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Embora mutuamente os autores creditem um ao outro, a frase “comunidade de prática” – CoP emerge a partir da obra Situated Learning: Legitimate Peripheral Participation (1991) de Lave e Wenger (THOMPSON, 2005; RIBEIRO, KIMBLE e CAIRNS, 2010). Segundo Wenger (2010), o termo surgiu quando ele próprio e Jean Lave estudavam a aprendizagem como um modelo de aprendizado, que difere da relação que se pensa existir comumentemente entre professor e aluno. Para Wenger (2010), a aprendizagem se dá em meio a relações sociais complexas, que podem ocorrer em qualquer lugar mesmo quando não existem sistemas formais de aprendizagem.

Comunidades de prática são grupos de pessoas que juntas buscam aprendizado coletivo em um domínio compartilhado de atividades (WENGER, 2006). São grupos nos quais as pessoas são ligadas informalmente entre si por uma expertise em comum e uma paixão por um empreendimento conjunto (WENGER e SNYDER, 2000). Embora muitos grupos possam se ajustar a esses conceitos, nem tudo pode ser chamado de “comunidade de prática”. Para tanto, três são os elementos cruciais: domínio, comunidade e prática (WENGER, 2006).

O primeiro elemento diz respeito à forma como os membros se relacionam com o grupo. Diferentemente de um grupo de amigos que podem não ter interesses em comum de forma clara, a não ser os laços afetivos, os membros de uma comunidade de prática se identificam por compartilhar um domínio de interesse e, portanto, implica em comprometimento com esse domínio (WENGER, 2006). Com isso as pessoas aperfeiçoam-se

nesse domínio de conhecimento “por meio da negociação de significados e da partilha de experiências múltiplas” (SOUZA-SILVA, 2009, p. 178).

O segundo elemento – a comunidade - caracteriza-se por membros que interagem de forma direcionada aos seus interesses dentro do domínio, engajando-se em atividades e discussões, em ajudas mútuas e compartilhamento de informações. Também constroem e tem relacionamentos voltados para o aprendizado mútuo e, assim, somente estar envolvido em um mesmo trabalho ou ter uma mesma ocupação não se configura uma comunidade de prática, a menos que as pessoas envolvidas busquem aprender um com o outro. Dessa forma, um sítio web em si não se constitui uma comunidade de prática. Por outro lado, os membros de uma comunidade de prática não necessariamente trabalham diariamente juntos (WENGER, 2006).

As comunidades de prática também se diferenciam de outros arranjos organizacionais como: departamentos formais, equipes operacionais, comunidades de interesse e redes informais (SOUZA-SILVA, 2009). Equipes operacionais são constituídas por pessoas com habilidades que os gerentes julgam adequadas para o projeto, ou tarefa, e se desfazem uma vez encerrada a incumbência. As comunidades de práticas, por outro lado, são informais, auto-organizadas, definem suas próprias agendas e estabelecem suas próprias lideranças (WENGER, 2000). Se por um lado a equipe, cuja associação é imposta pela empresa, tem por função desenvolver algum produto, ou serviço, voltado para algum objetivo – quer seja voltado para um determinado segmento de mercado ou de caráter administrativo; de outro lado o objetivo primordial da comunidade de prática, cuja associação é voluntária e espontânea, é desenvolver e aperfeiçoar o conhecimento (SOUZA-SILVA, 2009).

O terceiro elemento – a prática – distingue a comunidade de prática de qualquer outra. Por exemplo, pessoas que se reúnem por gostar de algum estilo de cinema, músicas, etc, não formam um grupo que reúne a característica deste elemento – ser praticante. Como praticantes, os membros desenvolvem um corpo de recursos compartilhados: experiências, estórias, maneiras de tratar os problemas recorrentes, enfim, uma prática compartilhada (WENGER, 2006).

Auto-organizadas, respondem pelo conhecimento aplicado na prática diária e, assim, nas comunidades de prática, as interpretações e significados são assimilados por seus membros, ou seja, são elas que assimilam as informações e conhecimentos introduzidos na organização. Quando não ocorre essa “metabolização”, as informações e conhecimentos que a organização pretende dominar simplesmente “‘não pegam’ ficando descolados da prática, não

compreendidos e não aplicados (restritos aos manuais engavetados)” (GROPP e TAVARES, 2006, p. 27).

Diferentemente do método de aprendizagem tradicional, que tem significativas limitações, baseado no processo de transmissão explícita e unidirecional de um corpo de informações a partir de uma pretensa fonte de “saber” para outra extremidade onde se presume a carência desse conhecimento, a aprendizagem que ocorre de maneira informal – os contextos sócio-práticos são altamente eficazes, pois conseguem conjugar as dimensões tácitas e explícitas do conhecimento (WENGER, McDERMOTT e SNYDER, apud SOUZA- SILVA, 2009).

O reconhecimento como fator crítico para os negócios motivou pessoas a tratar o conhecimento como elemento estratégico. Contudo, tratar o conhecimento, com base em sistemas de informação, tem levado a resultados desapontadores (WENGER, 2006). A CoP tem sido reconhecida por acadêmicos e praticantes como uma maneira de pensar sobre o delicado relacionamento entre aprendizado, indentidade e mesmo a motivação em grupos de trabalho (THOMPSON, 2005; AMIN e ROBERTS, 2008).

