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Antes de passarmos ao capítulo seguinte, também será interessante tra- zer à discussão o pensamento de outro teórico marxista do início do século que, tanto quanto Lukács, parecia estar na pista da compreensão da natureza do pro- cesso de trabalho no capitalismo avançado: Alexandr Bogdânov - o mesmo que antecipara a Teoria dos Sistemas e a Cibernética.

Entendendo o conhecimento como “a experiência laborativa organizada da sociedade”34, Bogdânov sustentava - a crer no resumo crítico de suas idéias

feito por Scherrer35 - que os pesquisadores e técnicos integram o processo de

produção, tanto quanto os operários, todos agindo sobre o sistema automático de maquinaria.

Bogdânov distinguia as atividades de “concepção” (por ele denominadas de “organização”) e as de “execução”, parecendo antecipar Braverman. Mas, justo ao contrário deste, o fazia entendendo que essa separação era própria das socie- dades passadas (separação entre atividades intelectuais e de produção material), tendendo a ser superadas pelo desenvolvimento capitalista, na medida em que o capital, cada vez mais, submetia a produção ao conhecimento social objetivado. Então

... à diferença do trabalho manual, que requer o emprego direto da força física do trabalhador, o trabalho da máqui-

na significa que o operário dirige a máquina. A nova forma

de trabalho é, ao mesmo tempo, ‘executiva e organizativa’ e, portanto, une as características das duas formas de trabalho que, no passado, eram nitidamente separadas: por um lado, a do ‘organizador’ que regula as ações do executor e super- visiona a produção; por outro a do operário que executa. As novas condições técnicas elevam o nível de consciência téc- nica e da inteligência geral do operário, de modo que o papel

do engenheiro não se distinguirá mais qualitativamente do papel do operário: o ‘organizador’ trabalha com os mesmos métodos do ‘executor’, embora o primeiro disponha de um estoque de dados técnicos mais abundante; desse modo, as forças laborativas fundem-se num único tipo e distinguem- se apenas pelo grau de desenvolvimento. O desenvolvimento

ulterior da técnica - as máquinas que se regulam automati- camente e o tipo, ainda superior, de máquinas que se auto- regulam automaticamente - elevará ainda mais o nível das forças laborativas ‘simples’ e levará necessariamente a uma homogeneidade absoluta com o trabalho científico-organi- zativo do engenheiro36.

Em suma, como viemos sustentando neste capítulo e como divisáramos em Lukács, também para Bogdânov o processo de trabalho, já na virada do sé- culo, podia ser visto como relativamente homogêneo, fundado na “consciência”. Apenas o “estoque de dados técnicos”, menos ou mais “abundante”, distingue, nesta etapa do desenvolvimento capitalista, o “organizador” do “executor”. Porém, sob as relações capitalistas, advertiria Bogdânov, o “organizador conser- va o domínio científico-técnico da fábrica e as decisões fundamentais e determi- nantes para a produção são tomadas sem que os operários sejam consultados”37.

Ao fim e ao cabo, somente a Revolução poderia eliminar a distinção formal ainda existente entre o engenheiro e o operário. Daí que, por enquanto, “o único lu- gar onde o coletivo operário já tem uma função deliberativa e não só executiva é a organização de classe do movimento operário”38. Por outro lado, a definitiva

“identificação do operário com o engenheiro” exigiria, também, a introdução de máquinas auto-reguladoras, “quintessência do domínio do homem sobre a natu- reza”39. Mas, para Bogdânov, “esses mecanismos auto-reguladores, extremamen-

te complicados, só se tornarão possíveis quando a idéia diretiva da economia não for mais a exploração, porém o interesse dos produtores e da produção, isto é, uma organização coletivista”40.

Portanto, Bogdânov, fiel aos compromissos obreiristas da social-demo- cracia (revolucionária ou reformista, tanto faz), não poderia ir mais longe e ad- mitir que o capital, eventualmente, um dia substituiria, de vez, o operário simples pelo robô. Também Lukács, preso ao mesmo círculo de giz, precisou fazer verda- deira ginástica mental para racionalizar o papel revolucionário do “proletariado industrial” que, pela sua análise mesma, fora completamente despojado até das condições de pensar a sua existência. Mas não é nosso objetivo discutir os ca- minhos e descaminhos do que hoje se entende por “marxismo”, que - deixamos sugerido antes - acreditamos radicar-se na codificação kautskiana. Nosso objeti-

vo, neste estudo, é entender o processo de valorização e acumulação do capital- informação. Se, desenvolvendo as nossas análises, descobrimos que as podemos remeter a galhos podados da filosofia da praxis, tal constitui-se em gratificante respaldo para a orientação metodológica e o aparato conceitual que adotamos; e, por outro lado, também indica o quanto ainda há para aprofundar na crítica, apenas arranhada, ao materialismo positivista que sustentou teoricamente e le- gitimou politicamente o “socialismo real”.

Lukács e Bogdânov lograram avançar uma ampla compreensão dos pro- cessos contemporâneos (informacionais) de trabalho. Ainda que contidos nos li- mites paradigmáticos do marxismo kautskiano, eles perceberam que a produção capitalista, enquanto processo vivo de trabalho, de imediata, mediatizou-se. Então não importa mais quem “concebe” ou quem “executa”. Se a unidade do processo de trabalho - agora, “contemplativo”, “organizativo”, ou informacional - foi remeti- da para a produção material sígnica, o que interessará é o estudo crítico de como o capital logrou desenvolver e se apropriar desta instância, vale dizer, de como o trabalho com informação substituiu o trabalho direto simples como fonte de valor e de acumulação. Se entendermos isso, talvez possamos dar os primeiros passos para reconstruir um projeto histórico alternativo que prossiga a busca pela libertação do Homem.

Referências Bibliográficas

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12. MORAES NETO, op. cit., pag. 61, grifo meu - M.D. 13. idem, pag. 62.

14. CORIAT, op. cit. 15. BRAVERMAN, op. cit.

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17. apud CASTRO, Nadya A. e GUIMARÃES, Antonio S. A. “Além de Braverman, depois de Burawoy: vertentes analíticas na sociologia do trabalho”, Revista Brasileira de

Ciências Sociais, cit., pag. 44-52.

18. apud VALLE, op. cit.

19. WOODS, Stephen, “O modelo japonês em debate”, pag. 33, Revista Brasileira de

Ciências Sociais, cit., pp. 28-43,

20. idem, pag. 41, grifo no original..

21. MARX, K. O Capital, vol. 1, op. cit., p. 284.

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24. LUKÁCS, Georg. História e consciência de classe, p. 103, Rio de Janeiro, RJ: Elfos Editora Ltda., , trad., 1989, grifos no original.

25. idem, p. 112.

26. idem, p. 113, grifos no original. 27. idem, p. 103, grifos no original. 28. idem, p. 115.

29. idem, ibidem. 30. PEREZ, op. cit., p. 59.

31. MARX, K. Capítulo VI Inédito de O Capital, p. 125, São Paulo, SP: Editora Moraes, trad., s/d.

32. idem, p. 110, grifos no original e grifos deste autor - M.D. 33. MARX, K. Elementos fundamentales..., cit., vol. 1, p. 266. 34. SCHERRER, J. op. cit., p. 223.

35. SCHERRER, op. cit..

36. idem, p. 225, grifos do autor - M.D. 37. idem, ibidem.

38. idem, p. 226. 39. idem, ibidem. 40. idem, ibidem.

Capítulo VI

Apropriação da Informação

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