCHI, 2008, p. 80).

As condições para capacitação são requisitos para suportar o processo de criação de conhecimento organizacional, cujo processo é constituído de cinco fases: compartilhamento de conhecimento tácito; criação de conceitos; justificação de conceitos; construção de um arquétipo e difusão interativa do conhecimento. Na primeira fase o conhecimento tácito é compartilhado (socialização SECI). Dessa forma, o rico e inexplorado conhecimento individual pode ser amplificado pela organização. Na segunda fase, o conhecimento tácito compartilhado é convertido em explícito na forma de novo conceito (externalização SECI). O conceito criado deve ser socialmente justificado, quando há o julgamento de valor do conceito pela organização. Aprovado, na quarta fase os conceitos são convertidos em arquétipo, podendo ser um protótipo, um produto palpável ou um mecanismo operacional em situações de inovações abstratas como um novo sistema gerencial, uma nova estrutura organizacional, ou um novo valor para a empresa. A fase de difusão, e última, amplia o conhecimento criado difundindo de forma interativa – cross-leveling of knowledge (NONAKA e TAKEUCHI, 1997; 2008).

Contudo, preocupados com dois problemas, o pensamento de grupo que pode inibir ideias originais e com o desempenho que não depende tão somente de resultados de equipes, Nonaka, Von Krogh e Voelpel (2006) trazem contribuições para a Teoria de Criação de Conhecimento organizacional, a seguir discutidos.