Kerno e Mace (2010) afirmam que a abordagem de CoP pode ser cultivada dentro da organização com o objetivo de alavancar as vantagens estratégicas e competitivas e assim melhorar a performance. Conforme seu modelo de “rosquinha” (doughnut), a aliança entre a estratégia e performance é materializada por dois elos: a CoP (domínio de conhecimento, comunidade e prática) e o aprendizado/compartilhamento/gestão. Contudo, continua o autor, existem limitações para emergência de CoP dentro das organizações.

Primeiro é que administração deve reconhecer que as CoP são resistentes à supervisão. Segundo, as CoP são inerentemente orgânicas, naturais e informais e isso torna difícil sua cooptação. Terceiro, as organizações são compelidas em satisfazer métricas financeiras que são cada vez mais os instrumentos pelas quais elas são avaliadas. E ainda mais, essa busca por resultados é estimulada pela literatura gerencial. Dessa forma, organizações exigem cada vez mais a eficiência de seus participantes, e os chefes estão entre aqueles que direcionam a atenção e o tempo para preocupações mais imediatas. Isso depõe contra as condições necessárias para que as CoP possam mostrar seu valor à organização. Para isso, uma CoP deve ser capaz de engajar seus participantes num discurso sustentável e prolongado a fim de maximizar seus benefícios.

A hierarquia organizacional é outro fator relevante para o sucesso de CoP na organização. As CoP operam de forma diametralmente oposta à estruturação hierárquica. Os funcionários, numa estrutura hierárquica, reportam-se a seus superiores: supervisores, gerentes e diretores, que são os canais de comunicação sancionados. As CoP, por outro lado, tem sua utilidade pela ligação entre indivíduos, dentro e fora da organização, que se ocupam de funções que possuem alguma similaridade, ou equivalência. Por isso, é possível que esses indivíduos se situem “horizontalmente” no mapa organizacional, em um plano em que não há um canal de comunicação organizacional sancionada. Dessa maneira, embora uma possível CoP – com suas qualidades orgânicas, informal e natural – possa permitir que os empregados aumentem sua eficiência pessoal, ainda assim a CoP não possui o poder formal, racional reconhecido pela estrutura da organização e, portanto, não dispõe do canal de reporte por relacionamentos hierárquicos. Por outro lado, os esforços das CoP provavelmente não produzirão progressos substantivos se seus participantes estiverem focados em seguir as regras segundo as ordens hierárquicas. A maximização da performance organizacional às vezes pode requerer comunicação que “quebra” o protocolo sancionado (KERNO e MACE, 2010).

Aspectos culturais também influenciam no uso efetivo das CoP. Sociedades em que valores de grupo como harmonia, comunidade, coletivismo e interrelacionamento vicejam, ao invés do eu e do individualismo, podem experimentar usos mais efetivos das CoP (KERNO e MACE, 2010). Para esses autores, os distintos ambientes sócio-culturais em que emergiram as organizações do ocidente e do oriente produziram diferenças fundamentais nos modos de operação das organizações. Por isso, sugere que sociedades do Leste possam ter vantagens relativas, em relação às contrapartes do Ocidente, na habilidade em capitalizar as CoP. Além disso, as CoP em sociedades ocidentais podem ter maior dificuldades diante de barreiras resultantes da ideologia neoliberalista e a ênfase no individualismo que serve para erodir o senso de comunidade.

A criação de conhecimento discutida neste capítulo perpassou os conceitos ontológicos e epistemológicos. Ontologicamente a criação de conhecimento é de natureza individual e é aceito na medida em que se torna uma crença verdadeira justificada. A criação de conhecimento é um processo frágil por emergir ao consciente como intuição, insight ou ideia que não se pode justificar e, assim pode permanecer tacitamente na mente dos indivíduos. Porém, para ser útil, o conhecimento tácito deve ser compartilhado surgindo aí um leque de possibilidades para um novo conhecimento. Nesse compartilhamento participam indivíduos

com diferentes histórias, perspectivas, motivações tornando crítica essa etapa de criação de conhecimento, sendo o diálogo um requisito necessário. Para que isso ocorra requer-se um contexto específico, um ba fenomenológico, onde indivíduos não se sintam ameaçados pelos devastadores mecanismos de controles sociais como ridículo, opróbio, difamação, ou mesmo pela possibilidade de comportamento free rider. Essa proteção pode facilitar o compartilhamento de emoções, sentimentos e modelos mentais, enfim, o conhecimento tácito.

Com a discussão deste capítulo realizou-se o terceiro objetivo intermediário desta dissertação, sendo a categoria confiança objeto do próximo capítulo.

Este capítulo discute os principais desenvolvimentos teóricos, conceituais e empíricos relacionados com a confiança nas organizações, que pode ser analisada em diversas esferas como: ações individuais, relacionamentos interpessoais, transações econômicas e estruturas sociais. Para isso, a incursão perpassará a confiança enquanto estado psicológico bem como aquela conceituada como escolha racional envolvendo a disposição em assumir (ou não) riscos. Para o objetivo deste trabalho o foco da discussão sobre a confiança estará sobre o indivíduo e suas relações com pares e superiores no contexto organizacional, ou interorganizacional.