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C RIAÇÃO DE C ONHECIMENTO – C ONCEITOS B ÁSICOS

Nonaka (1994) adota a epistemologia tradicional e assume o conhecimento como uma “crença verdadeira justificada” (NONAKA e TAKEUCHI, 1997, p. 63; NONAKA, 1994, p. 15; LEWIS, 1971), ou seja, consideram o conhecimento como “um processo humano dinâmico de justificar a crença pessoal com relação à verdade” (NONAKA e TAKEUCHI, 1997, p. 63). Para Nonaka (1994), considerar o conhecimento como crença pessoal atrelada à respectiva justificação distingue sua teoria daquelas tradicionais que enfatizam o caráter absoluto e estático do conhecimento de natureza não humana, tipicamente manifestada em formas de proposições lógicas.

Para Nonaka, Von Krogh e Voelpel (2006) essa definição não considera papéis para as habilidades físicas, experiências e percepção. Assim, esses últimos autores desenvolvem um conceito amplo de conhecimento para incluir tanto os aspectos explícitos, como a linguagem e documentação, e os aspectos tácitos, como experiências e habilidades.

Nonaka e Von Krogh (2009, p. 636) acrescentam que conhecimento também é “a realidade de uma ação habilidosa (o reconhecer de que alguém tem conhecimento mediante seu desempenho em uma tarefa) e/ou a potencialidade em definir uma situação de modo a permitir a ação (hábil)”. Isso sugere ver o conhecimento como deter o controle sobre o agir, saber agir de algum modo, a utilidade do conhecimento, conforme afirma Lewis (1971).

A utilidade do conhecimento está no controle que nos dá, mediante ação apropriada, sobre a qualidade de nossa futura experiência. E assim, o controle será exercido no interesse em realizar aquilo que valoramos, e prevenindo ou evitando o que é indesejável (tradução livre). (LEWIS, 1971, p. 4)

Ainda segundo Lewis (1971), o conhecimento como fio condutor da ação deve antecipar o futuro, mas um futuro em que a ação em si irá fazer uma possível diferença. Nesse aspecto, o conhecimento permite ao seres humanos definir, preparar, moldar e aprender a solucionar uma tarefa ou problema (NONAKA e Von KROGH, 2009).

Para Nonaka e Von Krogh (2009), o que diferencia a perspectiva de criação de conhecimento daquela contida em principais teorias organizacionais (mainstream) é que estas últimas pensam que o processamento de informação cria representações reais da realidade individual e organizacional. Já na teoria de criação de conhecimento a crença é verdadeira na extensão em que ela pode ser justificada pelo indivíduo na organização em um dado momento e usando vários modelos mentais.

O processo dinâmico de criação de conhecimento evolui segundo duas dimensões: a ontológica e a epistemológica, como ilustra a Figura 1. A dimensão ontológica compreende o conhecimento que, no nível fundamental é criado por indivíduos e mediante interação social pode evoluir para os níveis grupais, organizacionais e inter-organizacionais. A dimensão epistemológica compreende dois tipos de conhecimento: o tácito e o explícito (NONAKA, 1994).

A dimensão ontológica diz respeito à gênese do conhecimento e sua expansão. A organização não pode criar o conhecimento, pois “em sentido rígido, o conhecimento é criado apenas pelos indivíduos” (NONAKA e TAKEUCHI, 2008, p. 57). Mediante interação com outros membros, em diversos níveis de interação social e de legitimação, esse conhecimento individual é amplificado e se cristaliza na rede de conhecimento da organização. O primeiro nível, ou instância, é a comunidade informal de interações sociais que configura um fórum imediato que nutre a emergência de conhecimento. Essas comunidades informais podem ir

Fonte: Nonaka e Takeuchi (2008, p. 55)

além fronteiras organizacionais, incluindo fornecedores, consumidores, distribuidores e mesmo competidores, mediante, por exemplo, a formação de alianças e parcerias. (NONAKA, 1994; NONAKA e TAKEUCHI, 2008).

O insight, a intuição, novas ideias, a combinação de conhecimentos existentes, enfim as crenças vão se traduzindo em um novo conhecimento na medida de sua justificativa, pela sua aceitação, por novas práticas, por novas habilidades e novos artefatos, como revela Nonaka e Von Krogh (2009).

A definição de conhecimento implica que, ao longo do tempo, crenças tornam-se verdades se elas podem ser justificadas e se são úteis para o indivíduo e ao grupo em questão, e habilita o indivíduo a agir, o grupo a coordenar a ação individual, e modelar a “realidade”. (NONAKA e Von KROGH, 2009, p. 640)

A dimensão epistemológica compreende dois tipos de conhecimento: em uma extremidade o conhecimento tácito e na outra o conhecimento explícito. O conhecimento individual então se situa em algum ponto do continuum definido por essas duas extremidades (NONAKA, 1994; NONAKA e TAKEUCHI, 2008). Parte desse conhecimento permanece na sua forma tácita, pois temos dificuldade, ou mesmo somos incapazes de articular, ou seja, “sabemos mais do que podemos dizer” (POLANYI, 2009, p.4).

