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Essas dificuldades relativas à apropriação e mercantilização da informa- ção vêm sendo percebidas pelos neo-clássicos, desde que o tema começou a emergir como objeto de estudo econômico. Um bom exemplo encontramos na polêmica entre Kenneth J. Arrow13 e Harold Demsetz14. Os trabalhos de Arrow,

discutir o valor da informação, estabelecendo conceitos que se consolidariam com o tempo, na mesma linha seguida por Bates, como expusemos acima*.*Já Demsetz, no fim da mesma década 60, dirigindo um de seus ensaios direta- mente contra Arrow, surge como um dos primeiros a formular uma teoria dos direitos autorais que (os fatos demonstram) parece vir se consolidando, neste fim de século XX.

Ambos esses autores, bem como outros reunidos num livro pioneiro, edi- tado por D. M. Lamberton15, reconheceram a extrema dificuldade que a formali-

zação da concorrência perfeita, conforme elaborada pelos neo-clássicos, enfren- taria diante da tendência à mercantilização da informação. Arrow lembrou que o modelo paretiano, para funcionar, excluía indivisibilidades, inapropriabilidades e incertezas16. Em suma, justo as qualidades intrínsecas da informação. Ponderou

que os dois primeiros aspectos vinham sendo já estudados, mas o problema da incerteza ainda carecia de melhor exame. Incerteza aumenta riscos e uma “alo- cação não ótima” pode ser o resultado de algum empresário se dispor a correr mais riscos que os demais. Por outro lado, se um empresário conseguir acesso pioneiro à informação que lhe diminua os riscos - como o primeiro fazendeiro do exemplo que viemos adotando - trataria de retirar daí uma vantagem individual (que se traduziria em maiores ganhos sobre a concorrência), donde também o mercado não lograria promover o “ótimo”.

Considerando existir empresários interessados na informação que lhes diminua os riscos, Arrow introduz a possibilidade de o “intercâmbio da informa- ção” vir a ser promovido por entidades que se especializariam nessa atividade, “tais como os jornais”17. Porém, este “dono” da informação - o vidente do exemplo

que tomamos a Langlois - se defrontaria com o fenômeno da indivisibilidade. Uma vez revelada pela primeira vez, qualquer informação pode ser “infinitamen- te” reproduzida a custo zero ou quase zero. Para sentir-se “estimulado” a investir neste negócio, o “dono” da informação precisaria estar dotado de algum direito sobre ela. Se não possui esse direito, não divulga a informação, e o mercado, dela precisando mas dela não tomando conhecimento, não logrará o “ótimo”, pela au- sência de informação “completa”. Se possui esse direito e divulga a informação, encontra-se numa situação monopolista (de único vendedor de um bem) que, também, obstaculiza o “ótimo”. Quando percebemos que Bates, cuja leitura reali- zamos acima, também aponta as mesmas questões, embora escrevendo cerca de 20 anos depois, parece-nos que elas tornaram-se razoavelmente disseminadas e consensuais, entre os economistas ortodoxos.

Para Arrow, mesmo medidas legais de proteção à “propriedade” da infor- mação (e a apropriação é um pressuposto básico nos sistemas neo-clássicos) não seriam plenamente eficazes:

Nenhuma proteção legal pode converter num bem comple- tamente apropriável, algo tão intangível quanto a informa- ção. O uso mesmo da informação em qualquer forma pro- dutiva, a revelará, ao menos em parte. A mobilidade das pessoas entre as empresas constitui um canal de difusão da informação. Os direitos de propriedade legalmente impos- tos somente podem providenciar uma barreira parcial, por- que obviamente existem grandes dificuldades para definir de forma clara um elemento de informação e diferenciá-lo de outros elementos similares19.

Do lado do “consumidor”, Arrow percebeu um “paradoxo fundamental”: o valor da informação “não será conhecido antes que ele a tenha, mas então já terá obtido o seu efeito sem nenhum custo”20. Este problema parece-nos resolvido,

se aceitamos estar o comprador interessado numa informação suposta segura a priori, independentemente de qual seja o seu conteúdo. Arrow, não percebendo este aspecto, concluiu que também o comprador estaria submetido a critérios “não-ótimos” de escolha, caso esta escolha exigisse um preço, pela impossibili- dade mesma de avaliar esse preço na margem. Daí, seja pelo ponto de vista do fornecedor, seja pelo ponto de vista do usuário, delineava-se uma grande difi- culdade para a criação “de um mercado de informação, se por alguma razão se o deseje criar”21 - conforme àquela época, ele ainda duvidosamente se exprimia.

Para o usuário, o acesso à informação deveria ser gratuito. Para o fornecedor, a oferta deveria ser-lhe exclusiva. “Numa economia socialista ideal, a remuneração pela invenção estaria separada por completo de todo encargo para os usuários da informação”22, observa, anotando ao rodapé da página que “esta separação existe

na União Soviética”. Mas, “numa economia de livre empresa, a atividade inven- tiva está apoiada no uso do invento para criar direitos de propriedade; precisa- mente na medida em que tal uso tenha êxito, haverá uma utilização deficiente da informação”23*.*Insistindo que a indivisibilidade da informação tenderia a tornar

“incrivelmente complexas”24 as leis sobre patentes; e que a proibição de uso de

uma invenção por terceiras empresas diminuiria ainda mais a efi ciência da ati- vidade inventiva; Arrow chega afinal à conclusão - paradoxal, em se tratando de um liberal - de que esta atividade deveria ser, ou tornar-se, basicamente, uma iniciativa pública. Caberia ao Estado ou a entidades não-lucrativas liderarem-na exatamente para que, igualando o acesso de todos à informação, pudessem ser respeitados os postulados da economia neo-clássica, que buscam maximizar a satisfação individual pela crença na racionalidade distributiva do mercado livre: * Arrow e, também, Damsetz, discutem basicamente a apropriação do conhecimento científico-técnico orientado para a produção, daí o uso, em muitas passagens, das palavras “invenção”, “inventivo” etc. Mas não excluem da suas considerações, todo o tipo de informação que possa ser útil às atividades econômicas.

A alocação ótima à invenção iria requerer que o governo, ou algum outro organismo não dirigido por critérios de ganhos e perdas, financiasse a investigação e a invenção25.