• Nenhum resultado encontrado

A partir de Wiener, referindo-se ou não a ele, surgem e se multiplicam, ao longo dos anos 50 e 60, sobretudo nos países capitalistas avançados e nos socialistas europeus, estudos que percebem e tentam adiantar explicações para o novo papel autônomo e determinante que a ciência e a tecnologia vinham cum- prindo na vida social. Essa produção converge para duas obras capitais, trazidas à luz na virada dos anos 70: Civilização na encruzilhada, de Radovan Richta, cuja primeira edição é de 196910*,*e Advento da sociedade pós-industrial, de Daniel

Bell, publicada em 197311. Richta, hoje em dia, é relativamente menos lembrado

que Bell, cujo ensaio emerge como referência obrigatória para muitos outros au- tores - críticos positivos ou negativos - que estudam a sociedade da informação, a exemplo de Kathleen Woodwards12, Isaac Minian13, a já citada Marike Finlay14 etc.

Bell, porém, presta generoso tributo a Richta, dedicando no seu ensaio, sete pági- nas a uma detalhada resenha do estudo tcheco**.**Richta e Bell - como autores de

obras sínteses e pelo que os aproxima e os separa - podem ser considerados os marcos teóricos na conceituação do capitalismo informacional.

Ambos afirmam essencialmente o mesmo: a ciência e a tecnolo- gia tornaram-se forças produtivas imediatas no processo de produção. Conseqüentemente, “a informação se converte em recurso central e em fonte de poder dentro das organizações”15, assim como, para Richta, a “informação

é a portadora de cada inovação e patamar intermediário de cada aplicação da ciência, [donde] o desenvolvimento da informação integra um dos pilares da revolução científico-técnica”16.

* Civilização na encruzilhada é uma obra coletiva da Academia de Ciências do Partido Comunista Tchecoslovaco,

coordenada pelo sociólogo Radovan Richta. Lida hoje, deixa transparecer claramente o seu objetivo de fornecer um embasamento teórico à “Primavera de Praga” (então em pleno desabrochar), buscando renovar e dar um novo alento ao ideário humanista do socialismo. O que não a torna menos interessante, mesmo pelo que contenha de discutível, como um esforço, talvez pioneiro, para responder a problemas atuais, dentro de um paradigma estrita e, mesmo, ortodoxamente marxista.

** Além de Richta, Bell comenta e dialoga com virtualmente toda a produção intelectual dos anos 50 e 60 que pri-

meiro investigou a revolução tecnológica e a economia da informação: Herman Kahn, W. W. Rostow, Zbigniew Brze- zinski, Kenneth Boulding, Fritz Machlup, Marc ben Porat, Robert Lane, Robert Heilbroner, Robert Solow, André Gorz, Ralf Dahrendorf, C. Wright Mills, Roger Garaudy, Alain Tourainne e outros.

Tanto para Richta quanto Bell, apoiados em copiosos dados estatísticos, o principal fato sociológico a confirmar a chegada dessa nova era é a tendência à redução absoluta e relativa dos empregos fabris, enquanto crescem e se diver- sificam os empregos nos chamados “serviços”, ou no que Bell, a partir de Porat, denomina “setor do conhecimento”. Mas, lembrando que capital, no conceito de Marx, é uma relação social que inclui e requer trabalho simples imediato, Richta sugere, não sem satisfação e suportado nos Grundrisse, que a eliminação do tra- balho pela ciência e a tecnologia estaria suprimindo a relação capitalista como um todo*. Por isto, para o autor tcheco, o desenrolar da revolução científico-téc-

nica criaria novos e mais difíceis problemas para as sociedades capitalistas. Bell também, embora de forma mais prudente e, de preferência, remetendo a outros estudos de autores não-marxistas, não deixa de reconhecer as dificuldades que o capitalismo, com sua filosofia de iniciativa privada e sua crença nos poderes regulatórios do mercado, enfrentaria numa sociedade pós-industrial**.

“Trabalhadores científico-técnicos”, como prefere dizer Richta, ou “profis- sionais” como os identifica Bell, os grupos sociais ligados à geração e distribuição de serviços e de produtos informacionais (ou científico-técnicos) desenvolvem novas necessidades, além daquelas relacionadas à sobrevivência imediata - ne- cessidades ligadas à qualidade de vida, às atividades criativas, ao lazer - cujos valores “não se pode medir [...] em termos de mercado”, confessa Bell21. Essas

necessidades se realizam no tempo livre, agora elevado a “componente principal da vida humana [e] base para a atividade criativa como um fim em si mesma”22.

Esta ocupação criativa do tempo livre se origina e se consuma na ciência:

O ponto de partida da nova posição da ciência e de sua apli- cação tecnológica é o caráter social das forças produtivas criadas pela evolução anterior. A própria ciência, diferen- temente das habilidades excepcionais e da experiência do artesão, representa essencialmente uma força produtiva social - muito mais social que todas as demais forças produ- tivas algum dia postas em movimento; se apóia diretamente

* Adotando, como fontes de referência, trabalhos de S. Kuznets, C. Clark, Creamer e outros, Richta apresenta um

quadro, segundo o qual, entre 1880 e 1919, nos Estados Unidos, a relação entre capital e produção na indústria de transformação cresceu de 0,54 até 1,02, decaindo desde então, até 0,59, em 1953. Na Grã-Bretanha, em relação à economia nacional, o coeficiente médio de capital subiu de 3,51 a 3,90, entre 1875 e 1909, começando, desde então, a declinar lentamente, até reduzir-se a 2,55, em 1953. Daí conclui, como que confirmando Marx, que o aumento da riqueza social cada vez menos dependia do crescimento do capital17.

** Em The Limits of American Capitalism, Robert Heilbroner defende que a natureza do empreendimento científico é

incompatível com as práticas de mercado, logo “a expansão da ciência e da técnica baseada na ciência está criando o esqueleto para uma nova ordem social que corroerá o capitalismo”18. Outro autor, François Bourricaud, defende que

a nova sociedade vinha gestando “uma economia do bem estar independente do mercado”19. Uma demonstração

matemática da impossibilidade de o mercado atender racionalmente às necessidades próprias dessa sociedade foi desenvolvida por Kenneth Arrow em Social Choice and Individual Values20 (ver capítulo seguinte). Todas esses

na integração do esforço civilizador de todos os contempo- râneos e se respalda na existência de todas as gerações an- teriores, em todo o desenvolvimento da sociedade até hoje. Surge como ‘saber social geral’ [Marx] e simultaneamente, como ‘saber acumulado’ [Marx] da sociedade; funciona ple- namente apenas tendo por base [o trabalho combinado] de toda a sociedade23

.

A ciência, pois, pode ser entendida como um processo social no qual se envolve, ainda que indiretamente, toda a sociedade, na medida em que estimu- la a prática científica, fornece os meios materiais para a sua realização, forma e sustenta os recursos humanos necessários, absorve - porque reúne as con- dições culturais adequadas - os seus resultados e, logo, fomenta o seu ulterior desenvolvimento. “A relação da sociedade com o conhecimento científico e sua capacidade ou incapacidade para utilizar os resultados da ciência, das inova- ções técnicas, são um critério inequívoco do progresso do sistema social como um todo”24. E o tempo livre vem a ser tempo disponível para todos se alçarem,

de um modo ou de outro, àquela condição criativa privilegiada que, um dia, somente sacerdotes egípcios (e gregos, romanos etc...) desfrutaram. Daí que, para tanto, o “decisivo não [seja] a magnitude, e sim, antes de tudo, o conteúdo do tempo livre”25.