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4. DA AUTONOMIA DO DIREITO À IMAGEM

4.2. Características do direito à imagem

O direito à imagem é um direito da personalidade, e como tal caracteriza-se pelos mesmos traços mencionados no parágrafo último do item 2.4 deste trabalho. Todavia, apresenta especificidades interessantes em relação às características gerais dos direitos da personalidade, uma vez que há duas acepções para o conceito de imagem, conforme anteriormente

330 Exemplifica com a análise dos Arts. 10 do Código Italiano, os Arts. 22 a 24 da lei alemã de

9/1/1907 derrogado pelo Art. 141 da Lei de 9/9/1965 (direitos de autor sobre obras de arte plástica e de fotografia), Art. 162 do Anteprojeto Francês e por meio da Lei Argentina 11.733. (Op. cit., p. 510).

331 A proteção constitucional da própria imagem, p. 32.

332 Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à

manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade ou se forem destinadas a fins comerciais.

explicamos. São elas: imagem original, matriz ou exemplar; e imagem decorrente, reprodução ou refletida.

A primeira característica do direito à imagem é o de ser coisa

consubstancial à pessoa333. Em outras palavras, a imagem compõe a pessoa.

A imagem corporifica, materializa a pessoa. É por meio de sua imagem que a pessoa é percebida no mundo, de modo que apenas por meio dela a pessoa pode ser reconhecida.

Cada ser humano se apresenta ao mundo com uma figura composta de forma e matéria. Esse conjunto é sua imagem, que compreende pele, carne, ossos e músculos, mas também de gestos, voz, ações... Assim como é por meio dos sentidos (visão, tato, olfato, audição e paladar) que ele é percebido.

A íntima conexão da imagem com a personalidade humana, ou de outro modo, do corpo físico com a forma do ente, é o que justificou a antiga ideia de que o recém-nascido devia ter a aparência humana. Esta teoria foi superada justamente porque se reconheceu que se “o nascido é homem,

humana é a sua figura, pois a forma não pode determinar a substância, embora lhe seja essencial” 334.

A essencialidade da forma para materializar a pessoa, faz da imagem um bem inato, pois pessoa nasce para o direito, já revestida de uma

aparência que lhe compõe naturalmente a sua personalidade335. O direito inato

não tem por objeto um bem ou uma coisa exterior: é algo íntimo e único da

pessoa336. E como bem intrínseco da existência humana por óbvio que é

também irrenunciável, intransmissível, inalienável, pois há a impossibilidade lógica e física de deixar de ter ou de transferir a própria imagem (aparência).

333 Walter MORAES, Direito à própria imagem, in Enciclopédia Saraiva de Direito: vol. 25, p.

351.

334 Walter MORAES, Direito à própria imagem (I), in RT 443, set. 1972, p. 80. 335 Walter MORAES, Direito à própria imagem (II), in RT 444, out. 1972, p. 11.

336 Manuel GITRAMA GONZÁLEZ, Imagen (Derecho a la propia). In: Nueva enciclopedia

No que tange à intransmissibilidade, GITRAMA GONZÁLEZ aponta que a mesma ocorre na causa mortis, porque concebe a imagem apenas como reprodução (retrato). O autor afirma que a herança é o patrimônio do de cujus e caso se pense que os direitos da personalidade não formam parte desse

patrimônio, logo a imagem não é transmitida pela herança337, muito embora os

herdeiros possam defender a honra e a memória do falecido.

O conceito do que é imagem, como já expusemos neste trabalho, amplia a compreensão da natureza e das características do direito à imagem. A imagem seja original ou decorrente não é transmissível ― a confusão está no fato da divulgação da imagem original ou decorrente. No âmbito da divulgação, é possível fazer a comercialização da imagem, mas isso não pressupõe que uma pessoa recebeu como sua a imagem de outrem, de tal modo que o centro da questão está na divulgação da imagem. A característica da intransmissibilidade da imagem é presente em vida ou causa mortis: ninguém pode transmitir para outrem aquilo que é só seu.

