• Nenhum resultado encontrado

Prosseguindo, examinemos o caso, muito comum nas grandes cidades brasileiras, em que o motorista, durante as madrugadas ou em certos logradou- ros, adota, seja ao sinal de “siga”, seja ao sinal de “pare”, um comportamento sin-

gular: reduz a velocidade e, confirmado não haver riscos, atravessa o cruzamen- to. É como se o “pare” indicasse “pare, mas se não vier outro carro na transversal, pode prosseguir”. O “siga”, por sua vez, estaria indicando “siga, mas verifique an- tes se não vem algum carro na transversal ameaçando avançar sobre o seu pró- prio sinal”. O código tornou-se mais dúbio, os sinais “pare” e “siga” já não são tão determinantes, destruiu-se redundância, aumentou-se informação, ou incerteza.

Este comportamento resulta da aceitação, pelo agente (motorista) de mensagens oriundas de outras fontes (eventualmente incorporadas ao seu re- pertório) que lhe dizem “ser perigoso permanecer parado nos sinais à noite”, que “não podemos estar seguros sobre se todo e qualquer motorista obedecerá ao sinal de ‘pare’”, que “não há motivos para obedecer sinais nas horas sem trânsito” etc. Estas mensagens transmitem informações que não constam do repertório original do agente que codificou o semáforo (o Departamento de Trânsito) mas que são, para o agente que o utilizará, tão ou, em certas circunstâncias, mais im- portantes que as indicações das lâmpadas do sinal. O motorista precisa “obede- cer” àquelas mensagens pois, paradoxalmente, se não o fizer pode estar mais ameaçado de um desastre do que o fazendo.

A estas outras mensagens não previstas num específico código mas que afe- tam a reação do agente a este código, denomina-se ruído. “O ruído não é distinguível de modo intrínseco de qualquer outra forma de variedade [isto é, incerteza]. Apenas quando é dado algum receptor, que estabelecerá qual dos dois é importante para ele, será possível a distinção entre mensagem e ruído [...] O ruído é assim pura- mente relativo a um dado receptor, que deve decidir qual a informação que deseja ignorar”34. Para Shannon, o ruído teria um efeito “espúrio” sobre a mensagem, em-

bora Weaver, na parte por ele escrita na clássica obra da dupla, tenha intuído, sem aprofundar, que “quando existe ruído, o sinal recebido exibe maior quantidade de informação - ou fraseando melhor, o sinal recebido é selecionado dentre um grupo de sinais mais amplos e mais variado do que o sinal transmitido”35.

Como Shannon desenvolveu sua teoria a partir de estudos nos fenôme- nos que ocorrem nas linhas telefônicas, pareceu-lhe, não sem razão, que o ruído browniano nos cabos atrapalhava a comunicação, requerendo investimentos em meios para reduzí-lo que aumentavam os custos de implantação e operação das redes. Ocorre que o ruído é inerente à comunicação e mesmo o ruído físico não pode ser suprimido pela impossibilidade de suprimirmos o movimento brownia- no nos fios - ele pode apenas ser filtrado. Daí que, talvez, devêssemos considerar o significante “ruído” inadequado para a correta compreensão dos processos in- formacionais. Mantê-lo-emos, porém, em nosso estudo, porque já está consagra- do no linguajar científico.

Tal concepção lógico-formal do ruído tornou difícil explicar reações quo- tidianamente percebidas em qualquer “receptor”, de não subordinação às inten-

ções da “fonte”. Coube, primeiro, ao ciberneticista alemão, Heinz von Foerster36 e,

depois, de forma mais aprimorada, ao biólogo francês Henri Atlan37, formularem

o princípio da ordem pelo ruído, através do qual se demonstra como o assim cha- mado ruído é fundamental à manutenção da neguentropia de um sistema, sobre- tudo de um sistema vivo.

Se considerarmos um sistema isolado de “emissão” e “recepção”, com ape- nas uma via de comunicação, conforme fez Shannon, o ruído introduzido por uma segunda via será fator de degradação da mensagem, ameaçando romper, destruir, a própria interação. Mas estando os sub-sistemas interconectados a muitas vias, como é próprio da estrutura dos seres vivos e das relações sociais, o ruído num nível de organização, exatamente porque diminui a redundância no código a este nível, poderá ser percebido como aumento de informação, de liber- dade de escolha, de possibilidades alternativas, em outro nível de organização - recordando que um nível de organização sistêmico é objeto de informação para outro. “Para a célula que olha as vias de comunicação que a constituem, o ruído é negativo. Mas para o órgão que olha a célula, o ruído nas vias do interior da célula é positivo (desde que não mate a célula), pelo fato de aumentar o grau de variedade, e portanto, os desempenhos reguladores de suas células”38.

Máquinas ou aparatos técnicos, porque possuem uma ou poucas entradas de informação e de energia e número relativamente reduzido de componentes, devem reagir apenas aos sinais para os quais estão programados. Qualquer outro sinal imprevisto, ou ruído, será ignorado, ou poderá causar-lhes panes, parciais ou gerais. Sistemas assim são ditos auto-regulados: reagem homeostaticamente a algum estímulo externo, se esse estímulo estiver previsto em seu código. São ditos também complicados, definindo-se a complicação pelo “número de etapas ou instruções a descrever, especificar ou construir [no] sistema, a partir de seus componentes”39. Previsível, redundante, a complicação é mensurável, pois as re-

lações entre os elementos do sistema - o seu código - obedecem a regras rígidas, conhecidas na sua totalidade pelo mensurador. O problema de um sistema com- plicado não está na dificuldade maior ou menor de compreendê-lo, mas no tem- po a ser consumido nesse propósito. “Quanto mais longo é esse tempo [...], mais complicado é [...] o sistema”40.