O conhecimento tácito é inerente ao indivíduo e assim é difícil de externar, de formalizar. Envolve elementos técnicos e cognitivos. O cerne dos elementos cognitivos são os modelos mentais pelos quais o ser humano vê o mundo a sua volta, criando e manipulando analogias em suas mentes. Esses modelos operacionais incluem esquemas, crenças, paradigmas moldando a forma, ou perspectiva, pelo qual o indivíduo percebe e define o mundo (NONAKA, 1994). Normalmente os indivíduos não têm consciência desses modelos mentais e de seus efeitos sobre o comportamento. Os modelos mentais estão entre os fatores que podem contribuir para a mortandade de muitas ideias novas sobre produtos, serviços, mercados ou mesmo sobre novas soluções em práticas organizacionais que não são adotadas por conflitar com poderosos modelos mentais implícitos (SENGE, 2009).

Também é tácito o conhecimento que pode ser acessado por meio da consciência conectado aos sentidos, experiências táteis, habilidades de movimentos, intuições, modelos mentais inarticuláveis, ou regras de ouro implícitas (NONAKA e Von KROGH, 2009). Tácito também é muito do conhecimento tecnológico acumulado, encarnado em pessoas e incorporado em instituições e por isso não se reduz a “’melhores práticas’, mas envolve

‘regras de ouro’ que pode ser adquirida e melhorada somente com a experiência” (BELLe PAVITT, 1993, p. 166).

Esse tipo de conhecimento está enraizado na ação, nos procedimentos, rotinas, comprometimento, ideais, valores e emoções (NONAKA e Von KROGH, 2009). Embora o conhecimento tácito possa ser acessado pela consciência, esses autores ressaltam que isto é possível se esse tipo de conhecimento pender para o lado explícito do continuum do conhecimento epistemológico.

Embora o conhecimento na sua forma explícita possa ser estratégica para as organizações de negócios, por exemplo na forma de proteção intelectual (patentes) (LEONARD-BARTON, 1998), ainda assim esse conhecimento pode ser imitado, a variável então é a velocidade com que uma organização é capaz de acumular conhecimentos e, assim alcançar as incumbentes situadas na fronteira tecnológica (KIM, 1998; KIM, 2005; LEE e LIM, 2001; FIGUEIREDO, 2004).

O conhecimento tácito tem despertado muita atenção na literatura voltada à inovação tecnológica, como elemento distintivo entre as organizações (NELSON e WINTER, 2005; DOSI, 1988; FIGUEIREDO, 2009; KIM, 2005; LEONARD-BARTON, 1988; LEONARD e SENSIPER, 1998). As organizações não devem negligenciar o poder do conhecimento tácito (de pessoas e da organização), pois se trata de um ativo muito precioso capaz de definir o destino da organização, como afirma Figueiredo (2009).

[...] se ignorado, pode passar a ser usado por certos grupos ou indivíduos como fonte de poder e de vantagem competitiva pessoal. Se não gerido adequadamente, também pode minar caros projetos de inovação ou comprometer as operações da empresa. Por exemplo, várias empresas no Brasil pagaram um preço alto ao adotarem exacerbadamente e acriticamente alguns princípios de downzing e de re-engenharia ao dispensarem da organização substancial contingente de pessoas sem atentar para a relevância do conhecimento tácito que elas possuíam para as atividades de produção/operação e de inovação nas empresas. (FIGUEIREDO, 2009, p. 27)

O conhecimento explícito, por outro lado, é aquele que é público no sentido de que qualquer um pode ter acesso, e sua forma mais comum são aquelas proferidas em sentenças, transcritas em manuais, em projetos de engenharia, fórmulas, enfim, de alguma forma são codificados (NONAKA e TAKEUCHI, 2008; BELL e PAVITT, 1993; FIGUEIREDO, 2004)

As propriedades do conhecimento são complementares, ou seja, o que uma não faz, a outra complementa. Com isso, Nonaka e Von Krogh (2009) dizem que nem todo conhecimento pode ser justificado, assim permanece na forma tácita. Ilustram essa afirmação

com um exemplo no qual os indivíduos podem ter crenças tácitas sobre objetos, eventos e relacionamentos. Essas crenças podem impedir a capacidade do indivíduo de agir, o que traz dificuldades do grupo coordenar a ação individual.

O conhecimento tácito e o conhecimento explícito não são entidades distintas, separadas, mas “são mutuamente complementares, interagem um com o outro e realizam trocas nas atividades criativas dos seres humanos” (NONAKA e TAKEUCHI, 1997, p. 67). Assim, o modelo de criação do conhecimento pressupõe que o conhecimento humano é criado e se expande mediante a interação social entre o conhecimento tácito e explícito, que denominam de “conversão do conhecimento” (NONAKA e TAKEUCHI, 1997; NONAKA e Von KROGH, 2009), assunto discutido na sequência.