O mesmo raciocínio se aplica à inalienabilidade da imagem. No que diz respeito ao aspecto da divulgação, não se aliena a imagem, o que se aliena são os direitos da divulgação de uma imagem. Isso pode parecer, num primeiro momento, um jogo de palavras. Contém, no entanto, um sentido lógico, posto que a imagem ou a vida não se alienam como se aliena outro bem jurídico material, podendo ser dado a esse qualquer destino. Como bem ensina GITRAMA GONZÁLEZ, imagem é um bem que se identifica com os bens mais elevados da pessoa, e, assim, o titular do direito à imagem não pode

desprender-se plenamente deste direito338.

No que se refere à irrenunciabilidade do direito à imagem, é necessário analisar com cautela essa característica, porque renúncia parece significar a abdicação de um direito de forma definitiva e irreversível.

Alguns autores fazem distinção entre a renúncia a um direito e a renúncia ao exercício desse direito. Também enfatizam que somente no

337 Imagen (Derecho a la propia). In: Nueva enciclopedia jurídica. T. 11, p. 337. 338 Idem, p. 336.

segundo caso a renúncia seria possível. Essa distinção, para Virgílio Afonso da SILVA, é desprovida de qualquer finalidade, por exemplo quanto ao direito à propriedade. Este é notoriamente um direito próprio do direito privado, mas também é um direito fundamental. E, assim, esse autor explica que quando o Código Civil, em seu Art. 1275, II, prevê a renúncia como um dos modos de perda do direito de propriedade, certamente não o faz no sentido de que seja possível por meio de declaração de vontade renunciar à possibilidade de nunca mais exercer o direito de propriedade. A renúncia a que se refere o artigo é

determinada à propriedade de um bem339.

Quando se faz menção à renúncia aos direitos da personalidade, ou outro tipo de transação que os envolva, quer se afirmar que em uma relação determinada com uma situação jurídica específica existe a possibilidade de renúncia ou transação do direito de personalidade, mas, contudo, os efeitos dessa renúncia ou transação se limitam a esta situação específica. E em hipótese alguma se pretende dizer que seja possível, mediante declaração de vontade, abdicar ao direito em si e a toda e qualquer possibilidade futura de

exercê-lo.

Evidentemente que também é imprescritível, pois se não se pode despojar-se da própria imagem (aparência), por toda a sua vida a pessoa terá direito de agir: a imagem da pessoa faz parte dela até a sua morte. E mesmo

após a morte a imagem da pessoa “A” continuará sendo da pessoa “A” porque

a forma que corporifica a substância, a aparência que envolve a pessoa, que a faz ser conhecida e reconhecida no mundo, é um atributo físico personalíssimo que não poderá integrar outra personalidade.

Em que pese o esforço doutrinário de apontar essas características próprias dos direitos da personalidade no direito à imagem, elas pouco acrescentam ao estudo do tema, pois nas palavras sempre precisas de Walter

MORAES são “estas as qualidades que se costumam enumerar como

339 A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre

características do direto à própria imagem, muito embora não representem senão corolário da essencialidade do bem da imagem”340.

O direito à imagem é um direito absoluto porque é inerente a toda

pessoa humana, possui caráter geral e oponível contra todos os demais341 e o

próprio Estado. E continua Walter MORAES: “A relação jurídica que se verifica

entre o sujeito titular da imagem e o dever universal de abstenção, respeito e preservação, em razão do objeto imagem, é uma relação de direito absoluto”342.

Dizer que o direito à imagem é um direito absoluto não significa afirmar que é um direito real. A imagem, ao exprimir uma individualidade, é tão exclusiva quanto a propriedade. Entretanto, apesar de apresentar traço de semelhança com o direito de propriedade, não é correto concluir que o direito à imagem constitui um direito de propriedade, porque o valor da propriedade está no mundo exterior, material ou imaterial, ao passo que o valor da imagem se encontra em bem jurídico inerente à personalidade do titular, sem nenhuma expressão de valor econômico, tal como é a vida. Não se mensura economicamente a vida humana, e assim, do mesmo modo, a imagem.

O caráter absoluto do direito à imagem o exclui dos direitos pessoais que são relativos, transitórios, subordinados a uma obrigação de dar, fazer e não fazer, os quais são exclusivamente patrimoniais.